Depois do nosso inadvertido afastamento
aqui do nosso blogue, por impedimento de razões (revestidas de alguns
contratempos, mais ou menos graves) de ordem pessoal, três meses depois chegou
finalmente a oportunidade para falarmos um pouco da nossa participação no IX Congresso Internacional de História da
Loucura, da Psiquiatria e da Saúde Mental, numa organização da «Sociedade
de História Interdisciplinar da Saúde – SHIS» e coorganização científica e colaboração
institucional do «Grupo de História e Sociologia da Ciência e da Tecnologia do
Centro de Estudos interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra —
GHSCT-CEIS20», que teve lugar na Faculdade de Farmácia da Universidade de
Coimbra. Este Congresso visou dar continuidade a temáticas apresentadas e
aprofundar as frentes de discussão abertas desde a primeira edição, anteriormente
denominadas de Jornadas, mas que face
à dimensão e ao impacto atingidos no meio científico internacional teve que
passar a vestir a roupagem de Congresso,
que decorreu do dia 7 a 9 de Maio de 2018, e onde abordamos o tema «Os Programas das Lições do Curso Livre de
Antropologia na Medicina e a incidência na Psiquiatria».
A nossa sucessiva participação (sexta)
em jornadas desta natureza é fruto do desafio inicialmente lançado pela
comissão científica, liderada pelos Professores Doutores Ana Leonor Pereira e
João Rui Pita, da Universidade de Coimbra, que num primeiro momento, aquando da
nossa primeira participação nas IV Jornadas Internacionais, em 2013, sentiu
alguma apetência coloquial da nossa parte para os estudos interdisciplinares
que ia de encontro à área de investigação institucionalizada no «Grupo de História
e Sociologia de Estudos Interdisciplinares do Século XX» da Universidade de
Coimbra, que desde a sua fundação e institucionalização, ocorrida em 1988, tem
mantido com dinamismo esta área de pesquisa que se tem traduzido em projectos
de investigação, teses de doutoramento, organização de reuniões e outras acções
similares, e que, ao mesmo tempo, se traduz de uma forma positiva na existência
de um conjunto de investigadores interessados nestas temáticas em Portugal e
fora do nosso país.
Estas Jornadas, ora Congresso,
têm funcionado como permuta, debate, interpretação e partilha da nossa
actividade de carácter científico, onde emparceiramos com muitos dos bons
especialistas ligados à temática da mente, foram razões, mais que suficientes, para
que com eles tivéssemos o inevitável envolvimento em tão complexa matéria.
Como afirmamos ao jornal A Aurora do Lima, como antevisão ao referido
Congresso, a nossa paixão, se é que assim poderemos dizer, pela Filosofia da
Mente e/ou Ciências Cognitivas advém daquilo a que nos habituamos denominar de
projecto de unificação da função psíquica que assegura a recolha, o
armazenamento, a transformação e tratamentos das informações que recebemos do
mundo exterior, partindo do pressuposto que daí poderemos elaborar o
conhecimento do real. E tudo isto começou, de uma forma embrionária, enquanto
académico, com a anuência e mestria do Professor Doutor Manuel Curado, um dos
maiores especialistas da área, que conseguiu reconhecer em nós a amplitude e a
ambição que nos motiva ao conhecimento do cérebro humano, pelos objectos
privilegiados da reflexão filosófica: perceber, raciocinar, aprender, lembrar e
falar, interagindo com as neurociências, nas quais se incluem a neurologia,
neurofisiologia, psiquiatria, psicologia (tal como as outras ciências humanas,
constituiu-se de maneira autónoma e separada da filosofia no final do século
XIX) e a própria linguística, que nos fornecem elementos para o estudo dos
mecanismos do pensamento.
Sempre firmamos o nosso propósito de continuar
a aprofundar esta temática, não com o sentido de utilidade prática, mas como
forma de adquirir o conhecimento, enquanto actividade teórica e desinteressada,
isto é, satisfazer o puro desejo de saber, com vista a uma futura especialização
na área das Ciências Cognitivas. Este cenário, não significa que a nossa
participação ao longo destes seis anos consecutivos seja reflexo de algum
facilitismo empático da parte da comissão científica, dado que apesar dos
convites formulados de uns anos para os outros, tudo isto obedece sempre a uma
certa crivagem científica.
Face às condicionantes de percurso
(Viana a Coimbra de Expresso é sempre uma incógnita em termos de cumprimento de
horários), apenas chegamos a tempo de assistir à 4.ª comunicação da 1.ª sessão
(11:15), começando por ouvir Alfredo Rasteiro, Professor
Associado Jubilado Oftalmologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
Coimbra, que trouxe ao debate neste Congresso a «Imagem do corpo, erotismo e
dedaleiras em Josepha (1630-1684) em Óbidos». Josepha de Ayalla Cabrera y
Figuera, de seu nome completo, nascida em Sevilha em 1630, desenhou, aos 18
anos de idade, a Insígnia da Universidade de Coimbra, trabalhou em Óbidos, e
faleceu aos 54 anos, possivelmente de doença profissional, envenenamento por
metais pesados. Em 1634, quando tinha apenas quatro anos de idade, os pais
de Josefa regressam a Portugal, onde vieram a se estabelecer na Quinta da
Capeleira, em Óbidos, quando a menina já tinha seis anos de idade. Ali a menina
se educou, manifestando desde cedo, vocação para a pintura e para
a gravura em metal, em lâminas de cobre e prata, num género
denominado como pontinho. Foi especialista na pintura de flores,
frutas e objectos inanimados. A influência exercida
pelo barroco tornaram-na uma artista com interesses diversificados,
tendo-se dedicado, além da pintura, à estampa, à gravura, à modelagem do barro,
ao desenho de figurinos, de tecidos, de acessórios vários e a arranjos florais.
Em 1653, aos 23 anos de idade, fez a gravura da edição dos Estatutos
de Coimbra. Trabalhou em seguida como pintora para
diversos conventos e igrejas. Na Capela do Noviciado
do Convento de Varatojo havia uma excelente Nossa Senhora das Dores
e, no coro, um Menino Jesus, quadros que lhe são atribuídos. Havia quadros
seus no Mosteiro de Alcobaça, no Mosteiro da Batalha, em Vale
Bem-Feito no Mosteiro de São Jerónimo, em Évora, onde existe um Cordeiro
engrinaldado de flores, que passa por ser um dos seus melhores trabalhos.
Após um pequeno intervalo para Coffee break, seguiu-se a Conferência
plenária por Maria do Rosário Neto Mariano, Professora Universitária da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, sempre brilhante nas abordagens
a que se propõe, trazendo-nos, desta vez, «A herança humanista das Luzes e o
contraciclo eugenista face à Patologia Mental: das representações e práticas
dignificantes à barbárie nazi e à D.U. dos Direitos Humanos», revelando-nos que
a revolução cultural iluminista, cujos programas e objectivos privilegiavam as
potencialidades da Razão ao serviço do conhecimento e, simultaneamente, a
pessoa como foco essencial do seu combate pela dignificação universal do ser
humano, acabou por nos deixar uma herança indelével respeitante às
representações sócio-culturais e práticas médicas relativas às patologias
mentais e seus pacientes. Referindo-se a dois dos mais notáveis médicos
alienistas da época, Philippe Pinel (1745-1826) e Jean-Étienne Esquirol
(1772-1840), acabou por salientar o facto de não só terem libertado os doentes
mentais das correntes e dos espaços indignos ou insalubres onde vegetavam, mas
sobretudo trabalharam contra os estigmas e estereótipos que os desumanizavam. E
acrescentou: – Em contraciclo face a este
movimento surgirá, em meados de oitocentos, o Eugenismo, teoria antropológica
que, logo depois aliada ao Darwinismo social, haveria de constituir um dos
pilares ideológicos e pseudo-científicos da barbárie nazi, perpetrada sobre
deficientes, doentes mentais e vários outros grupos humanos, ao longo de quase
duas décadas. – citamos. Para concluir realçou a importância da Filosofia
(Séc. XVIII e XIX) na ajuda à Medicina na cura dos alienados e, nos países
ocidentais, somente a vitória dos Aliados e, depois, a Declaração Universal dos Direitos Humanos tornarão interditas, e gravemente
puníveis por lei, todas as práticas desumanas exercidas sobre a Pessoa, em nome
de qualquer teoria ou ideologia.
Antes do almoço, e porque inserida na
programação da actividade cultural do Congresso, realizou-se a abertura de uma
Exposição Bibliográfica ligada à temática destas jornadas internacionais, na
Biblioteca das Ciências da Saúde. Nesta exposição estavam representados autores
como André Barbé, Henri Baruk, Charles Baudouin, E. Bleuler, Miguel Bombarda,
José de Matos Sobral Cid, Henri Ey, P. Bernard, Ch Brisset, Barahona Fernandes,
A. Fernandes da Fonseca, Basílio Augusto Soares da Costa Freire, Sigmund Freud,
José Alves Garcia, José de Lacerda, Júlio de Matos, António Caetano d’Abreu
Freire Egaz Moniz, Elysio Moura, Correia de Oliveira, O. L. Forel, José
Saavedra, José Marques dos Santos, Henrique Carlos do Rosário Seixas, A. M. de
Senna e Antonio Vallejo Nágera.
Após o almoço, pelas 14 horas, na Sala
A, inserida ainda na actividade cultural do Congresso, realizou-se a
apresentação do livro «Dor, sofrimento e saúde mental na Arquipatologia de
Filipe Montalto», apresentado por Adelino Cardoso, um dos
coordenadores desta magnífica obra, a par de Nuno Miguel Proença. Segundo os coordenadores, Fernando Elias
Montalto é o nome adoptado pelo cristão-novo Filipe Rodrigues, após a sua
adesão militante à religião judaica. Natural de Castelo Branco, onde nasceu em
1567, formou-se em Medicina na Universidade de Salamanca. Exerceu a profissão
médica em Lisboa durante alguns anos, mas fugindo à perseguição aos judeus,
rumou à Itália, onde notabilizou na área da oftalmologia, sobre a qual publicou
a obra Optica intra philosophiae &
medicinae aream, de visu, de visus organo, et objecto theoriam (Florença,
1606), bem como na área da psiquiatria. O prestígio alcançado e o facto de ter
curado Leonor Galigai, aia e irmã de leite de Maria de Médicis, que sofria de
perturbações mentais, levou a que a regente da França o convidasse para médico
da corte parisiense, em 1612. Aí redigiu a Arquipatologia,
publicada em 1614, que é porventura, até ao momento, a obra mais exaustiva
sobre doenças mentais, entre as quais se destaca a melancolia e a mania. Esta
magnífica obra contém trabalhos de Florbela Veiga Frade, Hervé Baudry, Joana
Mestre Costa – Ciência a reconhecer o
crádito da Filosofia: interdisciplinaridade –, Guido Giglioni, Miguel Ángel
González Manjarrés, Sandra Silva, Margarida Esperança Pina, António Lourenço
Marques, Adrian Gramary, Manuel Silvério Marques, Nuno Miguel Proença, Orlando
von Doelinger, José Morgado Pereira, Inês de Ornellas e Castro e J. A. David de
Morais.
Seguiu-se a primeira comunicação da 2.ª
sessão (Sala A), 14:30, «Nostalgia – Uma viagem pela História dos Conceitos»,
apresentada por Sandra Nascimento, Interna de formação específica em
Psiquiatria no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, mas um trabalho
conjunto com Mariana Silva, também
ela interna de formação específica em Psiquiatria, e Beatriz Lourenço, Psiquiatra especialista nesse mesmo Centro Hospitalar:
A palavra Nostalgia surge do Grego,
Nostos – desejo de voltar a casa e Algos – dor, sofrimento que acompanham esse
desejo. Descrita como uma “doença neurológica de causa demoníaca” pelo médico
Suíço Johannes Hofer em 1688. – citamos. Considerada uma doença relacionada
com sintomas encontrados em soldados,
pelo desejo em regressar a casa, acompanhado de dor. Durante os séculos que se
adivinhavam, o termo Nostalgia
continuou a ser entendido como uma patologia. Com esta comunicação, Sandra
Nascimento, Mariana Silva e Beatriz Lourenço, não mais pretenderam do que
debruçarem-se sobre a evolução na construção e reconstrução do conceito de
Nostalgia ao longo da história da Humanidade, mergulhando na sua origem
sociocultural até aos dias de hoje, atravessando conceitos de Doença Orgânica e
Doença Mental até ao seu entendimento contemporâneo como um constructo psicológico.
Destacando-se como categorias no decorrer da história se vão remodelando;
analisando o paradigma de como um conceito de patológico num contexto
histórico-socio-cultural se reforma com as mudanças ao longo dos tempos.
A segunda comunicação da 2.ª sessão
coube a Cátia Fernandes Santos, Médica Interna de Formação Específica
de Psiquiatria no Hospital Garcia de Orta, em Almada, com as «Obsessões e
Compulsões: evolução conceptual na Psiquiatria Francesa do século XIX», onde a
perturbação obsessivo-compulsiva (POC) caracteriza-se clinicamente por
obsessões e compulsões, sendo que a revisão da sua história conceptual na
Psiquiatria francesa do século XIX constituiu o objectivo da mesma comunicação:
Na primeira metade do século XIX, os
psiquiatras franceses consideravam os fenómenos obsessivo-compulsivos como uma
variante da conhecida noção de monotonia. Por volta de 1850, estas
manifestações ganham maior fisionomia clínica, tornando-se uma entidade
autónoma: primeiro, como membro da antiga classe das neuroses; posteriormente,
de forma breve, como variante do recém-formado conceito de psicose; e
finalmente, como neurose obsessiva propriamente dita, reflectindo modificações
dos constructos teóricos subjacentes à definição das principais categorias
psiquiátricas. – citamos. Segundo Cátia Fernandes Santos, após 1860,
hipóteses etiológicas para POC incluíam disfunções do sistema nervoso autónomo
e do aporte sanguíneo cortical, enquanto que hipóteses psicológicas sugeriam
perturbações volicionais, intelectuais ou emocionais, predominando as últimas
depois de 1890. No final dos anos de 1880, a POC atingiu plena definição
clínica e nosológica.
Seguiu-se a terceira comunicação, da
qual gostamos bastante, sobre «Conflitos em torno das práticas de “Frenopatia”
na Faculdade de Medicina de Santiago, 1908-1909 (No primeiro Ano Jacobeu do
século XX)», apresentada por David Simón Lorda, Psiquiatra do
Complexo Hospitalário de Ourense, coadjuvado pelos Médicos residentes de
Psiquiatria, Pérez Triveño, Belén Zapata Quintela, Jessica Otilia, Cristina Carcavilla Puey, e Emilio
González Fernández, Psiquiatra em Santiago de Compostela. Referindo-se a um
conflito estudantil e social, que, em 1908-1909, surgiu na Universidade de
Santiago, motivado para fazer as práticas de várias especialidades na Faculdade
de Medicina, entre elas as práticas de “Frenopatia”. Através deste interessante
estudo, as análises desse conflito permitir-lhes-ia redescobrir novos espaços
assistenciais e académicos em torno da assistência psiquiátrica em Santiago de Compostela
no primeiro Ano Jacobeu do século XX.
A 2.ª Sessão fechou com a comunicação de
Helena
da Silva, investigadora da FCT (IHC-NOVA-FCSH), trazendo à discussão a
«Alienação Mental: Soldados Portugueses e Grande Guerra», recordando-nos, ao
mesmo tempo, que a Primeira Guerra Mundial ficou conhecida pelo uso de meios de
destruição em massa com consequências para a saúde mental dos soldados. Segundo
a mesma investigadora, enquanto que noutros países o tema da psiquiatria de guerra
já foi abordado, este tem passado despercebido em Portugal apesar das
investigações desenvolvidas no contexto do centenário da Grande Guerra: Dos mais de 100.000 homens enviados de
Portugal para os diferentes teatros de guerra, cerca de 7.000 foram dados como
incapazes na sequência da guerra, incluindo por alienação mental. –
citamos. E questiona-se: Quem eram estes soldados portugueses alienados e de
que sofriam? No seu regresso a Portugal, quais as instituições para onde foram
encaminhados? O Estado português ou organizações privadas interferiram de
alguma forma a seu favor? Helena da Silva, tentou responder a estas questões
usando fontes provenientes de diferentes arquivos portugueses, dando a conhecer
alguns exemplos específicos e, assim abordando o tema da saúde mental dos
soldados após a Primeira Guerra Mundial.
Após um pequeno intervalo para Coffee break, seguiu-se a primeira
comunicação da 3.ª Sessão, Sala A, 16:30, subordinada ao tema «Psiquiatria
Moderna: das influências do século XIX à transição no século XX», apresentada
por José
Alves Brás, Médico Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar da
Universidade de Coimbra, mas em coautoria com Alexandre Duarte Mendes, Médico Psiquiatra do mesmo Centro
Hospitalar. Segundo José Alves Brás, a Psiquiatria alcançou, no século XIX,
atributos que a distinguem actualmente. Conquanto não tenha sido a
especialidade pioneira a individualizar-se, as repercussões das enfermidades
mentais estabeleceram diferenças relativamente a outras especialidades, pois
eram diversos os tipos e locais de tratamento – mormente a instituição asilar.
Nesta interessante comunicação foram abordadas a Medicina do século XIX, sendo
que esta legou do precedente uma bifurcação entre os alienistas (dedicados aos “loucos” dos asilos públicos) e os outros clínicos (alocados a estâncias
termais ou retiros privados para tratar as doenças “dos nervos”); as visões das
patologias mentais; as diferentes escolas psiquiátricas; e a transição da
Psiquiatria para o século XX, sendo que esta decorre numa postura de maturação
enquanto disciplina e parte integrante da Medicina.
A segunda comunicação esteve a cargo de Stefanie
Gil Franco, Mestre em Antropologia Social pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e doutoranda (Bolsista
da CAPES/Brasil) em História da Arte na Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, que nos trouxe a pertinente questão de
«Como se expressam os loucos? Leituras de Luís Cebola sobre as Almas Delirantes
e as Mentalidades dos Epilépticos». Esta comunicação propôs-nos acompanhar a
narrativa do médico alienista Luís Cebola (1876-1967) acerca da produção
escrita e desenhada dos “loucos” e “alienados” em dois momentos da sua trajectória
profissional. No primeiro, trata-se da sua tese inaugural, orientada por Miguel
Bombarda, sobre a “Mentalidade dos Epilépticos” (1906); e no segundo, quando
publicou “Almas Delirantes” (1925) já envolvido com teorias que chama de biopsicopatologia, que prevê uma
narrativa acerca de textos, diálogos e desenhos de pacientes da Casa de Saúde
do Telhal, material que o próprio médico recolheu para a criação de um “Museu
de Loucura”.
Pelo facto do filósofo espanhol Francisco Molina Artaloytia não poder estar
presente, a última comunicação da 3.ª Sessão coube a Ana Paula Araújo,
investigadora do Lab 2PT (Laboratório de Paisagens, Património e Território) da
Universidade do Minho, abordando o interessante tema «As respostas da Igreja ao
Fenómeno da Loucura. O Exorcismo», através do qual nos diz que a incompreensão
e o desconhecimento repugna o espírito humano. A loucura pode ser reconhecida
como um conjunto heterogéneo de pensamentos e comportamentos habitualmente
considerados como anormais por uma determinada sociedade num determinado
momento histórico. Mas também tem de ser compreendida: À falta de explicações naturais, e até à Idade Moderna, a religião
substituiu, por vezes, a ciência na sua inteligibilidade e no seu tratamento.
Porque a religião era exactamente isso, uma forma de dar sentido ao mundo, até
a esse mundo de insanidade. Quando uma linha muito ténue separava o natural do
sobrenatural, a loucura estava associada ao divino, ao diabólico ou tão-somente
ao distanciamento de uma vivência cristã. Os loucos tornaram-se então
endemoninhados, pelo que as respostas terapêuticas eram encontradas no seio dos
rituais católicos. Esses eram os tempos do exorcismo. – citamos.
O IX Congresso prosseguiu no dia
seguinte, Terça-feira, 8 de Maio de 2018, sendo que na Sala A, a 4.ª Sessão
iniciou-se às 10:00 com a comunicação «Vigiar e aprender a dominar: os
enfermeiros e os alienados no século XIX», apresentada por Analisa Candeias,
Professora Adjunta na Universidade do Minho – Escola Superior de Enfermagem;
Centro de Investigação em Enfermagem – Universidade do Minho (CIEnf-UMinho);
doutoranda em Enfermagem no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade
Católica Portuguesa, num trabalho coadjuvada por Alexandra Esteves Professora Auxiliar na Universidade Católica Portuguesa
– Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais; Laboratório de Paisagens,
Património e Território (Lab2pt), Instituto de Ciências Sociais da Universidade
do Minho; e Luís Sá, Professor
Auxiliar na Universidade Católica Portuguesa – Instituto das Ciências da Saúde,
Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS). Esta comunicação
acabou por realçar o facto de que a obediência e a experiência foram os
principais aliados dos enfermeiros nos hospitais do século XIX. Segundo Analisa
Candeias, ser enfermeiro implicava uma dedicação exclusiva às rotinas das
instituições, tornando seus hábitos que estas pretendiam que fossem adoptados.
Nas instituições de assistência aos alienados, os enfermeiros também estavam
presentes, na condição de agentes cuidadores e vigilantes, como sucedia no
Hospital de Rilhafoles, em Lisboa, no Hospital de Alienados do Conde de
Ferreira, no Porto, ou na Casa do Sagrado Coração de Jesus, no Telhal. A
importância do papel dos enfermeiros, no que tocava aos recursos terapêuticos
utilizados no tratamento dos alienados, estava no conhecimento e saber aplicar
no âmbito dos seus compromissos o controlo dos sintomas e comportamentos.
A segunda comunicação da 4.ª Sessão
coube a Silvia Piñeiro Otero, Enfermeira Residente de Saúde Mental no
Hospital Universitario San Agustin, Avilés, Asturias, expressando a sua
acutilância científica na «Evolução dos Cuidados na Saúde Mental Perinatal»,
representado assim, de uma forma interessante, suas companheiras de trabalho, Maria Esperanza Sánchez Vásquez, Natalia Suárez Guzmán, Tamara Cueto González e Elena Fernández Álvarez, todas elas
enfermeiras no mesmo Hospital das Asturias. O objectivo deste trabalho de
equipa foi o de contextualizar as necessidades de cuidados durante a etapa
perinatal nos diferentes momentos históricos até chegar aos tempos de hoje,
recuando ao tempo em que o ser humano, desde a sua criação, tem tentado
minimizar o risco implícito pela maternidade. Independentemente da razão,
religião, tradição, lugar e época, existiram e continuam a existir rituais para
o momento da concepção. Durante a expansão do império romano é levada a cabo a
profissionalização do conhecimento obstétrico, de que temos referência graças
às parteiras como Trótula, que reconheceu a depressão pós-parto no seu livro
“De Passionibus Mulerium Curandarum”. Após este período, na Europa há um
declínio nos cuidados de saúde a todos os níveis, será no período da
Renascença, quando o conhecimento da patologia pós-parto começa a despertar
interesse. Para nós, uma interessante comunicação.
Seguiu-se Tamara Cueto González,
Enfermeira especialista no Hospital Universitario San Agustin, Avilés,
Asturias, que vincularia a sua comunicação à «História da Saúde Mental em
Espanha: O Papel da Enfermaria», que nos reporta até à aparição da primeira
casa de loucos em Bizancio e à publicação do livro “Relaciones Interpersonales
en Enfermeria” de Hildegard Peplau, que estabelece as bases da enfermaria
psiquiátrica; passando por corredores do Hospital dos Inocentes de Valencia,
uma referência de assistência psiquiátrica à época, chegando ao ano de 2005
onde ocorre a profissionalização da enfermaria mediante o Real Decreto das
especialidades. Segundo Tamara Cueto
González, durante todos estes anos, pouco a pouco, tem variado o perfil do
cuidador, avançando nas diferentes etapas da história assim como suas funções a
desempenhar. O objectivo final do trabalho, que teve a coautoria das colegas e
enfermeiras especialistas (Silvia Piñeiro
Otero, Maria Luisa Curto Benito e
Aurora Hervés Barcia), tal como a
comunicação anterior, foi o de contextualizar a história da enfermaria de saúde
mental em Espanha, assim como a sua evolução até ao momento presente.
A 4.ª Sessão terminou com a comunicação
de João
Feliz, Médico Interno de Psiquiatria na ULS da Guarda, centrada num
trabalho em coautoria com os colegas da mesma Unidade Local de Saúde, Juliana Nunes, Tiago Ventura Gil e Diana
Brigadeiro, fazendo uma cirúrgica e/ou oportuna abordagem a uma «Breve
História da Proibição das Drogas», binómio Proibição/Legalização das drogas
enquanto tópico recorrente de discussão no ideário da Modernidade. Segundo João Feliz, sem grande restrição ou
regulação até ao século XIX, com o advento do século XX, as drogas passam a ser
consideradas uma ameaça pública, que devem ser eliminadas da vida das
sociedades contemporâneas, através da proibição progressiva da posse, venda ou
consumo. Para tal, trava-se uma verdadeira cruzada global, encabeçada pelos
Estados Unidos, com orçamentos na ordem dos biliões de dólares, na tentativa de
erradicar um dos grandes males que consomem o homem moderno. E questiona-se,
questionando-nos: Mas serão as drogas verdadeiramente um mal social? Será a
Proibição o melhor meio de conseguir um consumo responsável e esclarecido das
diversas drogas que acompanham a história e evolução humana? – Neste trabalho,
os autores acabaram por apresentar uma resenha das ideias defendidas por
Antonio Escohotado, filósofo espanhol, que editou, em 1983, a monumental obra,
intitulada “Historia General de las Drogas”, que já conheceu 15 edições,
servindo-se os autores da edição de 2008.
Após um breve intervalo (11:30) para Coffee break, passou-se à apresentação e
discussão dos posters «Morfinómanos en el
Manicómio de Conxo-Galicia, 1932. Algunos Apuntes sobre la morfinomania de los
siglos XIX y XX (y sobre la epidemia de la oxicodona en el siglo XXI)», por
Cristina Carcavilla Pucy, David Simón Lorda, Jessica Otilia Pérez Triveño,
Belén Zapata Quintela e Mª Carmen Alonso García; «Influences of scientific treatises on the psychopathological Picture of
the characters in the literary Works of Cervantes», por Francisco
López-Muñoz e Francisco Pérez-Fernández; «The
psychiatric diagnosis of Alonso Quijano Throughout History», por Francisco
López-Muñoz e Francisco Pérez-Fernández; «The
madness in Cervantes texts, beyond Don Quixote», por Francisco López-Muñoz
e Francisco Pérez-Fernández; «Mitologemas
y parafrenia (recordando al Doctor Sarró… Desde una Aldea de Galicia)», por
Jessica Otilia Pérez Triveño, David Simón Lorda, Cristina Carcavilla Pucy e
Belén Zapata Quintela; «Historical
developmente of existential psychotherapy and phenomenology» e «The case of Ellen West: Ludwig Binswanger’s
Historial Clinical case revisited», por João Pedro Lourenço, Rute Cajão,
Carla Alves Pereira, Bruna de Melo, David Teixeira e Alberto Marques.
Após o almoço, e dentro da programação
de animação cultural, fez-se uma visita guiada à extraordinária Exposição, de
imagem e texto, sobre «A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, A FARMÁCIA E OS FARMACÊUTICOS
PORTUGUESES», magistralmente explanada pelos Professores Doutores da
Universidade de Coimbra, João Rui Pita e Ana Leonor Pereira.
Pelas 14:30, na Sala A, deu-se início à
5.ª Sessão de comunicações, cabendo-nos (Porfírio Pereira da Silva) a
abertura com o tema a que nos propomos sobre «Os Programas das Lições do Curso
Livre de Antropologia na Medicina e a Incidência na Psiquiatria», aliando ao
facto de no ano em que se celebra o 130.º aniversário (1888-2018) do nascimento
de Mendes Correia, e o centenário da criação da SPAE (Sociedade Portuguesa de
Antropologia e Etnologia), da qual é um dos principais impulsionadores,
interessar saber como o mundo epistémico antropológico desta época, claramente
marcado pela teoria evolucionista e pelo eugenismo, está nos programas
académicos. Depois de analisados os programas, constatamos como essa Episteme estabelece a prática
psiquiátrica. A grande preocupação em definir a distinção entre o “animalesco”
e o “humano”, o “normal” e o “anormal” (patológico), a saúde e moral
estabelecida pelo poder das “medidas” físicas e consensos psiquiátricos, e a
morbilidade “natural”, étnica e de género, estabelecem-se como as principais
preocupações científicas da época, para a construção de “tipologias morfológicas
/ étnicas / regionais” que justificam o diagnóstico clínico. Importa ver como
as caraterísticas físico-morfológicas são interpretadas para estabelecer uma
leitura das práticas sociais, com destaque nas “degenerações” mentais.
Seguiu-se Tânia Sofia Ferreira,
Mestre em História Contemporânea da Faculdade de Letras da Universidade do
Porto – CITCEM, que trouxe à discussão «O caso Alberto da Cunha Dias:
contestação ao Decreto de 11 de Maio de 1911 e ao redactor da “mais infame das
leis», interessante comunicação que se debruçou Sobre um Decreto: uma campanha jornalística, coletânea de artigos
reunidos e publicados por Alberto da Cunha Dias em diferentes publicações
periódicas dos inícios do séc. XX, e que tinha como principal objectivo,
segundo o autor, esclarecer a opinião pública “daquilo para que serve o Decreto
de 11 de Maio de 1911 e da sua desarmonia com a Constituição da República
Portuguesa” e denunciar aquilo que considerava ser um grave atentado às
liberdades individuais. Paralelamente à crítica das disposições do decreto,
Alberto da Cunha Dias, internado em 1916 no manicómio de Telhais, em Sintra, e
depois no Hospital Conde Ferreira no Porto, com o diagnóstico de loucura lúcida, moveu uma intensa
campanha contra Júlio de Matos, o redactor “da mais infame das leis”, que
subscrevera um atestado em como padecia de uma “incurável e perigosa loucura”,
ao mesmo tempo que denuncia a possível instrumentalização do saber psiquiátrico
e as suas implicações.
Por fim, Nuno Borja-Santos, Médico
assistente graduado de psiquiatria do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, num
trabalho coadjuvado por Luís Afonso
Fernandes e Mário João Santos,
ambos Médicos internos de psiquiatria no mesmo Hospital, trouxe-nos «José Júlio
da Costa: psicopatologia no magnicídio?», interrogação que após uma breve nota
histórica sobre a presidência de Sidónio Pais, é feita, seguindo as referências
históricas habituais, uma resenha dos acontecimentos que levaram ao seu
assassinato. Esta é depois comparada com as notas clínicas e forenses
recolhidas em internamento do homicida – José Júlio da Costa – no Hospital
Miguel Bombarda, durante as admissões aí registadas (1921 e 1927), apurando-se
nesse plano, algumas discrepâncias, nomeadamente sobre a eventual importância
de conflitos laborais na sua terra natal. Segundo Nuno Borja-Santos, de acordo
com estes registos, serão ainda discutidos os diagnósticos psiquiátricos e
i(ni)mputabilidade no que diz respeito ao magnicídio, alvos de discordância
clínica entre os responsáveis de ambos os internamentos.
No final desta série de comunicações
travou-se um interessante debate com os três comunicadores, através de um
painel moderado por Ana Paula Araújo,
Investigadora do Lab 2PT (Laboratório de Paisagem, Património e Território) da
Universidade do Minho.
Ainda houve tempo para o pequeno Coffee break, onde trocamos opiniões,
contactos e promessas de para o ano voltarmos.
Na impossibilidade de estarmos presentes
em todas as sessões e conferências plenárias, tendo em conta que as mesmas
funcionaram, simultaneamente, em duas salas (A e B), procuramos, na medida
possível, transmitir toda a dinâmica interdisciplinar e objectivos das
temáticas abordadas neste Congresso.
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