«Se somos capazes de mobilizar milhões de
euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de
Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para
combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade
justa».
Martin Schulz
Há muita gente que é
muito pouco dada à reflexão sobre a sua própria condição, enquanto cidadão europeu,
dessa Europa que se pauta – ou faz questão de querer parecer pautar-se – pelos
princípios assentes nos valores de respeito da dignidade humana, de liberdade,
de democracia, de igualdade, de Estado de Direito e de respeito dos direitos do
Homem. Afirmação impressa, por convicção dos mentores do paraíso, acolchoados
na retórica da mentira e da hipocrisia: Estes
valores, que são enunciados no artigo I-2.°, são comuns aos Estados-Membros.
Além disso, as sociedades dos Estados-Membros caracterizam-se pelo pluralismo,
pela tolerância, pela justiça, pela solidariedade e pela não discriminação.
Estes valores desempenham um papel importante, nomeadamente em dois casos
concretos. Primeiramente, o respeito destes valores constitui uma condição
prévia para a adesão de qualquer novo Estado-Membro à União, de acordo com o
procedimento enunciado no artigo I -57.°. Em segundo lugar, o incumprimento
destes valores pode conduzir à suspensão dos direitos de membro da União em
relação a um Estado-Membro (artigo I -58.°). Constatação nossa de
dissimulações, pelas palavras e não pelas acções práticas, quando “prometem”
que os objectivos principais da União são doravante a promoção da paz, dos seus
valores e do bem-estar dos seus povos. Artigos que se anulam uns aos outros,
antevendo a imagem da “caverna” em Platão ou a “realidade medieval” do rei que
vai nu.
Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o
sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e
meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego...
Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa. – assim
começámos, em jeito de lide, a nossa presente reflexão (chamemos-lhe assim),
citando Martin Schulz.
É verdade, foi em Março
do corrente ano, que o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, afirmou
em Bruxelas que a Europa está a pedir sacrifícios aos cidadãos “para salvar os
bancos”, defendendo que é preciso envolver os parceiros sociais e defender o
modelo social europeu.
“Estamos a pedir
sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos,
impostos mais altos e menos serviços. E para quê? Para salvar os bancos. E os
filhos estão desempregados. Se não mudarmos isso, se não voltarmos a um
tratamento igualitário e justo, as promessas feitas pela Europa não serão
cumpridas”, disse Martin Schulz na conferência «Um novo começo para o diálogo
social».
Na altura, Martin
Schulz, num discurso de cerca de 20 minutos, referiu-se em concreto ao
desemprego jovem na Grécia e em Espanha, sublinhando que “as pessoas falam de
uma geração perdida na Europa” e que, “mesmo os que têm emprego muitas vezes
estão presos numa espiral de estágios não remunerados e de contractos de curto
prazo”. E foi mais longe, reforçando a ideia de que as “pessoas estão a pagar
uma crise que não causaram e sentem que não é uma sociedade justa”, compreendendo,
ao mesmo tempo, o sentimento negativo dos eurocépticos, defendendo que esta “geração
perdida” não afecta só os jovens, mas também os seus pais, que “investiram a
vida toda na educação dos filhos”. Martin Schulz evidenciou ainda a importância
do envolvimento dos representantes dos trabalhadores e das empresas na
construção de políticas e de reformas estruturais.
Sem nos pautarmos pela
presunção (e, quiçá, água-benta) de nos aventurarmos pelos meandros da
economia, teremos em dizer que tudo isso nos isentará de tecermos grandes
comentários, dado que há muito tempo isso mesmo vem escrito no nosso livro “Baliza
Trágica de Um Naufrágio”, que corre o risco de ser rejeitado por todas as “iminências”,
palradoras de TV, dependentes dos bancos e dos grandes grupos editoriais,
também estes dependentes dos dinheiros que são injectados nos bancos. E aqui,
não estamos a falar de bancos de jardim. Atentem a uma curta passagem da nossa
deambulação tágico-literária, iniciada em 2008: «E não seria necessário
continuar a esmiuçar toda aquela problemática, de difícil compreensão para o
mais comum dos mortais, a partir do momento em que, por sugestão de Gaspar,
resolveram ver e ouvir a referida produção em vídeo, bem reconfortados no longo
sofá de parede, através do portátil do João Camacho. Ali estava a compreensível
articulação do dinheiro criado do nada, uma imposição do sistema bancário à
sociedade como um todo, onde em vez de se encarar o dinheiro como um simples
dispositivo social que se quer estável, e num formato neutro que não incorpore
nenhum bem ou serviço, aparecem os juros para corromperem esse princípio,
convertendo o dinheiro numa mercadoria lucrativa…». E mais não diremos, no que
concerne à nossa visão europeísta. Se um dia o livro sair, estará lá tudo.
Para terminarmos, uma
pequena nota de um livro que iniciamos a sua leitura, publicado, inicialmente,
em Londres, em 2013, e recentemente traduzido para português: Nada nos humaniza tanto como a aporia – o
estado de perplexidade intensa em que nos encontramos quando as nossas certezas
se desmoronam; quando, de repente, somos apanhados num impasse, sem
conseguirmos explicar o que os nossos olhos vêem, o que os nossos dedos tocam,
os que os nossos ouvidos ouvem. Nesses raros momentos, enquanto a nossa razão
se esforça denodadamente por apreender o que os sentidos nos relatam, a nossa
aporia relembra-nos a humildade e prepara-nos a mente para verdades até então
insuportáveis… (VAROUFAKIS, Yanis – O
Minotauro Global: Os Estados Unidos, a Europa e o Futuro da Economia Global.
Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 17). Por cá, os palradores de circunstância
(em palanque de TV) abstraem-se da leitura, para falarem pelo “diapasão do
chefe”. Corrido o “chefe”, voltam-se para outro “chefe”. E assim
sucessivamente, até se esgotarem os créditos e influências nos “corredores do
poder”. A “realidade económica” em detrimento do “lirismo dos poetas”, bacorada
vociferada na semana em que o vociferador é investigado por corrupção. Bem
prega o Frei Tomás.
Boa reflexão e até para a semana!
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