«Dezassete dias. Dito assim, parecem tão
poucos, mas experimente alguém manter a cabeça dentro de água durante dezassete
dias e ficará com uma ideia aproximada de quão longos podem ser…»
João Ricardo Pedro
«À conversa com…», iniciativa da Biblioteca Municipal de Viana do
Castelo, que visa promover, em torno do livro, o diálogo e a troca de
conhecimentos com escritores contemporâneos, proporcionando a oportunidade de
conviver de perto com os autores e a sua obra, teve o seu estado embrionário em
Outubro de 2009, cujo primeiro convidado foi o escritor angolano Luandino
Vieira. Assente nessa pretensão de ser um espaço de incentivo à leitura, de
divulgação das obras dos autores da actualidade, de promoção da cultura e do
conhecimento, e, sobretudo, de interacção entre o público leitor e os
escritores, que no pretérito dia 22 de Abril do corrente ano, a referida
Biblioteca, dando continuidade a essa extraordinária iniciativa mensal, trouxe
até nós João Ricardo Jorge, Prémio Leya
2011, com o seu primeiro romance «O
teu rosto será o último».
Na altura que, pela
primeira vez, tivemos o privilégio de conhecermos João Ricardo Pedro, “curricularmente”
apresentava-se como casado com uma economista, pai de um casalinho, nascido na
Reboleira, Amadora, em 18 de Agosto de 1973. Revelava-se curioso acerca da
força de Lorentz, e, daí ter-se licenciado em Engenharia Electrotécnica pelo
Instituto Superior Técnico. Durante mais de uma década, trabalhou em
telecomunicações sem, no entanto, alguma vez ter aplicado as admiráveis
equações de Maxwell. Na primavera de 2009, em consequência do carácter
caprichoso dos mercados, achou-se com mais tempo do que aquele de que necessitava
para cumprir as obrigações do quotidiano. Num acesso de pragmatismo, começou a
escrever. Um facto curioso é que João Ricardo Pedro chegou a confessar que
nunca fora bom aluno a Português nem a nenhuma disciplina da área das Letras: –
Era um bom aluno a Matemática e ao resto
passava sempre à rasca!... – disse-o então, quando estivemos «À conversa com…», naquela noite de
sexta-feira, 28 de Setembro de 2012, na Sala Couto Viana da Biblioteca
Municipal de Viana do Castelo.
Inevitavelmente, por
estarmos condicionados – contudo, plenamente conscientes das nossas faculdades
cognitivas – pela assoberbada paixão de viajar através dos livros, autênticos
passaportes para a nossa interacção com os autores, os lugares e as
personagens, sem esquecer as tramas e as mensagens a apreender, e por gostarmos
de conversar, vamos seleccionando as nossas leituras e os nossos autores,
principalmente aqueles que possam acrescentar algo à nossa “douta ignorância”,
não quisemos deixar de estar presentes, naquela noite de sexta-feira, na Sala
Couto Viana, de modo a usufruirmos de uma magnífica “à conversa” com João
Ricardo Pedro, tendo como mote o seu segundo livro «Um Postal de Droit», um
regresso à ficção, onde encontramos o espelho da nossa condição humana e “a
ténue fronteira que existe entre sanidade e loucura e os laços perturbadores
que tantas vezes unem a vida à arte”.
João Ricardo Pedro
consegue aliviar-nos das tragédias, através de uma mochila encontrada nos
destroços de um acidente de comboios, revitalizando-nos o subconsciente com o
humor e figuras inesquecíveis: Em
Setembro de 1985 dá-se um choque frontal de comboios em Alcafache. Algumas das
vítimas mortais, presas nas carruagens a arder, nunca chegam a ser
identificadas. No dia seguinte, a mãe de Marta recebe um inesperado telefonema
informando que a mochila da filha – estudante de Belas-Artes – apareceu entre
os destroços… – lê-se em sinopse.
É a partir dos cadernos
de desenho de Marta – uma espécie de diários visuais que espelham um quotidiano
tão depressa sórdido como maravilhoso –, João Ricardo Pedro, tal como aconteceu
a Silvana, faz-nos entrar no quarto da Marta (a mesma que desenhava à vista de
todos, ostentando orgulhosa, o seu talento, e os cadernos…), por forma a
desfazermos a cama, virarmos o colchão ao contrário, trocarmos os lençóis, a
fronha da almofada, o cobertor de lã por uma manta mais fresca, de algodão. A
melancolia e o acabrunhamento de Marta, “a Marta que ficava tardes inteiras
escarrapachada no sofá da sala a ver televisão, a esvaziar pacotes de batatas
fritas e tijelas de pipocas”, serve-nos de ponte emocional à arte
criativo-literária de João Ricardo Pedro, quando nos dá a conhecer – vestido na
pele de um narrador – um leque de figuras absolutamente inesquecíveis, entre as
quais se contam prostitutas, boxeurs,
polícias e assassinos, mas também anjinhos de procissão, médicos e senhoras da
caridade. Quiçá, o paradigma das mulheres e dos homens duplicados.
Apesar de João Ricardo
Jorge nunca ter tido a certeza se chegaria a escrever o seu segundo livro – questionando
mesmo: se a realidade é tão rica, que necessidade
temos de inventar histórias? –, não resistiu ao impulso da realidade e dos
efeitos devastadores sobre a perca de um filho. Aquele trágico acidente entre
comboios, marcou-o profundamente. Daí, a necessidade de inventar coisas, de dar
testemunho do seu tempo e sensibilidade: «Longe
de imaginar o quanto aquela notícia nos dizia respeito, e os efeitos
devastadores que teria nas nossas vidas, demorei a adormecer. Ainda hoje,
trinta anos depois, seis internamentos depois, centenas caixas de comprimidos
depois, sessões de psicanálise, mesas de pé-de-galo, sanatórios, termas, casas
de repouso, choques eléctricos, dou por mim deitado na cama…» – impressão de um narrador inventado,
inevitavelmente impressa em «Um postal de Detroit», para gáudio da nossa
assoberbada paixão de viajar através dos livros.
E por aqui ficamos, sem
que antes manifestemos a nossa positiva expectativa acerca de todas as páginas
do livro. Num acto contraditório à interpelação do autor (à pág. 193), jamais
deitaremos fora as expectativas ou livro. Inevitavelmente, um autor que
passaremos a seguir de perto, mas, como até aqui, e à semelhança de outros, discretamente.
NOTA MÁXIMA!
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