«Ce qui veut dire que je ne puis ni chercher
en moi l’état authentique qui me poussera à agir, ni demander à une moral eles
concepts qui me permettron d’agir…»
Jean-Paul Sartre
Na “longa estada”
caseira, por altura da Páscoa e em tempo de algumas fragilidades cognitivas
(motivadas por hircos exteriores à nossa consciência), resolvemos reler Charles
Leslie Stevenson (1908-1979), quando, ao tempo de obrigações e compromissos académicos,
nos propôs uma reflexão a propósito de sete teorias (rivais) sobre a Natureza Humana, e pelas quais
perpassamos Platão (O Governo dos Sábios);
Cristianismo (A Salvação Divina);
Marx (A Revolução Comunista); Freud (A Psicanálise); eis que nos confrontamos
com Sartre e «O Existencialismo Ateu». Stevenson, ao passar de Freud para
Sartre, chama a nossa atenção para o facto de transpormos a temporalidade da
Viena de fins do séc. XIX, para Paris da década de 30 e 40 do séc. XX. Ao lado
psicológico da medicina em Freud, despontaria a filosofia expressa tanto em
termos literários quanto académicos, em Sartre. No entanto, há algo em comum
entre as duas visões, que se revela na preocupação com os problemas do
indivíduo, e particularmente com a natureza da consciência. Estamos perante os
chamados “existencialistas”, denominação dada a muitos escritores, filósofos e
mesmo teólogos. Procurando discernir uma base comum para o existencialismo,
Stevenson apresenta-nos três preocupações ou teorias fundamentais que nos
ajudam a identificar esse mesmo conceito:
1 – O ser humano
enquanto indivíduo, e não com as teorias gerais sobre homem. Acredita-se que
tais teorias deixam de lado a coisa mais importante de cada indivíduo — o seu carácter
único.
2 – Uma preocupação com
o sentido ou o objectivo das vidas humanas, mais do que com verdades
científicas ou metafísicas sobre o universo. Assim, a experiência interior ou subjectiva
considerada mais importante do que a verdade “objectiva”.
3 – Uma ênfase na
liberdade dos indivíduos como a sua propriedade humana distintiva mais
importante. Os existencialistas acreditam na capacidade de todo o indivíduo de
escolher as suas atitudes, objectivos, valores e formas de vida.
Apesar da base comum do
existencialismo poder ser encontrada através da descrição de detalhes concretos
de personagens e situações específicas, em romances e peças de teatro, o
filósofo só pode ser considerado existencialista se tentar fazer afirmações
gerais sobre a condição humana (mesmo se
esta afirmação consiste em negar a possibilidade ou a importância de outras
afirmações de carácter geral!) – citamos Stevenson.
Outro factor a destacar
e que nos é revelado por Charles Leslie Stevenson é o de que, apesar das
diversas formas de divisão das filosofias existencialistas, a mais radical
assenta sob o ponto de vista religioso e ateu. E são citados Kierkegaard
(considerado o primeiro existencialista moderno) que, tal como Marx, rejeitou o
sistema teórico abstracto como sendo uma grande mansão onde não se vive na
realidade, e sustentou a importância suprema do indivíduo e das suas escolhas,
distinguindo as três principais formas de vida — estética, ética e religiosa;
Nietzsche (considerado agressivamente ateu), sendo que o seu traço mais característico
é a sua ênfase na nossa liberdade em mudar a base dos nossos valores, e a sua
visão do “super-homem” do futuro, que rejeitará os actuais valores passivos,
baseados da religião, por valores mais reais baseados numa humana “vontade de
potência”.
No século XX, para além
dos ateus, há também existencialistas cristãos. O existencialismo assume uma
força importante na teologia, tanto protestante quanto católica, assim como na
filosofia. O movimento filosófico localiza-se na Europa, nomeadamente na Alemanha
e na França, tendo muito menos influência, por exemplo, sobre os países de
língua inglesa. Apesar de podermos apontar as suas origens em Soren Kierkegaard
(1813-1855) e em Nietzsche (1844-1900), teremos que ter em linha de conta a
influência do método da “fenomenologia” do filósofo de língua alemã Edmund
Gustav Husserl (1859-1938), método filosófico que tentou encontrar um ponto de
partida não problemático através da descrição dos “fenómenos” tais como eles
parecem ser, sem nenhum pressuposto de como eles sejam na verdade. Segundo
Stevenson, por exemplo, Husserl provocou dessa forma uma viragem subjectiva,
quase psicológica na filosofia, transformando-a no estudo da consciência
humana. Outra das grandes referências é Martin Heidegger (1889-1976), o mais
importante filósofo alemão, cuja preocupação central é a existência humana e a possibilidade de uma vida “autêntica” quando se
encara a própria posição no mundo a inevitabilidade da própria morte –
citamos.
Para Sartre o Universo,
o mundo como um todo, é a própria negação da existência de Deus. Ele não
argumenta a favor dessa conclusão negativa, embora defenda que a ideia de Deus
é contraditória em si. Sartre ao considerar que a negação de Deus já fora amplamente
demonstrada por pensadores anteriores a ele, a partir dali, na sua obra,
preocupa-se em examinar as suas consequências. Assim como Nietzsche, Sartre
sustenta que a ausência de Deus é de importância fundamental para todos nós; o
ateu não difere do cristão simplesmente numa questão metafísica, mas tem uma
visão profundamente diferente da existência humana. Se Deus não existe, então
tudo é permitido (como afirmara Dostoiévski). Não há valores transcendentes ou objectivos
determinados, nem tão pouco leis divinas ou ideias platónicas ou qualquer outra
coisa. Não há um sentido ou propósito último inerente à vida humana; neste
sentido a vida é “absurda”, Estamos “abandonados” no mundo e temos de cuidar de
nós mesmos. Sartre insiste que o único fundamento para qualquer valor é a
liberdade, e que não pode haver uma justificativa externa ou objectiva para os
valores que alguém adopta como uma escolha própria.
Sartre nega que haja
uma “natureza humana”, afirmação pela qual rejeita o existencialismo de cunho
generalizado. Para ele, a existência do homem precede a sua essência, que o
mesmo será dizer que não fomos criados com nenhum objectivo, nem por Deus nem
pela evolução nem por qualquer outra coisa. A asserção central da condição
humana é, naturalmente, a liberdade humana. Para Sartre a liberdade reside na
consciência de que existimos e termos de decidir o que fazer de nós mesmos. Apesar
disso não pretende negar a existência de certas propriedades universais
inerentes à sobrevivência, como é exemplo, a necessidade de comer.
E não é que, em tempo de Páscoa, esta releitura levou-nos a concluir, que,
tal como em Jean-Paul Sartre, a má-fé como tentativa de fugir da angústia acaba
por se nos revelar numa “fuga” ilusória, dado que a nossa própria liberdade é
uma verdade necessária!
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