“Do
seu intenso labor pastoral na Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, atento aos
problemas do seu meio, especialmente dos sectores mais desprotegidos, como
atesta a sua multifacetada obra social, da actividade do Padre Artur Coutinho
ressalta ainda o seu olhar atento e curioso sobre as terras e as gentes por
onde a sua vida decorre”.
Albino Ramalho
Pegando nas palavras de
Albino Ramalho, onde o mesmo realça o intenso labor pastoral do nosso
conterrâneo e familiar por afinidade – “vínculo” plasmado na dedicatória no seu
mais recente trabalho, do qual nos propomos aqui falar, onde podemos ler: “Ao
Porfírio Silva e Idalina com um abraço de estima, admiração e gratidão do amigo
e autor aparentado” – Artur Rodrigues Coutinho, teremos de recordar que, após a
sua ordenação sacerdotal, em 9 de Julho de 1972, na Igreja da Apúlia
(Esposende), a Missa Nova realizou-se em 13 de Agosto desse mesmo ano, com
altar montado no adro da Capela de Nossa Senhora das Boas Novas (Mazarefes), à
qual – no deambular das nossas dezasseis translações – tivemos o grato prazer
de assistir. E recordamo-nos perfeitamente de nos terem falado (ainda estudante
nos Seminários da Bracara Augusta), quando palmilhava as ruas dessa bimilenar cidade
dos arcebispos, que o seu “olhar atento e curioso sobre as terras e gentes por
onde a sua vida decorre” já se fazia sentir, nomeadamente quando partilhava a
sua forte paixão pela “história, valores, tradições, linguagem, usos e costumes”
da sua (e nossa) terra natal, publicando trabalhos de pesquisa no “Serão” do
inesquecível José Rosa Araújo – com vista a uma futura “Monografia de
Mazarefes” – e colaborado em algumas revistas. Foi ao depararmos com tão profícua
produção monográfica, etnográfica e até antropológica de Artur Coutinho, que
despoletou em nós a curiosidade pelas coisas da terra que nos viu nascer.
Regressado de terras de África, ainda que condimentado pelo “gindungo”, ao
saborearmos “o correr da pena” de Artur Coutinho, passamos a dar mais valor às
nossas raízes, costumes e tradições, em detrimento do “batuque” e da “funji de
fuba”.
Mas, hoje, o que aqui
nos traz é o último trabalho deste nosso conterrâneo Artur Coutinho – sócio
fundador do Centro de Estudos Regionais e membro da Associação de Jornalistas e
Homens de Letras do Alto Minho; foi director do Mensário “Serra e Vale”; e,
presentemente, é director do “Paróquia Nova” –, com o sugestivo título de
“Costumes e Tradições Populares”, numa edição da Fábrica Paroquial de Nossa
Senhora de Fátima, em Viana do Castelo. Anteriormente já nos havia contemplado
com outros trabalhos de grande fôlego, que nos apraz aqui registar:
“Cancioneiro da Serra d’Arga” (com primeira edição em 1980, segunda edição em
1982, terceira edição em 2000 e uma quarta edição em 2007), obra bastante
procurada, mas já há muito tempo esgotada; “A Cidade de Viana no Presente e no
Passado – da Bandeira à Abelheira” (com primeira edição em 1986 e uma segunda
em 1998); “Mosaicos da Serra d’Arga” (1997), havendo uma segunda edição; e
“Famílias com Rosto” (com já três volumes publicados). Apesar de termos que
referir mais três trabalhos em opúsculos – “Oração em Família”, em 1997, do
qual foram impressos nove mil exemplares; “Milagres de Amor”, dissertações
bíblicas contrastando com o quotidiano presente, em 1998, do qual foram
impressos cinco mil exemplares; e “Apontamentos da Família”, em 2002, para uso
particular da família –, “Costumes e Tradições Populares” (2012), a sua mais
recente obra, é a sétima produção literária a sair para os escaparates.
Assoberbado pelas
coisas da terra, Artur Rodrigues Coutinho (verdadeiro testemunho de um
sacerdócio activo, porque humanista, zeloso e solidário) oferece-nos uma
perspectiva peculiar, tal como escreve Albino Ramalho em prefácio à mesma obra,
onde “sobressai a preocupação do autor pela história, usos e costumes
tradicionais, crenças, actividades, formas e estilos de vida, nomeadamente da
sua Mazarefes natal, inspiradora de boa parte de textos, e de outras que, como
sacerdote, pastoreou: paróquias de Dem e Argas, em Caminha, e Nossa Senhora de
Fátima, na cidade de Viana do Castelo”. De facto, Artur Rodrigues Coutinho
sempre soube aproveitar o contacto com o meio e as populações, auscultando-lhes
as memórias e as vivências, traduzidas e/ou aliadas a um verdadeiro trabalho de
campo, etapas indispensáveis ao conhecimento histórico, etnográfico e
antropológico, tendo em conta que o conceito de etnografia está intimamente
ligado à antropologia. Afirmamo-lo nesse sentido, porque sentimos-lhe – em tudo
o que tem produzido até aqui – uma forte ligação às Ciências Sociais. As
“Famílias com Rosto”, por exemplo, espelham bem esta vertente, quiçá, de uma
“Antropologia Social” (convicção pessoal tendo em conta que “os estudos
etnográficos são uma técnica, proveniente das disciplinas de Antropologia
Social”), sabendo nós que o antropólogo social, comparando as diferentes
sociedades, trata de revelar as características comuns das instituições, assim
como as particularidades observadas em cada sociedade. Pelas páginas de
“Costumes e Tradições Populares”, no dizer de Albino Ramalho (com o qual
concordamos plenamente), perpassam, assim, “as memórias e vivências pessoais
aliados ao gosto pelo estudo e interpelação da razão dos fenómenos”. São muitas
as ligações sublimes ao fenómeno social, onde se estabelece um percurso entre a
economia e o conjunto da organização social, passando pela família e espelhadas
nas bem delineadas – numa escrita clara e escorreita – descrições de artes e
ofícios: pescador do rio, sapateiro resistente, funileiro da Bandeira,
afiadores, fotógrafos e casamentos, fogueteiros Silvas, o engraxador, os
capadores, fotógrafos “à la minute”, os serradores, as leiteiras, os azeiteiros
(ainda hoje nos lembramos do Sérgio de Darque), coveiros, cangalheiros e
agentes funerários, os semeadores, os varredores, os ceifeiros, as bordadeiras,
os sacristães, cascalheiros, calceteiros, pedreiros, canteiros, escultores…, o
alfaiate, as rendilheiras, tricoteiras e crocheteiras, as parteiras da aldeia,
os santeiros da Abelheira, os carreteiros, as doceiras, as tremoceiras, as
aguadeiras, os carteiros, os barbeiros, as sardinheiras, as tecedeiras, os
ferradores, carpinteiros e marceneiros, os padeiros, a figura do Regedor,
carpinteiro ambulante, os cordoeiros de Mazarefes, os resineiros, os oleiros,
as touradas e as garraiadas (no dizer de Artur Coutinho “não é desporto que me
seduza”), a leiteira da sina, os farinheiros, o peneireiro, as lavadeiras, as
engomadeiras, etc.
E os costumes, aliados
às tradições populares e ao património, não escaparam ao olhar perspicaz do
observador: a leitura da sina, os nichos das alminhas, lenços e penteado do
cabelo, os cruzeiros e as cruzes de Viana, os moinhos, morte e tratamento dos
corpos, santos populares, fórmula para cubicar uma vasilha, os brinquedos do
seu tempo, as vindimas, as malhadas, o magusto, ceia de Natal e a fogueira, a
apanha da azeitona, as matanças, as janeiras, serração da velha, os bigodes,
barbas, cavahaques e as suíças, o calçado, as podadas, carro de bois, as flores
e o luto, oratórios, a pobreza de ontem e de hoje, os transportes da sua
meninice, o vestuário, o mês das almas, as trindades, mistérios, a eira, a
cozedura do pão, os fornos e as lareiras, espadeladas e estopadas, a cordoaria,
a casa antiga, a casa da lenha, os remédios caseiros, os calvários, a cultura
do linho, as cavadas, as roçadas, a alimentação, (os célebres) aerogramas, a
taberna, a arte de levar os andores, etc., etc… Tudo isto é mais que suficiente
para aguçar o apetite do leitor mais atento às vivências directas da realidade,
onde todos nós nos inserimos. Artur Coutinho, astuto na observância e na
análise, tem vindo a demonstrar uma extraordinária capacidade de articular o
exercício da sua missão na comunidade que pastoreia – e outras que
anteriormente pastoreou – com a interacção sociológica, ligando o passado com o
presente, mas perspectivando o sentido de uma evolução natural para o futuro.
Daí, a sua grande obra social, que até o “catapultou” para o merecido título de
cidadão de mérito vianense.
“Costumes e Tradições Populares”, mais uma obra que Artur Coutinho
oferece – dado que tudo o que tem produzido a nível literário, reverte a favor das
obras sociais – à comunidade e à população em geral, a merecer a nota máxima!
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