Saturday, May 14, 2016

VII Jornadas Internacionais de História da Loucura, Psiquiatria de Saúde Mental. Coimbra – 9 e 10 de Maio de 2016.

Nos dias 9 e 10 de Maio de 2016, participamos, pelo quarto ano consecutivo, nas «VII Jornadas Internacionais de História da Loucura, Psiquiatria e Saúde Mental», que decorreram em Coimbra, no auditório da Secção Regional do Centro da Ordem dos Farmacêuticos, numa organização da «Sociedade de História Interdisciplinar da Saúde – SHIS», com o apoio e colaboração científica e institucional do «Grupo de História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do Centro de Estudos interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra — GHSCT-CEIS20», cujos coordenadores são os Professores Doutores João Rui Pita e Ana Leonor Pereira, da mesma Universidade, e que visam dar continuidade a temáticas apresentadas e aprofundar as frentes de discussão abertas desde a primeira edição.


Esta sétima edição teve a particularidade de introduzir pela primeira vez tópicos como a história da loucura – segundo Ana Leonor Pereira, em homenagem ao companheiro de Jornadas, o médico-psiquiatra Adrián Gramary, e ao seu magnífico livro, lançado no ano anterior, «Palco da Loucura: Os Demónios em Picasso, Hemingway, Marilyn…» –, imaginários literários, utopias sociais e senso comum desde a antiguidade clássica até à actualidade.

Celia Garcia Diaz

Condicionados pela distância e pelo desarticulado “expresso”, com paragens prolongadas em diversas localidades, a premeio de um aparatoso acidente na A28 (uma hora de fila), chegamos a Coimbra a tempo de ouvirmos a 2.ª Sessão de apresentação de comunicações, com Celia Garcia Diaz, Psiquiatra no Serviço Andaluz de Saúde (USMC valle del Guadalhorce), abordando «Eugenesia, feminismo e loucura na segunda república espanhola: o caso Hildegard Rodriguez». Esta abordagem reporta-nos a 9 de Junho de 1933, dia em que Aurora Rodriguez assassinou sua filha Hildegart com um tiro, na sua residência em Madrid. Segundo Celia Garcia Diaz, o caso foi muito relevante por vários motivos: mãe e filha chegaram a ser muito conhecidas no ambiente intelectual dos 20 e 30 em Espanha. Hildegart foi o expoente máximo sobre matéria de sexologia, reformas eugénicas e o papel da mulher na sociedade. O processo judicial levou a que Aurora fosse internada num hospital psiquiátrico até à sua morte. Através da peritagem e sua história clínica de Aurora, Celia Diaz procurou analisar como a “instituição” transformou o discurso da paciente, e como ela resistiu à dinâmica totalizadora da mesma “instituição”, baseando-se, precisamente, na sua história clínica. Aurora, condenada a 24 anos, 8 meses e um dia de prisão, recusando-se ao seu estado de loucura, criando permanentes conflitos com outras reclusas, teve como último destino o manicómio, porque acometida por uma depressão que a levaria a um estado final de demência. Contudo, sempre acabaria por deixar marcas de algum contraditório e/ou lucidez: – Nunca acreditei que o meu túmulo fosse o manicómio!

Francisco Molina Artaloytia

Seguiu-se Francisco Molina Artaloytia, Professor de Filosofia (História e Filosofia da Ciência-Lógica) no Ensino Secundário, em Espanha, com «Ferramentas epistemológicas e fontes para conhecer a História da Categoria de “Homossexualidade” na Medicina Portuguesa no Século XX e suas simetrias/ assimetrias com sua homóloga espanhola», propondo-se, através dos resultados da sua tese de doutoramento, recentemente defendida, desvendar um excelente reportório das principais fontes históricas para recorrermos à construção da “homossexualidade como categoria nas ciências biomédicas portuguesas do século XX, particularmente na psiquiatria e medicina forense da antessala e desenlace do Estado Novo, investigação que se tornou frutífera porque lhe permitiu estabelecer uma perspectiva comparativa com o caso espanhol do franquismo. Recorrendo ao psiquiatra Júlio de Matos e ao antropólogo Mendes Correia, acabou por utilizar metateorias (filosofias) da ciência, especialmente utilizadas para as análises das tipologias humanas desde as perspectivas da epistemologia histórica, a filosofia analítica e o materialismo cultural. Gostamos particularmente desta comunicação, por abordar a criminologia positivista; a vida sexual e conflito sexual; vícios genéricos e elementos normalizadores: homossexualidade/ heterossexualidade; modelo sexual mediterrânico; recalcando, pela primeira vez, lugares comuns da história da psiquiatria e da história das “homossexualidades”.

Maria do Rosário Neto Mariano

Da parte de tarde do dia 9 de Maio, assistimos a uma extraordinária conferência plenária pela professora universitária da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Maria do Rosário Neto Mariano, onde abordou as «Perturbações comportamentais e psicopatologias em personagens do Naturalismo francês: a Escola de Charcot e as suas influências na literatura», levando-nos ao conhecimento de que uma das vertentes do Naturalismo literário, “fundamentada aliás, no seu acentuado interesse pelas ciências da vida, é a incidência que nele têm os casos de perturbações comportamentais mais ou menos graves, psicopatologias aparentemente incuráveis ou de etiologia desconhecida e degenerescências várias, atribuídas a factores hereditários dificilmente contornáveis”. Magnífica e cientificamente irrepreensível conferência plenária, para ser dita ou avaliada nestas modestas linhas. Esperamos pela sua publicação nas Actas das Jornadas, no próximo ano!

Porfírio Pereira da Silva

A 3.ª Sessão de apresentação de comunicações, iniciou-se com a nossa intervenção, a propósito do «génio de Camilo Castelo Branco (1825-1890) e a sua atribulada relação com os médicos do seu tempo», que por ser deontologicamente incorrecto falar em “casa-própria”, ficar-nos-emos pelo título e pelos incentivos recebidos.

Luís Timóteo Ferreira

Seguiu-se-nos Luís Timóteo Ferreira, do “CEIS20 – Universidade de Coimbra” e professor do ensino básico, abordando o «Higienismo e alienismo na obra de Júlio Dinis», observando o facto de que a despeito das continuadas reedições e adaptações ao longo de mais de um século, a obra de Júlio Dinis permanecer secundarizada, ou mesmo esquecida, desde o currículo escolar até aos estudos literários, culturais e históricos. A sua comunicação foi no sentido (e bem) de relevar a influência e a transparência de concepções médicas na sua obra, sustentando a ideia de que “a construção das personagens e da acção das suas narrativas, para além de revelarem as características de um imaginário literário da medicina, constituem uma decisão racional de transposição estética, como teoria da criação literária, de concepções médicas dos corpora de conhecimentos higienistas e alienistas”. Gostamos!

Adrián Gramary

Adrián Gramary, nosso companheiro de Jornadas de há quatro anos a esta parte (com alguma cumplicidade à mistura), Médico Psiquiatra nos Hospitais Senhor do Bonfim, Vila do Conde, trouxe-nos à coacção a «Origem e controvérsias forenses do conceito de “Loucura Lúcida” em Júlio de Matos: a propósito do caso Maria Adelaide Coelho da Cunha», analisando a origem do conceito em Júlio de Matos, nomeadamente através de dois autores que terão influenciado no desenvolvimento deste mesmo conceito nosológico no alienista português: Ulysse Trélat e Henry Maudsley. A partir das origens históricas do conceito de “Loucura Lúcida”, Adrián Gramary fez uma reflexão sobre a controversa aplicação do mesmo âmbito forense, por parte de Júlio de Matos, em casos famosos como o de Rosa Calmon e Maria Adelaide Coelho da Cunha, incidindo sobre a última a análise do relatório psiquiátrico-forense elaborado por Júlio de Matos, Sobral Cid e Egaz Moniz, que, fundamentado no diagnóstico de “loucura lúcida”, permitiu a sua interdição. Simplesmente, sublime!

Carlos Branco

A 4.ª Sessão de apresentação de comunicações, iniciou-se com Carlos Branco, Médico do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, abordando «As emoções no peri-suicídio vertidas numa colecção centenária restaurada de máscaras do cadáver», fazendo equipa com os Médicos Legistas do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, João Pinheiro e Maria Cristina de Mendonça, existente no mesmo Instituto de Lisboa, constituída no âmbito de um estudo que o então director da delegação da capital, João de Azevedo Neves, principiou no limiar do século XX. Ao coligir 240 casos de suicídio por enforcamento, tratava-se “apurar a putativa relação entre as emoções nos últimos instantes de vida e a fisionomia cadavérica, a qual, existindo, permitiria inferir sobre as circunstâncias da morte”. Referido o livro do Dr. Azevedo Neves, «Le Masque du Cadavre», editado em Lisboa (1931). Interessante!

Xaqueline Estévez Gil, ladeada por David Simón Lorda

Seguiu-se Xaqueline Estévez Gil, em representação do grupo de trabalho, liderado pelo Psiquiatra David Simón Lorda, no qual se incluem ainda Jessica Otilia Pérez Triveño, María Victoria Rodríguez Noguera e Manuel Fernández de Aspe, todos do Complexo Hospitalário de Ourense (Servizo Galego de Saúde), que acabaria por abordar a temática do «Hipnotismo, medicina e psiquiatria em Galiza a finais do século XIX e primeiros anos do XX (Do Dr. Sánchez Freire ao ilusionista hipnotizador Onofroff)», contextualizando a recepção e o uso do hipnotismo na Galiza, neste mesmo período. Recorrendo à projecção de imagens e recortes de imprensa, manifestou-se numa interessante comunicação!

Maria Victoria Rodriguez Noguera

Logo pela manhã do dia 10 de Maio, segundo dia das Jornadas, teve lugar a 5.ª Sessão de apresentação de comunicações, iniciada por Maria Victoria Rodríguez Noguera, sendo ladeada por David Simón Lorda (do Complexo Hospitalário de Ourense, da qual fazem parte, ainda: Elisabet Balseiro Mazaira, Mónica Minoshka Moreira Martínez e Luis Rodríguez Carmona), abordando as «Piretoterapias, curas de Sakel, electrochoques e outras terapias (Psiquiatria na Galiza-Espanha, 1916-1972)», reflectindo o facto de durante o primeiro terço do século XX começarem a aparecer novos tratamentos somáticos na assistência aos doentes mentais e que se utilizaram até ao aparecimento dos psicofármacos nos espaços clínicos. Esta comunicação, também muito bem complementada com projecção de imagens e dados estatísticos, cronológico-irrepreensivelmente muito bem elaborados, em estudos feitos no Manicómio de Conxo (Santiago), entre Junho 1916 e 1940, e no Manicómio de Toén (Ourense), entre 1959-1972. Gostamos bastante!

Pedro Macedo

Seguiu-se Pedro Macedo, Médico (Interno Complementar de Psiquiatria) do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar de Trás-Os-Montes e Alto Douro, que acaba por centrar a sua comunicação (co-autoria com Susana Nunes, do mesmo Centro Hospitalar) na «História do uso dos placebos na psiquiatria», na “cura” de psicopatologia, mesmo quando esse uso antecede a história da própria psiquiatria enquanto ciência, “sendo inegável a sua eficácia, principalmente no tratamento de sintomas psicossomáticos”. Foi abordada ainda a sugestionabilidade da mente humana ser sobejamente conhecida e exceptuando as perturbações psicóticas, a eficácia destes agentes alarga-se a um aspecto vasto das doenças mentais. Pedro Macedo, fez-nos sentir que a compreensão da história do placebo é indissociável do estudo da história dos ensaios clínicos randomizados e controlados.

Manuel Correia

Manuel Correia, investigador do CEIS20 da Universidade de Coimbra, especialista doutorado em Egas Moniz, abordou, com conhecimento de causa, «As tentativas operatórias de Egas Moniz 80 anos depois», tomando como referência o livro Tentatives opératoires dans le traitement de certaine psychoses, publicado pela editora parisiense Masson & Ce., em 1936, como principal “marco conceptual” do início do tratamento cirúrgico de doenças do foro psiquiátrico, ao qual Egas Moniz juntou a descrição dos resultados obtidos com a leucotomização de vinte pacientes. Magnífica apresentação!

Maria López González

A última comunicação da 5.ª Sessão coube a Maria López González, farmacêutica comunitária (em co-autoria com María del Carmen Francés Causapé, catedrática do Departamento de Farmácia & Tecnologia Farmacêutica, da Universidade Complutense de Madrid-UCM), onde abordou «A regulação do direito de acesso ao medicamento para pacientes psiquiátricos nos séculos XIX e XX em Espanha». Uma retrospectiva interessante, tendo em conta a contextualização cronológica e as preocupações inerentes à regulamentação, por forma a estabelecer um controlo de diagnóstico e aplicação dos fármacos adequados. Comunicação que, aquando do debate, mereceu uma certa articulação com a de Pedro Macedo, nomeadamente por parte do Professor Doutor João Rui Pita.

Tiburcio Angosto Saura

Depois de um pequeno intervalo para Coffee, seguiu-se a 6.ª Sessão de apresentação de comunicações, abrindo com uma «Viagem à Loucura Popular da Galiza», apresentada pelo Médico Psiquiatra Tiburcio Angosto Saura, fruto de um trabalho em co-autoria com M. J. Louzao, M. Piñeiro Fraga e M. A. Miguelez Silva, trabalho esse que se baseia num estudo que estão a realizar sobre os denominados “loucos populares”, aqueles que seriam, para eles, personagens que tiveram uma grande aceitação popular, apesar de terem mostrado condutas extravagantes e desadaptadas, provavelmente relacionadas com uma doença mental grave. Além de estudarem as suas biografias e afinidades, avançam no sentido de compreenderem “as causas que poderiam ter influenciado a sua conduta e, mais importante ainda, as características da comunidade onde viveram e que favoreceram a sua boa adaptação social”.

João Feliz


Seguiu-se João Feliz, Interno de Psiquiatria U. L. S. Guarda, com a comunicação «Em busca do gene marxista: Vallejo-Nagera e a psicopatologia da Guerra Civil espanhola» (co-autoria com Pedro Sales, Interno de Psiquiatria Hospital Garcia de Orta; Guilherme Bastos Martins, Interno de Psiquiatria Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca; e João Cardoso, Interno de Psiquiatria Centro Hospitalar de Lisboa). Tivemos a “sorte” de João Feliz ter-nos trazido ao conhecimento António Vallejo-Nagera (1889-1960), célebre Psiquiatra espanhol morigerado nos ensinamentos da escola alemã dos princípios do século XX, dominada pela influência kraepeliniana, e chefe dos Serviços Psiquiátricos Militares durante as primeiras décadas da ditadura franquista, quando publica, em 1939, um livro que intitula “La Loucura y la Guerra: Psicopatologia de la Guerra Española”, onde se propõe descrever e estudar a “totalidade das reacções mentais mórbidas experimentadas pelos espanhóis de todas as classes sociais, durante a guerra”. Apesar de mórbido, o conhecimento deste livro e desta personagem autoral, foi muito importante para nós!

Sara Lima Castro

Da parte de tarde, deste último dia de Jornadas, só tivemos oportunidade de assistirmos à 7.ª Sessão de apresentação de comunicações, com Sara Lima Castro, Médica Psiquiatra do Departamento de Psiquiatria – Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, que nos apresentou a «Monomania» (co-autoria com Nuno Borja-Santos, do mesmo Departamento e Hospital), reconhecida por Esquirol como perturbação localizada (uma ou várias ideias fixas subordinando outros fenómenos psíquicos), podendo levar à insanidade e condutas anti-sociais, relevando do domínio médico-jurídico e da atribuição de responsabilidade.

Andreia Lopes

Seguiu-se Andreia Lopes, Médica Interna de Psiquiatria, no Serviço de Psiquiatria do Hospital Garcia de Orta, Almada, com a comunicação «Psicopatia-Evolução Conceptual» (em co-autoria com Pedro Sales e Jacqueline Ribeiro, Médico Interno de Psiquiatria e Assistente Hospitalar Especialista em Psiquiatria, no mesmo Hospital Garcia Orta). Com passagem por Pichard (1835), Koch (1891), Schneider (1923), Andreia Lopes reporta-nos depois a 1941, altura em que os trabalhos de Cleckley resultaram em critérios de diagnóstico que influenciaram indelevelmente classificações posteriores. Gostamos!

Sara Repolho

Sara Repolho, psicóloga, doutoranda da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, apresentou-nos uma interessante comunicação, onde aborda «Woyzeck e a “Aberatio Mentalis Partialis”», sendo que o drama “Woyzeck”, obra do dramaturgo alemão Georg Buchner, que, por ter falecido, em 1837, a deixa inacabada, baseou-se em factos reais à época.

Gustavo França

Por fim, ainda tivemos tempo de ouvirmos Gustavo França, Médico interno de formação específica em Psiquiatria e Saúde Mental, no Hospital de Magalhães Lemos, Porto, falar da «Sinestesia na obra de Luís Miguel Nava (1957-1995)», remetendo-nos para a palavra Sinestesia, com origens no grego (syn e aesthesis), como “união de sentidos, e, se em psiquiatria consiste numa sensação idiossincrática, repetitiva e involuntária numa modalidade sensorial em resposta a um estímulo de uma outra modalidade, na literatura, nomeadamente na poesia, é empregue como figura de estilo e metáfora, adquirindo um significado fundamentalmente estético”. Foi a partir da obra do poeta português Luís Miguel Nava, que Gustavo França, através da multidisciplinaridade da Sinestesia, se propôs a analisar a vertente mais literária e criativa da Sinestesia, por forma a obter “uma compreensão mais alargada deste fenómeno”. E conseguiu abrir em nós, uma nova visão e/ou um novo olhar sobre a obra poética de Luís Miguel Nava!
        Regressamos cansados a Viana do Castelo, mas reconfortados intelectualmente, com a promessa de para o ano lá voltarmos!

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