Friday, October 09, 2015

Exposição de escultura e fotografia “in memoriam” de José Dantas!...

«Durante anos atravessou a vida com as esculturas às costas, num saco de vagabundo ou de poeta, mostrando-as em qualquer parte onde houvesse alguém para ver, nos sítios que eram seus…»

Vítor Silva Barros

Apesar de não termos conhecido pessoalmente o artista limiano José Manuel Dantas de Melo (1 de Julho de 1948 – 13 de Fevereiro de 1975), vulgo Zé Micamé, dado o seu prematuro passamento, sempre ouvimos da boca daqueles que lhe eram mais próximos que “a sua compleição física, aliada a um temperamento rebelde, faziam dele um líder que todos aceitavam”. E, para além disso, tinha a elevada particularidade de, ainda que autodidacta, ser Artista.


Dado o facto de não o termos conhecido pessoalmente, e por forma a interiorizarmos o dicotómico “objecto ético-estético”, servimo-nos de um pequeno apontamento que, circunstancialmente, abrilhanta o pequeno prospecto (catálogo) da magnífica exposição que tem estado patente na Torre da Cadeia Velha, Ponte de Lima, de 4 de Setembro até 2 de Outubro: …Gostava dos pequenos, dos mais desprotegidos, das crianças, dos mendigos e até dos animais. / Não tinha medo de nada. Tratava o rio, as ruas e praças por tu, enfrentava a “Vaca Cordas” como se o touro fosse um bezerro. / Crescemos a admirar esse misto de generosidade e destemor. A liberdade que sempre sonhou tinha expressão na permanente inquietação. Lugares fechados e rigores de mestres não o faziam feliz. / O caminho que escolheu iluminou os melhores anos da sua curta existência. A arte e a liberdade chegaram quase ao mesmo tempo. / Na escultura pôde expressar o que lhe ia na alma e por lá encontrou formas de comunicar até aí impossíveis. Depois veio a fotografia. / Retratou tudo o que gostava e mais o que necessitava para sobreviver. Deixou a marca do seu enorme talento nos retratos que fazia. As crianças, os desfavorecidos da sorte e os animais voltam a preencher a sua vida. O que guardava da infância e dos primeiros anos da adolescência vem povoar a sua expressão artística. / Não viveu muito tempo. A vida mede-se, mas o talento não tem limites e é aqui que reencontramos o nosso amigo e todos voltamos a partilhar as inquietudes e os anseios de uma geração que o Zé personificou à perfeição… – descrição precisa e objectiva, facilitou em muito o nosso percurso estético-emocional, pela magnífica exposição.


Sem que tenhamos a soberba presunção de nos alvorarmos em “objectores de consciência” ou “críticos de arte”, tomamos a liberdade – assente no princípio de que o juízo estético e a produção artística andam de mão dada – de apreciarmos a Arte do Zé Micamé, com a consciência plena de que para se apreciar uma obra de arte não precisamos de trazer connosco seja o que for da vida, qualquer conhecimento das suas ideias e assuntos, qualquer familiaridade com as suas emoções. A criatividade do artista precisa sempre de público e, como um dia escreveria H. Gadamer, para o público, a arte criativa oferece «a experiência que melhor cumpre o ideal de um deleite “livre” e desinteressado». Foi desta forma livre e desinteressada que nos achamos no “direito” de percorrer “o elemento figurativo” em Zé Micamé, levando como único conhecimento relevante, e exigível, que o observador precisa de ter: sentido da forma, da cor e do espaço tridimensional.
Tomando como nossas as palavras de L. Tolstoi, quando afirma, escrevendo, que “os artistas são pessoas inspiradas por uma experiência de profunda emoção e usam a sua aptidão com palavras, ou desenho, ou música, ou mármore, ou movimento, para dar corpo a essa emoção numa obra de arte. A marca do sucesso nesse esforço é o estímulo da mesma emoção no seu público”. Se lhe subtrairmos o mármore e lhe acrescentarmos a madeira, o transbordar espontâneo de um poderoso sentimento emocional, esteve bem patente naquela magnífica exposição “in memoriam” de Zé Micamé. Tudo magnífico!


Não queríamos terminar esta nossa modesta opinião sem referirmos o extraordinário e irrepreensível trabalho de investigação, levado a cabo ao longo de mais de dois anos a esta parte, pela Dra. Catarina Lima, que de uma forma altruísta (só as pessoas bem formadas ética e intelectualmente, são portadoras desta humildade e princípio moral), procurou rodear-se dos apoios necessários, por forma a lhe dar um cunho institucional. Daí, o timbre da Associação «Comunidade Artística Limiana» como pano de fundo de um querer e sensibilidade pessoal: A Associação Cultural CAL agradece a todas as pessoas e entidades que possibilitaram esta homenagem ao artista, através da cedência de peças, fotografias, instalações, material de apoio, testemunhos e outros suportes que beneficiaram a exposição. Ainda um especial agradecimento à família e amigos do artista pelo apoio na realização do evento.


Sábado, 26 de Setembro de 2015, espaço-convívio deambulando por terras de António Feijó e Cardeal Saraiva, na companhia de Amândio Sousa Vieira, um dos mais ilustres limianistas que mais admiramos e respeitamos, viajando até ao âmago de Zé Micamé, o primeiro a usar calças de ganga quando os outros usavam de terylene, cuja obra revela, de facto, “uma elevada qualidade de alguém muito atento à realidade e às desigualdades sociais do seu tempo”. Enalteça-se quem assim viveu e deu testemunho do seu SER. Tal como nos confidenciara Amândio Sousa Vieira, afirmação com a qual corroboramos, esta exposição foi “um momento alto de cultura que muito dignifica Ponte de Lima”. Algo do melhor que se fez nesta área, nos últimos anos em Ponte de Lima, diremos nós.
NOTA MÁXIMA! 

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