Friday, October 11, 2013

O conhecimento nos limites do fenomenismo em David Hume!

“A atenção regular a um interesse tão importante como o da salvação eterna é capaz, por si só, de extinguir as afeições benevolentes e originar um egoísmo limitado e restrito. E quando um tal temperamento é encorajado, facilmente ilude todos os preceitos gerais de caridade e benevolência”

David Hume

Já lá vão cerca de cinco anos quando, através de uma crónica que mantínhamos no jornal Falcão do Minho, escrevemos acerca de David Hume [N. Edimburgo, 1711 – m. Edimburgo, 1776], filósofo, economista, escritor e historiador inglês, o primeiro a admitir o seu pendor ateísta, frequente acusação de que eram alvo alguns dos filósofos que o antecederam, numa altura em que tal adjectivação não se traduziria, por certo, em elogio para ninguém. Antes pelo contrário, os filósofos enfrentariam graves dificuldades de forma a convencerem as pessoas da antítese à “ordem estabelecida”. Sendo que David Hume admitiria o confronto com a teologia, tal acto – diríamos, atitude ou acção –, levá-lo-ia a ser protagonista de um escândalo público, cuja dissuasão pretendida pelos seus opositores se baseava numa argumentação filosófica, e não em eventuais torturas.
Na altura – de uma forma concisa o abordaríamos pelos seus princípios do pensamento – reportando-nos ao facto de que se no início da era Cristã, a filosofia foi absorvida pela teologia, centrada na aceitação de textos elaborados, por forma a construir-se novas argumentações dogmáticas, a partir Descartes (Séc. XVI), considerado como fundador da filosofia moderna, despreza-se os velhos pressupostos e a fundamentação assenta na filosofia da razão, ou seja, no método para conduzir a razão na busca da verdade, tentando unificar as ciências. Através deste “processo” procurava-se demonstrar que era possível negar tudo. Meio século mais tarde, John Locke revolucionou a noção de conhecimento ao introduzir o empirismo, cujo argumento defendia o princípio fundamental da filosofia, não na razão, mas na experiência. E David Hume procurou ir mais longe, ao querer demonstrar que já não era possível a construção de sistemas filosóficos, opondo-se, claramente, ao “penso, logo existo” de Descartes, com “a explicação da identidade pessoal: o «eu» como feixe de representações”. Daí, ser considerado o último representante dos empiristas britânicos clássicos: Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704). O projecto de David Hume é, por assim dizer, o de construir uma ciência do homem, por forma a se “descobrir os princípios que regem as operações do pensamento ”.


Segundo Diego Sánchez Meca, David Hume ao romper drasticamente com a tradição metafísica ocidental que vai desde Heraclito até Gottfried Leibniz, inicia o movimento que nos leva às modernas filosofias antimetafísicas. A sua obra, nomeadamente o controvertido «Tratado da Natureza Humana», influenciou inúmeros filósofos, levando a que Bertrand Russel o viesse a considerar – ou a declará-lo – como o maior filósofo da língua inglesa. A influência sobre Immanuel Kant foi de tal ordem que o incitaria a “abandonar a metafísica racionalista e tornando possível a redacção da Crítica da Razão Pura”. Centrado no poder e na capacidade do entendimento humano, David Hume procura, assim – parafraseando Diego Meca –, romper com a metafísica, por considerá-la resultado de um infrutuoso esforço da vaidade humana, obcecada em penetrar em ideias e objectos abstratos, inexequíveis ao próprio entendimento humano. Ao rejeitar a parte mais incerta e desagradável do saber, Hume promove a Teoria do Conhecimento, a “filosofia primeira”. Segundo ele, a actividade do espírito ao ser fruto da acção em combinar, associar e generalizar os dados da experiência – dando forma às ideias abstratas, por ligação entre o particular e o universal – conduz-nos à subjectividade, cujo conteúdo mental tem apenas como origem as impressões. Ao sugerir-nos a inexistência de ideias inatas, acaba por reforçar a tese de que “todos os conteúdos da nossa mente se formam com base em impressões sensíveis ”. Assim, para ele, a ideia de substância na metafísica corresponde, naturalmente, a um conjunto de ideias particulares, reunido pela imaginação. Por isso, os conteúdos na nossa mente assentam na bipolarização de percepções: “Impressões” representações imediatas (experiência), por um lado e “Ideias”, representações mediatas (pensamento), por outro. Ao associarmos ideias, poderemos aumentar assim o nosso conhecimento!
Para David Hume, ao existirem três princípios de conexão entre as ideias: Semelhança (resemblance); Contiguidade (contiguity) no tempo e no espaço; e, Causa ou Efeito, graças aos mesmos, a imaginação – sendo que a mesma está na origem da ilusão e os princípios enraizados na natureza humana – amplia bastante o seu poder, ajudando a descodificar o processo de abstracção e produção das ideias gerais. Segundo o mesmo filósofo, as doutrinas filosóficas até então existentes ao carecerem de bases sólidas e, circunstancialmente, ao exprimirem princípios escolhidos sem provas, resultariam numa dicotomia entre si. No entanto, Hume, ao propor o estudo que consiste na investigação da origem das nossas ideias, estabelece – ou procura estabelecer – uma relação das ciências com a natureza humana. E essa relação só poderá ser estabelecida através do entendimento humano, tendo a noção de que este só poderá, também, ser conhecido pela observação e pela experiência. Aliás, a concepção filosófica na tradição empirista – e aqui reportamo-nos a David Hume – ao ser sustentada por duas teses gerais: “Todo o conhecimento tem a sua origem na experiência (percepções)” e “o conhecimento do mundo é constituído por relações estabelecidas entre percepções, elas mesmas determinadas pela experiência”, rejeita o “abstraccionismo aristotélico-escolástico” e o “inatismo cartesiano”. É por isso que a tradição empirista diverge da racionalista: Se os primeiros analisam as sensações e inferem indutivamente (empírica), os segundos pautam-se pela análise das ideias e inferem dedutivamente (racional). Convergem, no entanto, no objectivo da investigação filosófica, por forma a esclarecerem “como é que os sujeitos chegam a formar uma imagem do mundo”; no ponto de partida, exprimindo “a consciência dos sujeitos e respectivos conteúdos”; e, finalmente, no ponto de chegada, com a “possibilidade de formação de conhecimento sobre o mundo externo dentro de certos limites”.
Voltando à teorização das ideias, epistemologicamente falando, constatamos que as ideias simples organizam-se em ideias complexas, segundo princípios de associação, sendo os principais, como atrás descrevemos, a semelhança, a contiguidade no tempo e no espaço e a relação de causa e efeito. Hume, ao estabelecer uma distinção entre factos e relações, permitiu eliminar a metafísica, levando a que o raciocínio seja hoje considerado uma descoberta de relações entre os factos e as relações, sendo que as relações entre factos são contingentes – fundadas, necessariamente, na experiência –, enquanto as relações entre relações são necessárias, por se admitir que o seu contrário implica contradição. Mais, para Diego Sánchez Meca, em David Hume a tese caracterizadora do empirismo – todo o nosso conhecimento vem da experiência – utiliza para sua formulação, uma termologia distinta à de John Locke. Segundo o mesmo Sánchez Meca, “para Hume é mais correcto afirmar que toda ideia deriva da impressão, pois, no todo conteúdo de consciência é uma ideia, a não ser que seja conveniente distinguir entre impressões e ideias, devendo-se entender estas últimas como as imagens que conserva a memória e a imaginação das impressões ”. Assim, David Hume deixa bem claro que não há ideias inatas, pois ao todo conhecimento se basear na experiência, a mesma experiência consiste em dois tipos de percepções – impressões e ideias: “Quanto às impressões que têm origem nos sentidos, na minha opinião e a sua causa última é perfeitamente inexplicável pela razão humana e há-de sempre impossível decidir com certeza se elas têm origem imediata no objecto, se são produzidas pelo poder criador da mente ou se provêm do Autor do nosso ser”. David Hume denominaria por impressões, as percepções que penetram com maior intensidade e violência e, sob esta designação englobou todas as nossas sensações, paixões e emoções, quando surgem pela primeira vez na alma; enquanto por ideias, referir-se-ia às suas distintas imagens no pensamento e raciocínio. Ou seja, enquanto as ideias podem ser distinguidas umas das outras pela sua “vivacidade” (apoio empírico), as impressões gozam de primazia genética sobre as ideias, dado que possuem uma qualidade (“vivacidade”) superior às ideias. Se é que interpretamos bem, o mesmo acontece com as ciências matemáticas, cuja grande vantagem sobre as ciências morais, reside no facto das primeiras nos oferecer sempre clarividência e determinação, sendo facilmente perceptível a mais pequena distinção entre elas, face à ausência de ambiguidade ou variação na forma de exprimir as mesmas ideias. Normalmente, os mesmos termos exprimem as mesmas ideias, invariavelmente.
Por último, no que concerne à “explicação da identidade pessoal: o Eu como feixe de representações”, para Hume não existem substâncias; os corpos materiais são meros complexos de sensações; e, o Eu mais não representa que um feixe de sensações. Por outras palavras, “em nenhum momento temos uma percepção de nós mesmos”.
E, para melhor entendermos David Hume, terminaríamos com algumas palavras de João Paulo Monteiro: «A teoria humeana da inferência indutiva diz-nos como se procede à descoberta das causas dos fenómenos. Nos termos da teoria, fica bem claro que uma causa, para ser conhecida, só pode ser um objecto ou evento observável».
        As nossas sinceras desculpas aos nossos leitores, por esta pequena incursão filosófica/humeana, mas já há muito tempo que tínhamos necessidade de falar dos princípios filosóficos do pensamento, exercício cada vez mais necessário à “mandriice intelectual aguda” dos forjadores dos “calhostros da mamadeira na política”. Pensem e reflictam mais na prosperidade, resignando-se, obrigatoriamente, na adversidade. E, até para a semana!

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