Sunday, May 13, 2018

Imperativos da Memória (IV)

O rosto pela palavra!…

«Nós, as mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o que amamos – o tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma; os primeiros rostos, as primeiras carícias, os primeiros medos.»

Agustina Bessa-Luís


Aprendemos através das nossas “obrigações” e incursões filosóficas que o rosto não é um simples fenómeno, enquanto aquilo que se mostra, que se manifesta à consciência quer seja directamente ou por intermédio dos sentidos, tendo em conta que ele é igualmente o significado de alteridade daquilo que nos escapa absolutamente.
Para Louis Aragon (1897-1982), poeta e escritor francês, por exemplo, “a literatura é um assunto sério para um país, pois é afinal de contas o seu rosto…”, significado de presença, e expressão da vida de uma outra interioridade, de um outro “eu” – o alter ego de uma liberdade. Aqui estaremos a falar do rosto assente na fenomenologia, ou seja, à boa maneira kantiana, aquilo que, para ele, correspondia à sensação, chamava-lhe matéria desse fenómeno; mas aquilo que fazia que o diverso que ele tinha em si fosse ordenado segundo certas relações, chamava-lhe forma do fenómeno. O rosto em david f. rodrigues expresso pela transcendência (e abertura) que recusa a identificação e a posse: se um dia der / a minha vida um livro / uma só página há de ter / o rosto. É na poesia que, numa aparente humildade, busca “só parcos e refinados sabores”, preparando os alimentos que maior prazer à língua lhe dão.


Tanta retórica da nossa parte, dirão os nossos leitores, para que de uma forma coerente e desinibida possamos reafirmar o nosso princípio “deontológico” de não cairmos na tentação de explicarmos a poesia, quando ela apenas se deve pautar pelo nosso sentir pessoal, enquanto postulado da razão prática. A leitura de cada um de nós é um acto de liberdade, como livre é o autor na descoberta, bem escorada nos seus recursos filológicos (recorrentes da morfologia, sintaxe e doutoramento em Linguística/Teoria do Texto), do rosto depurado pela poesia quando esta “…não é / o meu forte / a poesia é / o meu fraco / a poesia é / a força da minha fraqueza”, sem se refugiar nas sombras dos alicerces trazidos pela experiência e estudo adquiridos e transmitidos a centenas e centenas de discípulos, porque, para ele, “…todas as palavras à sombra / me perseguem em disputa acesa / por um lugar ao sol num poema / ou tão só num simples verso…”. A poesia em david f. rodrigues, mesmo quando expressa pelo efeito imponderável,  traz sempre consigo “o perfume de cada palavra / oculto que dia-a-dia persigo”, com a consciência plena de que “por natureza o poeta / não é um fala-barato”. Para que serve hoje a poesia? – pergunta que coloca para o nosso lado: sempre que me calo / poesia é contigo / ou será tão só comigo / que mais alto falo.  
De pouco valem as nossas palavras à excelsa criação poética de david f. rodrigues, tendo em conta que a possível ou merecida exaltação fica ao dispor dos detentores de pergaminhos e canhenhos de intelectualidade. A nossa apreciação vale apenas pela liberdade do exercício assente na “douta ignorância”, muito própria, de quem sabe naturalmente que à medida que vamos adquirindo conhecimento, acabamos por reconhecer a vastidão da nossa ignorância.
Nota máxima.

[Imperativos da Memória (IV) - O rosto pela palavra!... A Aurora do Lima, Ano 163, Número 16, Quinta-Feira, 10 de Maio de 2018, p. 16]

1 comment:

David F. Rodrigues said...

Muito obrigado, Amigo Porfírio! Um grande abraço!