Friday, July 03, 2015

A Europa e os sacrifícios para salvar os bancos?!...

«Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa».

Martin Schulz

Há muita gente que é muito pouco dada à reflexão sobre a sua própria condição, enquanto cidadão europeu, dessa Europa que se pauta – ou faz questão de querer parecer pautar-se – pelos princípios assentes nos valores de respeito da dignidade humana, de liberdade, de democracia, de igualdade, de Estado de Direito e de respeito dos direitos do Homem. Afirmação impressa, por convicção dos mentores do paraíso, acolchoados na retórica da mentira e da hipocrisia: Estes valores, que são enunciados no artigo I-2.°, são comuns aos Estados-Membros. Além disso, as sociedades dos Estados-Membros caracterizam-se pelo pluralismo, pela tolerância, pela justiça, pela solidariedade e pela não discriminação. Estes valores desempenham um papel importante, nomeadamente em dois casos concretos. Primeiramente, o respeito destes valores constitui uma condição prévia para a adesão de qualquer novo Estado-Membro à União, de acordo com o procedimento enunciado no artigo I -57.°. Em segundo lugar, o incumprimento destes valores pode conduzir à suspensão dos direitos de membro da União em relação a um Estado-Membro (artigo I -58.°). Constatação nossa de dissimulações, pelas palavras e não pelas acções práticas, quando “prometem” que os objectivos principais da União são doravante a promoção da paz, dos seus valores e do bem-estar dos seus povos. Artigos que se anulam uns aos outros, antevendo a imagem da “caverna” em Platão ou a “realidade medieval” do rei que vai nu.
Se somos capazes de mobilizar milhões de euros para estabilizar o sistema bancário e temos de negociar com 28 chefes de Estado durante meses e meses por causa de seis mil milhões de euros para combater o desemprego... Compreendo os que pensam que isto não é uma sociedade justa. – assim começámos, em jeito de lide, a nossa presente reflexão (chamemos-lhe assim), citando Martin Schulz.


É verdade, foi em Março do corrente ano, que o presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, afirmou em Bruxelas que a Europa está a pedir sacrifícios aos cidadãos “para salvar os bancos”, defendendo que é preciso envolver os parceiros sociais e defender o modelo social europeu.
“Estamos a pedir sacrifícios aos cidadãos, aos pais, para aceitarem salários mais baixos, impostos mais altos e menos serviços. E para quê? Para salvar os bancos. E os filhos estão desempregados. Se não mudarmos isso, se não voltarmos a um tratamento igualitário e justo, as promessas feitas pela Europa não serão cumpridas”, disse Martin Schulz na conferência «Um novo começo para o diálogo social».
Na altura, Martin Schulz, num discurso de cerca de 20 minutos, referiu-se em concreto ao desemprego jovem na Grécia e em Espanha, sublinhando que “as pessoas falam de uma geração perdida na Europa” e que, “mesmo os que têm emprego muitas vezes estão presos numa espiral de estágios não remunerados e de contractos de curto prazo”. E foi mais longe, reforçando a ideia de que as “pessoas estão a pagar uma crise que não causaram e sentem que não é uma sociedade justa”, compreendendo, ao mesmo tempo, o sentimento negativo dos eurocépticos, defendendo que esta “geração perdida” não afecta só os jovens, mas também os seus pais, que “investiram a vida toda na educação dos filhos”. Martin Schulz evidenciou ainda a importância do envolvimento dos representantes dos trabalhadores e das empresas na construção de políticas e de reformas estruturais.
Sem nos pautarmos pela presunção (e, quiçá, água-benta) de nos aventurarmos pelos meandros da economia, teremos em dizer que tudo isso nos isentará de tecermos grandes comentários, dado que há muito tempo isso mesmo vem escrito no nosso livro “Baliza Trágica de Um Naufrágio”, que corre o risco de ser rejeitado por todas as “iminências”, palradoras de TV, dependentes dos bancos e dos grandes grupos editoriais, também estes dependentes dos dinheiros que são injectados nos bancos. E aqui, não estamos a falar de bancos de jardim. Atentem a uma curta passagem da nossa deambulação tágico-literária, iniciada em 2008: «E não seria necessário continuar a esmiuçar toda aquela problemática, de difícil compreensão para o mais comum dos mortais, a partir do momento em que, por sugestão de Gaspar, resolveram ver e ouvir a referida produção em vídeo, bem reconfortados no longo sofá de parede, através do portátil do João Camacho. Ali estava a compreensível articulação do dinheiro criado do nada, uma imposição do sistema bancário à sociedade como um todo, onde em vez de se encarar o dinheiro como um simples dispositivo social que se quer estável, e num formato neutro que não incorpore nenhum bem ou serviço, aparecem os juros para corromperem esse princípio, convertendo o dinheiro numa mercadoria lucrativa…». E mais não diremos, no que concerne à nossa visão europeísta. Se um dia o livro sair, estará lá tudo.
Para terminarmos, uma pequena nota de um livro que iniciamos a sua leitura, publicado, inicialmente, em Londres, em 2013, e recentemente traduzido para português: Nada nos humaniza tanto como a aporia – o estado de perplexidade intensa em que nos encontramos quando as nossas certezas se desmoronam; quando, de repente, somos apanhados num impasse, sem conseguirmos explicar o que os nossos olhos vêem, o que os nossos dedos tocam, os que os nossos ouvidos ouvem. Nesses raros momentos, enquanto a nossa razão se esforça denodadamente por apreender o que os sentidos nos relatam, a nossa aporia relembra-nos a humildade e prepara-nos a mente para verdades até então insuportáveis… (VAROUFAKIS, Yanis – O Minotauro Global: Os Estados Unidos, a Europa e o Futuro da Economia Global. Lisboa: Bertrand Editora, 2015, p. 17). Por cá, os palradores de circunstância (em palanque de TV) abstraem-se da leitura, para falarem pelo “diapasão do chefe”. Corrido o “chefe”, voltam-se para outro “chefe”. E assim sucessivamente, até se esgotarem os créditos e influências nos “corredores do poder”. A “realidade económica” em detrimento do “lirismo dos poetas”, bacorada vociferada na semana em que o vociferador é investigado por corrupção. Bem prega o Frei Tomás.  
         Boa reflexão e até para a semana!

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