«O “Rasto da Memória” é um testemunho das
pegadas deixadas pela minha gente na caminhada sacrificial neste Vale de
Lágrimas; uma tentativa de tornar perene a sua presença na nossa recordação.»
Domingos da
Calçada
Embora peque por
tardia, esta crónica devemo-la há mais de seis meses, altura em que o SIR (preferimos
ao estatuto português de “Comendador”) Domingos da Calçada foi agraciado pela
sua Terra Natal com o título Cidadão de Honra, homenagem mais que justificada e
perenemente justa pelos seus inegáveis méritos em prol da sua terra e de todo o
vasto Vale do Neiva. Dois anos antes, como fizemos questão de salientar em
anterior apontamento, foi publicamente homenageado, por altura da XXXII Feira
do Livro de Barcelos, pela edilidade barcelense, na pessoa do seu presidente
Miguel Costa Gomes, com o Grau Prata, Medalha de Mérito Cultural. Nesse mesmo
dia, com a anuência da «Tertúlia Barcelense», foi dada à estampa «Poemas
Tardios», pérola da poética regional, porque genuína, perfeita, sentida e saída
do espelho da alma.
Acautelamos essa
primazia de entrarmos no “rol” dos convidados de honra para assistirmos à
“coroação” pública do melhor memorialista que conhecemos até hoje, para darmos
a mão à palmatória dessa repreensível falha, apenas atenuada pelas circunstanciais
fragilidades humanas, condicionados por contratempos físico-motores de um dos
membros superiores.
Como já em tempos idos escrevemos (Junho de
2013), a propósito de uma magnífica obra intitulada “Gente do Vale”, obra que
premiaria a importância e a preponderância memorialista de Domingos da Calçada,
um dos maiores – senão o maior – contistas que conhecemos até à presente data,
penitenciamo-nos dessa falha para falarmos do seu último brado, aberto à
preservação aristotélica do conteúdo
original da Poética e da história (sem estórias) e subsequente ligação à
tradição local, no rasto da sua memória, tornado o título vinculativo à mestria
deste extraordinário memorialista.
«O Rasto da Memória»,
mais uma vez editado sob a chancela da Calígrafo,
eminência consentida por Fernando Pinheiro, um dos editores mais sérios, homem
culto e extremamente rigoroso na qualidade das suas escolhas (no que toca à
escrita e aos seus autores), reforça os atributos de exímio (peculiar, até) contista
e cronista que há em Domingos da Calçada. Mantem-se o registo do acto perfeito
da criatividade memorialista e literária de Domingos da Calçada, evidencia-se
também na composição dos enredos, harmonizada pelo bem doseado antagonismo
maniqueísta, que nos leva a subscrever as palavras do autor: E cada história tem a sua fisionomia. Há
umas que não merecem ser esquecidas e outras que o não devem; apesar das
notórias diferenças entre o bem e o mal, todas legaram testemunhos que devemos
aproveitar. É um maniqueísmo que não fere, porque desprovido de “escárnio
& mal dizer”, mas que ajuda a depurar personagens, espaços físicos,
comportamentos psico-emocionais e utensílios que fazem história.
Torna-se bem claro que
não iremos falar dos contos e das crónicas que dão corpo a este (O) rasto da memória, porque ao fazê-lo
incorreríamos no acto obstrutivo para com o leitor. Ninguém quererá comprar um
livro ou ver um filme que alguém precipite antecipadamente o fim ou a morte do
artista. Apenas diremos que este novo brado, sem ser o último de Domingos da
Calçada, manifesta-se num extraordinário contributo para a preservação da
memória de um povo – um povo com memória é um povo com identidade –, onde são
revelados e/ou perpassam vários saberes que abrangem várias áreas estudadas por
gentes de pretenso saber ou a eles candidatos: história, sociologia,
antropologia, etnografia, arqueologia e até mesmo filosofia: Durante as audições, cada um dava a sua
opinião sobre a forma de melhorar a construção do verso ou do poema, propondo a
substituição desta ou daquela palavra por outra que melhor soasse ao ouvido ou
avivasse a ideia da mensagem a transmitir. Poética em Aristóteles? Quiçá!
«O Rasto da Memória»
tem o condão de eternizar lugares, estados cognitivos e pegadas deixadas pelas
gentes de Domingos da Calçada, como diria Mota Leite, “num género de estilo
fluente mas pleno de ancestralidade local”.
Apenas uma nota final
para dizermos que Domingos da Calçada, pseudónimo literário Domingos de Castro
Barbosa Maciel, nasceu em Durrães, Barcelos, a 18 de Fevereiro de 1931. Aí
frequentou a escola primária, tendo prestado provas de exame na Escola Gonçalo
Pereira, na sede do concelho. No Porto foi aprendiz de caixeiro, no célebre Passeio dos Carapuceiros, situado então
no lado esquerdo da rua dos Clérigos. Prosseguiu a actividade comercial, como trabalhador
e gerente, enquanto desempenhava o ofício de avaliador de propriedades rústicas
e urbanas.
Ao estabelecer um
contacto directo com as gentes do Vale do Neiva, coleccionou ocorrências e
ouviu casos passados na Ribeira, sempre registados numa linguagem pura, plena
de rusticidade e de termos caídos em desuso. Tal recolha encontra-se publicada
na sua colectânea intitulada Seroeira.
Também assinou vários trabalhos monográficos sobre costumes e tradições da sua
paradisíaca região, para além de ter dois títulos de poesia édita. Tem para
publicação um trabalho intitulado Recordações
Tripeiras: Os Carapuceiros dos Clérigos.
NOTA MÁXIMA!
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