«Agualusa diverte-se e diverte-nos com o
facto de ter talento para a felicidade. E não haverá, na língua portuguesa
contemporânea, outro caso tão flagrante e abrangente. Esse talento está nos
seus livros, escritos para raptar o leitor à primeira vista».
Alexandra Lucas Coelho (Público)
É indisfarçável a venerável
admiração – sistemicamente quase doentia – que sentimos pelo excelso escritor
angolano José Eduardo Agualusa. Tal adjectivada afirmação nunca será exagerada
porque o Agualusa é dos poucos escritores que nos faz respirar África, sentir o
cheiro e ter o rio “colado ao horizonte, cintilante e mudo, como uma miragem”. Uma
agradável miragem, porque sonhada e vivida.
De uma forma sucinta,
lembrando-nos d’A sombra da mangueira em
«O livro dos camaleões», onde também
nós, tal como o Construtor de Castelos fechamos “os olhos o tempo suficiente
para que o capim crescesse e engolisse tudo, e quando os voltava a abrir
encontrava o mundo igual”, teremos de dizer, principalmente para os mais
distraídos, que José Eduardo Agualusa nasceu no Huambo, Angola, em 1960.
Estudou Silvicultura e Agronomia em Lisboa, Portugal. Os seus livros estão
traduzidos em 25 idiomas. É autor de uma obra que percorre o romance, novela,
contos e literatura infantil. Conquistou numerosos prémios, entre os quais o
“Grande Prémio de Conto da APE” e o “Grande Prémio de Literatura para Crianças
da Fundação Calouste Gulbenkian”. Escreveu várias peças de teatro: “Geração W”,
“Aquela Mulher”, “Chovem amores na Rua do Matador” e “A Caixa Preta”, estas
duas últimas juntamente com Mia Couto. Beneficiou de três bolsas de criação
literária: a primeira, concedida pelo Centro Nacional de Cultura em 1997 para
escrever «Nação crioula», a segunda
em 2000, concedida pela Fundação Oriente, que lhe permitiu visitar Goa durante
3 meses e na sequência da qual escreveu «Um
estranho em Goa» e a terceira em 2001, concedida pela instituição alemã «Deutscher Akademischer Austauschdienst».
Graças a esta bolsa viveu um ano em Berlim, e foi lá que escreveu «O Ano em que Zumbi Tomou o Rio».
No início de 2009 a
convite da Fundação Holandesa para a Literatura, passou dois meses em Amesterdão
na Residência para Escritores, onde acabou de escrever o romance, «Barroco tropical». É membro da União de
Escritores Angolanos e tem mais de uma dezena de romances publicados, dos quais
destacamos os cinco últimos: «Milagrário
Pessoal» (2010); «Teoria Geral do
Esquecimento» (2012); «A Vida no Céu»
(2013); «A Rainha Ginga» (2014); e,
mais recentemente, «O Livro dos Camaleões»
(2015), qual caminho para África onde “cruzam-se personagens em busca de uma
identidade, ou em trânsito de identidade, atravessando várias épocas, do século
XIX aos nossos dias, e diversas geografias, das savanas do sul de Angola às
ruidosas ruas do Rio de Janeiro”. Neste magnífico livro juntam-se contos que
permaneceram por vários anos dispersos em jornais, revistas e antologias,
físicos e virtuais, em Portugal e no Brasil: Lendo Agualusa ficamos entre o gozo do espaço onírico, do não real, e
de surpreendentes retratos de personalidades já conhecidas – e que reconhecemos
–, obra de pequenos delírios, de magníficas citações adaptadas à vida dita
normal, ao quotidiano, para logo sermos entregues, abandonados, à crueza rude
dos referenciais históricos, por exemplo das últimas décadas angolanas
(António Loja Neves – In, Revista do
Expresso, Edição 2230).
Segundo se pode ler em sinopse,
“algumas destas personagens são arrancadas à realidade ou inspiradas em figuras
reais. Não se trata de saber onde termina a realidade e começa a ficção.
Trata-se de questionar a própria natureza do real”, perpassando pela “primeira
noite”; “a sombra da mangueira”; “esquecimento”; “o rio sem nome”; “a boneca
cantora”; “o caminho para África”; “o marinheiro e os mascarados”; “a
importância de um chapéu”; “a virgem sem cabeça”; “as virtudes da discrição”;
“o bom déspota”; “flamantes flamingos, flamengos e flamboyants”; “a Rainha das Abelhas”; e “a última noite”, onde, tal
como Sofia, vestimos um casaco e saímos para a rua. No dia em Agualusa se
sentia cansado e um pouco triste. De facto, a nossa mãe é a única pessoa que
nos ama sem impor condições (…).
Naquele sábado, 25 de
Julho de 2015, fomos jantar e tivemos o «Ponto
de Encontro» (Sessão de autógrafos) com José Eduardo Agualusa, onde falamos
de literatura, da nossa Angola, de sabedorias e paradoxos, de globalismo e
tentáculos da corrupção, e de personagens em busca de identidades. Sentimos que
tudo está por pontas, em estádio de ruptura, dado que, como diria M. Twain, “a
civilização é uma ilimitada multiplicação de necessidades desnecessárias”.
Causa-nos sofrimento sentir a nossa Angola sofrer, quase como «A primeira noite» em «O livro dos camaleões», onde “os ritmos
tropicais pareciam deslocados, como um filme de terror com a banda sonora de
uma comédia romântica”. Noite maravilhosa, onde tomamos consciência plena de
que não devemos descer ao nível dos outros, mas facilitar-lhes a aproximação ao
nosso.
Há noites assim!
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