O rosto pela palavra!…
«Nós, as
mulheres, o que nos faz amar um homem é aparentá-lo com tudo o que amamos – o
tempo da crise, da puberdade, da gestação, do enigma; os primeiros rostos, as
primeiras carícias, os primeiros medos.»
Agustina Bessa-Luís
Aprendemos
através das nossas “obrigações” e incursões filosóficas que o rosto
não é um simples fenómeno, enquanto aquilo que se mostra, que se manifesta à
consciência quer seja directamente ou por intermédio dos sentidos, tendo em
conta que ele é igualmente o significado de alteridade daquilo que nos escapa
absolutamente.
Para Louis Aragon (1897-1982), poeta e escritor francês, por
exemplo, “a literatura é um assunto sério para um país, pois é afinal de contas
o seu rosto…”, significado de presença, e expressão da vida de uma
outra interioridade, de um outro “eu” – o alter
ego de uma liberdade. Aqui estaremos a falar do rosto assente na
fenomenologia, ou seja, à boa maneira kantiana, aquilo que, para ele,
correspondia à sensação, chamava-lhe matéria desse fenómeno; mas aquilo que fazia
que o diverso que ele tinha em si fosse ordenado segundo certas relações,
chamava-lhe forma do fenómeno. O rosto em david f. rodrigues expresso pela transcendência (e abertura) que
recusa a identificação e a posse: se um
dia der / a minha vida um livro / uma só página há de ter / o rosto. É na
poesia que, numa aparente humildade, busca “só parcos e refinados sabores”,
preparando os alimentos que maior prazer à língua lhe dão.
Tanta retórica da nossa parte, dirão os nossos leitores,
para que de uma forma coerente e desinibida possamos reafirmar o nosso princípio
“deontológico” de não cairmos na tentação de explicarmos a poesia, quando ela apenas
se deve pautar pelo nosso sentir pessoal, enquanto postulado da razão prática.
A leitura de cada um de nós é um acto de liberdade, como livre é o autor na
descoberta, bem escorada nos seus recursos filológicos (recorrentes da morfologia,
sintaxe e doutoramento em Linguística/Teoria do Texto), do rosto depurado pela
poesia quando esta “…não é / o meu forte / a poesia é / o meu fraco / a poesia
é / a força da minha fraqueza”, sem se refugiar nas sombras dos alicerces
trazidos pela experiência e estudo adquiridos e transmitidos a centenas e
centenas de discípulos, porque, para ele, “…todas as palavras à sombra / me
perseguem em disputa acesa / por um lugar ao sol num poema / ou tão só num
simples verso…”. A poesia em david f.
rodrigues, mesmo quando expressa pelo efeito imponderável, traz sempre consigo “o perfume de cada
palavra / oculto que dia-a-dia persigo”, com a consciência plena de que “por
natureza o poeta / não é um fala-barato”. Para que serve hoje a poesia? –
pergunta que coloca para o nosso lado: sempre
que me calo / poesia é contigo / ou será tão só comigo / que mais alto falo.
De pouco valem as nossas palavras à excelsa criação poética
de david f. rodrigues, tendo em conta
que a possível ou merecida exaltação fica ao dispor dos detentores de
pergaminhos e canhenhos de intelectualidade. A nossa apreciação vale apenas
pela liberdade do exercício assente na “douta ignorância”, muito própria, de
quem sabe naturalmente que à medida que vamos adquirindo conhecimento, acabamos
por reconhecer a vastidão da nossa ignorância.
Nota máxima.
[Imperativos da Memória (IV) - O rosto pela palavra!... A Aurora do Lima, Ano 163, Número 16, Quinta-Feira, 10 de Maio de 2018, p. 16]
1 comment:
Muito obrigado, Amigo Porfírio! Um grande abraço!
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