Tuesday, October 16, 2012

A visão profética dos escritores e poetas portugueses face ao actual estado da nação


“Diz-se que o povo portuguez vive dominado pelo eterno messianismo; que a sua fraqueza (ou a sua força!) consiste em confiar sempre da Providencia, do Acaso, do Destino e nunca de um plano raciocinado e assente”.

Maria Amália Vaz de Carvalho

Face ao actual estado da nação, muitos são aqueles que pretendem, “a posteriori” dos acontecimentos, dizerem-se ou afirmarem-se visionários infatigáveis, imaculados, despretensiosos e supostamente cultos, porque gravitam à volta de todas as matérias económicas, financeiras e afins. Alguns trazem “coladas” às suas (in)consciências um sem número de mordomias, de reinserções várias (na linguagem popular, “chorudas reformas”), sem percursos graduais (degrau a degrau pelo próprio pulso, como seria exigível), porque tiveram a felicidade de pertencerem às “co-parcerias ajumentadas”, mas de grande eficácia para levarem a cabo os seus intentos. Hoje, este tipo de gente, goza de palanque os favorecimentos e “estádios secretos”, dos grandes barões (para não dizermos tubarões) do pós-25 de Abril em Portugal. Tal como um dia escreveria Miguel Torga a Ruben A., ainda que fosse em 1965 (artigo que seria integralmente cortado pela Censura), “o analfabetismo governamental, que há anos apara pelo sabugo as unhas alfabetas da nação, resolveu agora alargar a poda e decepar pura e simplesmente as mãos inquietadoras. Teremos de imitar Duarte de Almeida, e segurar a caneta com os dentes”. Se tivermos em conta o “cerrar de dentes” da maior parte dos políticos – sendo que daqui teremos que excluir os ingénuos, à espera do desfastio dos acomodados – parece-nos que a “História” tende a repetir-se. De facto, nunca Miguel Torga esteve tão actual, quando se afirmaria no fenómeno curioso de que “o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade pacífica de revoltados”.


Nem mesmo o facto de Miguel Torga ter criticado Eça de Queiroz, numa conferência, em 1945, no Ateneu Comercial do Porto, apelando a “um problema de consciência” (paradoxalmente afirmando logo no início da conferência: “Amo-o e detesto-o ao mesmo tempo. Leio sempre que posso, mas fujo dele como o diabo foge da cruz”), onde afirmaria que, apesar da sua grandiosidade, a obra de Eça está cheia de falhas e defeitos, não resistimos em “soletrar” um dos devaneios críticos deste inesquecível romancista: “Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o estadista. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?". Apesar de Eça de Queiroz ter escrito isto em 1867, parece-nos uma extraordinária radiografia do deambular de (in)competências presentes. Em 1872, o mesmo Eça de Queiroz, nas “Farpas”, “repostaria” o estado da nação, qual “espelho mágico” ou “máquina do tempo” nos transportaria até ao século XXI: “Nós estamos num estado comparável, correlativo à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma decadência de espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país católico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa – citam-se ao par a Grécia e Portugal. Somente nós não temos como a Grécia uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo universal e o museu humano da beleza da arte”. E, em 1891, mais uma vez pelo punho de Eça de Queiroz, uma revelação profética plasmada em conjunturas presentes: “Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: – mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não – pelo menos o Estado não tem: – e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política. De sorte que esta crise me parece a pior – e sem cura”. Cirurgicamente falando, tal como em 1891, “(…) e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela Política”. Subscrevemos inteiramente, complementando com mais umas das suas máximas: “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”. Nos tempos que correm, resta-nos essa “muda” circunstancial. Mesmo sendo perfumada(mente) higienizada, pode-nos levar ao logro dos odores semelhantes.
E quem não se lembra da inesquecível Natália Correia (uma das vozes da poesia que mais admiramos), visionada por Mário Soares como “iconoclasta, irreverente, provocatória, mesmo exibicionista, era, julgo, uma máscara e uma defesa da verdadeira Natália – mulher de uma enorme sensibilidade, idealista, solitária, solidária, empenhada numa profunda transformação social e cultural – naquela sociedade do futuro onde os poetas, os verdadeiros, teriam voz…”, que apontava a meta da poesia como a libertação do homem e “o erro dos portugueses ao longo da história literária tem sido o de subjugarem a sua vocação romântica por um racionalismo de empréstimo que vão buscar além-Pirenéus”. As dependências além-Pirenéus, hoje moldada ao som da batuta do grande capital, mereceram também, em 21 de Fevereiro de 1995, a atenção de José Saramago: “Se a União Europeia fosse o que diz ser, nenhum dos países que a integram teria de temer a sombra de um vizinho economicamente mais poderoso, uma vez que as estruturas comunitárias lá estariam para velar pelo equilíbrio geral e resolver as tenções locais. Mas a União Europeia, como tenho dito, é a versão moderna do velho jogo das hegemonias, só na aparência diluídas de modo a dar a cada país pequeno a ilusão de ser parte importante no conjunto. O problema, hoje, está em que ninguém, sendo pequeno e pobre, quer aceitar e evidência da sua pobreza e da sua pequenez. Por isso é que não se aproximam nem se encontram os países atrasados do Sul, cada um deles vivendo a sonhar com o dia em que seja admitido em casa dos ricos, mesmo que seja só para abrir a porta aos convidados, a quem inveja, e servir o conhaque, que depois tentará beber às escondidas”. Pão, circo e conhaque, vão dando aso à profética interrogação de Eça de Queiroz, e que nunca nos cansaremos de recordar: “(…) Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?”.

A constatação visionária ou profética dos escritores e poetas portugueses, uma leitura obrigatória para aqueles homens raros – honestos, capazes e competentes – que hoje “são postos na sombra pela Política”. Os outros, os bem instalados na política “e nulos a resolver crises”, por certo que não terão o nosso “habeas corpus”, porque começamos a ficar cansados de mudar as fraldas!

1 comment:

Anonymous said...

Tenha um bom dia, meu amigo!