«Tenho orgulho de ter lutado pelo meu país.
Tenho orgulho de ter mostrado que é possível ir contra lóbis e interesses
instalados.»
Álvaro Santos Pereira
Por certo que muitos dos
habituais leitores destas nossas deambulações literárias estarão recordados
quando, em Agosto de 2012, escrevemos que sempre fomos leitores inveterados de
teses científicas, em qualquer vertente da teoria do conhecimento, acreditando
– ainda que com algumas reservas – naquilo que os seus autores podem trazer de
novo ao pensamento universal. E quando essas teses se apresentam como soluções
aos acidentes de percurso das áreas a que se confinam, faz aumentar em nós a
“curiosidade especulativa”. Na altura, referíamo-nos ao livro «Portugal na hora da verdade: como vencer a
crise nacional» da autoria de Álvaro Santos Pereira, aquele que após tomar
posse como ministro da Economia, e contrariando os apelativos dos defensores
dos prefixos (pão quentinho a sair do forno de Miguel Relvas), aconselhou a que
o chamassem de Álvaro, sem o doutor (aplaudimos de pé), livro esse onde procurava
mostrar que Portugal vive hoje três grandes crises: a crise das finanças
públicas, a crise da competitividade e do crescimento e a crise do
endividamento externo. Entre as questões debatidas, incluem-se as seguintes:
qual é o verdadeiro estado das nossas finanças públicas? Porque é que o nosso
Estado gasta tanto? Quantos institutos e outras entidades públicas existem e
quanto gastam? E porque estamos tão endividados? Será a dívida nacional
sustentável? Quão grave é o problema de competitividade das nossas exportações?
– questões e interrogações pertinentes, reforçadas pelo facto de ele mesmo
sublinhar ao longo da mesma “dissertação” que havia fortes indícios de que o
nosso Estado estava a matar a economia nacional, afirmando mesmo que os
funcionários públicos não eram responsáveis por esta situação: “Uma verdadeira
reforma do Estado que torne as nossas contas públicas saudáveis e sustentáveis
não deve ser feita contra os funcionários públicos ou contra o serviço público.
Muito pelo contrário. Uma verdadeira reforma da administração pública terá de
melhorar o serviço público, não piorá-lo. Uma verdadeira reforma da função
pública terá de aumentar o prestígio do emprego público, não diminuí-lo. Uma
verdadeira reforma do Estado terá de incentivar a auto-estima dos funcionários
públicos e fazer com que sejam eles próprios a estimular a mudança de que a
nossa administração pública necessita”.
Como era previsível,
este tipo de teorização levá-lo-ia à precipitada saída do governo ultraliberal
de Passos Coelho. Hoje, voltamos a ser confrontados com uma nova
“bomba-relógio”, intitulada «Reformar sem
medo: um independente no Governo de Portugal», com 1.ª edição em finais de
Novembro deste mesmo ano. Seu autor, Álvaro Santos Pereira, vem agora a
“terreiro” afirmar que «durante muitos
anos, eu estive na posição confortável de poder criticar à distância. Em
livros, em blogues, em artigos de jornal. Além disso, como vivia no
estrangeiro, a minha posição era ainda mais cómoda, visto que as minhas
críticas certamente não afectavam o meu dia-a-dia. Podia criticar o que
quisesse, pois isso não teria consequências para a minha vida privada ou
familiar…» (p. 16), numa espécie de preâmbulo ao capítulo de “Uma missão
(quase) impossível”. É nesta nova “dissertação” de «Reformar sem Medo», que o
ex-ministro da Economia põe o dedo na ferida, abordando de uma forma clara um
pouco de tudo: intriga política (sendo Paulo Portas uma das figuras
principais), luta contra lóbis e as negociatas de bastidores com a troika: «Quando saí do Conselho de Ministros, pensei
que tínhamos dado um importante passo para conseguirmos o IRC a 10% para os
novos investimentos. Porém, sabia também que ainda havia muito caminho para
andar, até porque Vítor Gaspar claramente não era apologista da medida. Não me
enganei. No sábado seguinte, marcámos uma reunião com o Ministro das Finanças,
em que estiveram presentes também Carlos Moedas e a minha equipa. O resultado
foi desastroso. Vítor Gaspar disse muito claramente que quem tinha a tutela e a
responsabilidade das Finanças em Portugal era ele, e que ele não gostava da
medida…» (p. 343). Vítor Gaspar e Carlos Moedas, dois nomes sonantes,
privilegiados em calendas europeizadas.
«Reformar sem Medo», acusa decepções, ineficiências e, sobretudo,
crítica a troika, os lóbis, o “país que venera formalismos” e Paulo Portas: «Se há algo que me orgulho de ter feito
durante a minha governação foi a luta contra os lóbis e os interesses
instalados. Sei que sou suspeito, mas penso que na nossa democracia não há
muitos exemplos de Ministérios da Economia tão independentes como o nosso foi (…)
Os lóbis nunca tiveram a minha simpatia. Os aparelhistas partidários também
não. No meu Ministério os lóbis ficaram à porta. E os aparelhistas nunca
encontraram na nossa equipa quem lhes desse ouvidos» (p. 223) – exame de
contrição em louvor próprio, para depois desferir algumas alfinetadas a Paulo
Portas: «Neste sentido, um colega do
Governo disse-me uma vez que havia a percepção de que as coisas não andavam bem
no Ministério da Economia e do Emprego. Perguntei que coisas eram essas. As
reformas? Não disse ele, as reformas estavam a ser feitas e até tínhamos feito
um bom trabalho. Os cortes das rendas e o combate aos interesses instalados?
Não, isso nós também tínhamos feito. A reforma do Estado no que dizia respeito
ao Ministério e a reestruturação das empresas públicas? Não, isso também foi
alcançado e bem, respondeu-me. Então, o que é que falta?, perguntei. “Sabes”,
respondeu ele, “o partido queixa-se que as nomeações nunca mais arrancam, que
vocês demoram muito a substituir os socialistas que lá estão.” Foi aí que eu
percebi (ou, melhor, confirmei) que a alegada ineficiência do meu Ministério
estava na “demora” em nomear os correligionários dos partidos para os cargos
existentes nas diferentes empresas públicas e instituto…» (p. 50). O homem
do “irrevogável”, aquele que há muitos anos, aquando director do
“Independente”, abominava política e políticos, mantinha a mesma serenidade e a
mesma “lata” dos “aparelhistas” partidários, na procura de darem emprego a
tanta gente cujo único mérito era (e é) o cartão de militante. Daí, não
estranharmos o bater da porta do – até aqui líder da concelhia centrista em
Viana do Castelo – nosso particular amigo Carlos Meira.
Agora começamos a
entender o porquê do nosso livro «Baliza
trágica de um naufrágio» ter vários engulhos no seio do corporativismo
instalado, o que tem dificultado a sua aceitação nos “aparelhos” editoriais. Há
muita coisa por explicar e os “aparelhistas” movimentam-se no sentido de
silenciarem quem não alinha no mercantilismo das “consciências aparelhadas”,
contrário ao pensamento de Pascal, quando afirma que «a consciência é o melhor livro de moral e o que menos se consulta».
Até quando democracias assim condimentadas? A pergunta fica no ar!
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