Friday, August 21, 2015

O papel da religião perante a ciência e vice-versa!...

«A fé não era uma coisa importante na minha infância. Tinha uma ideia vaga sobre o conceito de Deus, mas as minhas interacções com Ele limitavam-se a momentos ocasionais de negociação sobre algo que eu queria que Ele fizesse por mim…»

Francis S. Collins

Um dia destes, quando alguém nos questionava a propósito da nossa opinião acerca de uma abrangente interrogação – plasmada em livro – «Porquê Deus se existe a Ciência?», feita por Manuel Curado (Org.), Alfredo Dinis (infelizmente, já desencarnado), Álvaro Balsas, Artur Galvão, Francisco Teixeira, Miguel Vieira, Paulo Alexandre e Castro e Sofia Reimão, condimentada pelo carácter polimórfico da experiência e multiplicidade epistemológica, assente na história das relações entre a fé e ciência, quando a mesma “está marcada por conflitos e equívocos de diversa ordem, mas também por consonâncias fecundas” (cit. Álvaro Balsas), veio-nos à memória o tema de uma conferência – promovida, em 2007, pela «Fundação Bracara Augusta» – com o título «O papel da religião na sociedade contemporânea perante a ciência e a explicação racional do mundo», conferência essa que decorreu no auditório da Biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, e na qual foram principais oradores (palestrantes) Alexandre Quintanilha (Doutorado em Física Teórica) e Anselmo Borges (Filósofo /Teólogo), sendo moderadores o ex-Reitor da Universidade do Minho (UM) e também catedrático, Licínio Chainho Pereira, e o então director do Departamento de Filosofia e Cultura (DFC) – e, presentemente, Professor Catedrático da Universidade do Minho, Manuel Gama, trouxe à discussão a problemática da dicotomia entre a Ciência e a Religião.
Na altura, pelo que nos foi dado constatar, o “confronto” nessa conferência saldou-se por um saudável equilíbrio de ideias, havendo mesmo, face à complexidade da vida humana, uma certa complementaridade e/ou articulação entre ambas. Se a Ciência abre novos caminhos de conhecimento, levada à capacidade de ser falsificada – ou refutada, porque admite a revisão e aperfeiçoamento –, a Religião, nomeadamente através da Bíblia, mesmo não sendo um livro de ciência, e tomando como referência, neste caso concreto, o cristianismo, ao desdivinizar o mundo abriu espaço à investigação científica (cit. Anselmo Borges). Por isso, a Ciência não pode (ou não deveria) reivindicar o monopólio da verdade, ou seja, não pode ter a exclusividade da racionalidade. Ficamos com a sensação, mesmo face às diferenças, de que a Ciência e a Religião são complementares, porque podemos chegar à articulação de outros saberes, outras vias, outros modos.


O extraordinário exemplo trazido pelo Professor Manuel Gama vinha-nos através de Francis S. Collins e de, na altura, a sua mais recente obra «A linguagem de Deus» (2007), quando perante a elaboração do primeiro esboço do genoma humano, se viu confrontado com a surpreendente complexidade da informação contida em cada célula do corpo humano, a ponto de tal complexidade, a fazer-se uma leitura efectiva desse código ao ritmo de uma letra por segundo, levaria trinta e um anos a realizar (Collins, 2007: 11). Tal exaltação da Ciência conduziria o então presidente dos Estados Unidos da América, Bill Clinton, à afirmação da sua reverência cada vez maior pela complexidade, a beleza e o prodígio da dádiva mais divina e sagrada de Deus (Collins, 2007: 12). Tendo em mente o “deslumbramento” deste ilustre estadista, estaremos em recordar o antagónico pensamento de Pierre Rousseau quando um dia afirmou que a Ciência é o grande Sol que, não só dissipa as trevas da nossa ignorância e ilumina os mais pequenos recantos do universo, como nos desvenda a sua harmonia incomparável. Tal linearidade do conhecimento experimental e racional leva-nos – a páginas tantas – a que este autor nos “obrigue” a reflectir na relação einsteiniana de equivalência entre a matéria e a energia. No fundo, um olhar físico sobre as estrelas e sobre o próprio universo. É neste tipo de contextos que Francis S. Collins nos chama à atenção para os fundamentalismos: Se há fundamentalistas religiosos que atacam a ciência como perigosa e indigna de confiança, apontando para uma interpretação literal dos textos sagrados como único meio fidedigno de discernir a verdade científica, alguns, do lado da Ciência, também dentro do seu fundamentalismo, formulam a fé como a grande escapatória, a grande desculpa para se fugir da necessidade de pensar e de avaliar as provas (Collins, 2007: 13). Por isso, face à impossibilidade da síntese potencial das concepções científica e espiritual do mundo, discutir-se a Ciência e a Religião requer alguma capacidade em incorporarmos no nosso dia-a-dia a validade dessas duas concepções do mundo, e não aquilo que Bertrand Russell consideraria como objecções intelectuais e morais, tendo em conta que, para ele, não há qualquer razão para supor que algumas das religiões seja verdadeira; e, os preceitos morais remontam a uma época em que se era mais cruel do que actualmente, e porque as religiões tendem a perpetuar as crueldades que a nossa consciência reprova.
Apesar de vivermos tempos em que se explora as “dúvidas” de qualquer um de nós, e onde somos postos à prova com rebatidos conceitos de que para fazer Ciência não é preciso Deus para nada, apercebemo-nos, no entanto, de alguma complementaridade ou, quiçá, simbiose entre a Ciência e Religião. Face à complexidade da vida humana, poderá ser uma “incongruência” não usar da tolerância de um cientista rigoroso que, para além dessa condição, goza, também, do “privilégio” de ser uma pessoa que acredita num Deus que se interessa por cada um de nós: Começarei por explicar como um cientista que estuda genética passou a acreditar num Deus ilimitado no tempo e no espaço, que se interessa pessoalmente pelos seres humanos. Algumas pessoas poderão pensar que essa atitude decorre de uma educação religiosa severa, profundamente instilada pela família e a cultura, e, portanto, impossível de evitar posteriormente. Mas de facto não foi isso que me aconteceu (Collins, 2007: 15).
 Apesar das objecções contra a religião, apontadas, de um modo particular, por Bertrand Russell, e da enorme complexidade que as separa – falar de religião é muito mais complexo do que falar de ciência (cit. Anselmo Borges) – há uma certa articulação entre ambas, tendo em conta que todos os homens relacionam-se (ou deveriam relacionar-se) com o todo. E o todo só é possível, conscientemente, com a necessária bipolarização: a ciência por um lado, vocacionada para a exploração da natureza; e o domínio de Deus (Religião) que se situa no mundo espiritual, numa esfera impossível de explorar com as ferramentas e a linguagem da ciência. Deve ser perscrutado com o coração, a mente e a alma – e a mente terá de descobrir uma maneira de abarcar ambos os reinos (Collins, 2007: 14).
         Apesar desta nossa modesta explanação, carregada aqui e acolá de subjectividades, a pergunta mantém-se: Porquê Deus se existe a Ciência?

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