«Durante anos atravessou a vida com as
esculturas às costas, num saco de vagabundo ou de poeta, mostrando-as em
qualquer parte onde houvesse alguém para ver, nos sítios que eram seus…»
Vítor Silva Barros
Apesar de não termos
conhecido pessoalmente o artista limiano José Manuel Dantas de Melo (1 de Julho
de 1948 – 13 de Fevereiro de 1975), vulgo Zé Micamé, dado o seu prematuro
passamento, sempre ouvimos da boca daqueles que lhe eram mais próximos que “a
sua compleição física, aliada a um temperamento rebelde, faziam dele um líder
que todos aceitavam”. E, para além disso, tinha a elevada particularidade de,
ainda que autodidacta, ser Artista.
Dado o facto de não o
termos conhecido pessoalmente, e por forma a interiorizarmos o dicotómico “objecto
ético-estético”, servimo-nos de um pequeno apontamento que,
circunstancialmente, abrilhanta o pequeno prospecto (catálogo) da magnífica
exposição que tem estado patente na Torre da Cadeia Velha, Ponte de Lima, de 4
de Setembro até 2 de Outubro: …Gostava
dos pequenos, dos mais desprotegidos, das crianças, dos mendigos e até dos
animais. / Não tinha medo de nada. Tratava o rio, as ruas e praças por tu, enfrentava
a “Vaca Cordas” como se o touro fosse um bezerro. / Crescemos a admirar esse
misto de generosidade e destemor. A liberdade que sempre sonhou tinha expressão
na permanente inquietação. Lugares fechados e rigores de mestres não o faziam
feliz. / O caminho que escolheu iluminou os melhores anos da sua curta
existência. A arte e a liberdade chegaram quase ao mesmo tempo. / Na escultura
pôde expressar o que lhe ia na alma e por lá encontrou formas de comunicar até
aí impossíveis. Depois veio a fotografia. / Retratou tudo o que gostava e mais
o que necessitava para sobreviver. Deixou a marca do seu enorme talento nos
retratos que fazia. As crianças, os desfavorecidos da sorte e os animais voltam
a preencher a sua vida. O que guardava da infância e dos primeiros anos da
adolescência vem povoar a sua expressão artística. / Não viveu muito tempo. A
vida mede-se, mas o talento não tem limites e é aqui que reencontramos o nosso
amigo e todos voltamos a partilhar as inquietudes e os anseios de uma geração
que o Zé personificou à perfeição… – descrição precisa e objectiva,
facilitou em muito o nosso percurso estético-emocional, pela magnífica
exposição.
Sem que tenhamos a
soberba presunção de nos alvorarmos em “objectores de consciência” ou “críticos
de arte”, tomamos a liberdade – assente no princípio de que o juízo estético e
a produção artística andam de mão dada – de apreciarmos a Arte do Zé Micamé,
com a consciência plena de que para se apreciar uma obra de arte não precisamos
de trazer connosco seja o que for da vida, qualquer conhecimento das suas
ideias e assuntos, qualquer familiaridade com as suas emoções. A criatividade
do artista precisa sempre de público e, como um dia escreveria H. Gadamer, para
o público, a arte criativa oferece «a experiência que melhor cumpre o ideal de
um deleite “livre” e desinteressado». Foi desta forma livre e desinteressada
que nos achamos no “direito” de percorrer “o elemento figurativo” em Zé Micamé,
levando como único conhecimento relevante, e exigível, que o observador precisa
de ter: sentido da forma, da cor e do espaço tridimensional.
Tomando como nossas as
palavras de L. Tolstoi, quando afirma, escrevendo, que “os artistas são pessoas
inspiradas por uma experiência de profunda emoção e usam a sua aptidão com
palavras, ou desenho, ou música, ou mármore, ou movimento, para dar corpo a
essa emoção numa obra de arte. A marca do sucesso nesse esforço é o estímulo da
mesma emoção no seu público”. Se lhe subtrairmos o mármore e lhe acrescentarmos
a madeira, o transbordar espontâneo de um poderoso sentimento emocional, esteve
bem patente naquela magnífica exposição “in memoriam” de Zé Micamé. Tudo
magnífico!
Não queríamos terminar
esta nossa modesta opinião sem referirmos o extraordinário e irrepreensível
trabalho de investigação, levado a cabo ao longo de mais de dois anos a esta
parte, pela Dra. Catarina Lima, que de uma forma altruísta (só as pessoas bem
formadas ética e intelectualmente, são portadoras desta humildade e princípio
moral), procurou rodear-se dos apoios necessários, por forma a lhe dar um cunho
institucional. Daí, o timbre da Associação «Comunidade Artística Limiana» como
pano de fundo de um querer e sensibilidade pessoal: A Associação Cultural CAL agradece a todas as pessoas e entidades que
possibilitaram esta homenagem ao artista, através da cedência de peças,
fotografias, instalações, material de apoio, testemunhos e outros suportes que
beneficiaram a exposição. Ainda um especial agradecimento à família e amigos do
artista pelo apoio na realização do evento.
Sábado, 26 de Setembro
de 2015, espaço-convívio deambulando por terras de António Feijó e Cardeal
Saraiva, na companhia de Amândio Sousa Vieira, um dos mais ilustres limianistas
que mais admiramos e respeitamos, viajando até ao âmago de Zé Micamé, o
primeiro a usar calças de ganga quando os outros usavam de terylene, cuja obra
revela, de facto, “uma elevada qualidade de alguém muito atento à realidade e
às desigualdades sociais do seu tempo”. Enalteça-se quem assim viveu e deu
testemunho do seu SER. Tal como nos confidenciara Amândio Sousa Vieira,
afirmação com a qual corroboramos, esta exposição foi “um momento alto de
cultura que muito dignifica Ponte de Lima”. Algo do melhor que se fez nesta
área, nos últimos anos em Ponte de Lima, diremos nós.
NOTA MÁXIMA!
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