Thursday, April 17, 2014

Mito e linguagem em Ernst Cassirer!...

“O que, para Humboldt, se apresenta de imediato na imagem da linguagem é, primeiramente, a separação do espírito individual e do espírito «objectivo», e a superação desta separação. Todo indivíduo fala a sua própria língua – e, no entanto, é precisamente na liberdade com que dela se serve que ele adquire consciência de um liame espiritual interior”.

Ernst Cassirer

Por admirarmos Ernst Cassirer (1874-1945), como um dos maiores filósofos do século XX, apresentando os resultados de uma vida de estudos sobre as realizações culturais da humanidade. Apesar de Ensaio sobre o Homem, continuar a ser um enunciado vigoroso e conciso de sua filosofia da cultura, formulada pela primeira vez no monumental Filosofia das Formas Simbólicas (1929), onde o mesmo se vale de uma riqueza de dados científicos, antropológicos e históricos, examinando os esforços do homem para compreender a si mesmo e lidar com os problemas de seu universo por meio da criação e do uso de símbolos, hoje vamos procurar falar do Mito e Linguagem no mesmo filósofo, como forma de diferenciar nitidamente as diversas formas fundamentais da “compreensão” humana do mundo. 
Com este intróito, em jeito de lide, fácil será constatar o quanto Wilhelm Von Humboldt (1767-1835) teria influenciado o pensamento de Ernst Cassirer. Procurando “enquadrar-nos” na situação da linguagem e do mito dentro da cultura humana, Cassirer começa por nos reportar até ao Fedro platónico, onde o cenário físico envolvente – ponto de encontro no qual se desenrola a cena entre Sócrates e o mesmo Fedro – é plasmado por uma reprodução paisagística ao mais ínfimo pormenor, colocando Sócrates e Fedro sentados à sombra de um grande plátano junto a um manancial refrescante, agitado por uma brisa estival – segundo ele – benigna e doce o ar está cheio do chilrear das cigarras. Aliás, descrições deste tipo apesar de serem muito raras na Antiguidade, por certo que levaria à compenetração dos intervenientes, tomando como lugar-comum, de modo a articularem interrogações mitológicas: Bóreas raptou a bela Orítia; pois aqui a água é pura e cristalina, um incentivo para que as jovens se banhem e brinquem nela. Sócrates, por exemplo, ao ser confrontado – e/ou pressionado – por Fedro a responder se realmente cria naquela «mythologema», limita-se a chamar a atenção para a pouca importância das diversas interpretações mitológicas que, circunstancialmente, não passavam de passatempos aborrecidos e artificiosos, desvalorizando quem se lhes dedica. Apontando casos semelhantes – figuras como Centauros, Quimera, Górgonas, Pégasos e muitos outros –, e, face à sua desconfiança empregue na existência destes “seres maravilhosos”, manifesta-se claramente na indisponibilidade de se dedicar a tais ócios (ou, ainda segundo Sócrates, consagrar muito tempo a este tipo de sabedoria inútil), pelo facto de ainda não se conhecer a si próprio, tal como o “exigia” o preceito délfico. Era absurdo, perante o facto de não se conhecer a si próprio, dedicarem-se à interpretação de coisas estranhas: Por isso, deixo que tais coisas sejam o que forem, e não penso nelas, mas antes em mim mesmo, ao meditar que sou uma criatura de constituição mais complicada ou monstruosa que a de Tífon, ou se serei, talvez, um ser de natureza mais suave e simples provida de alguma essência nobre e talvez divina – citamos Cassirer.


“Servindo-se” do pensamento platónico, Cassirer refere-se ao género de interpretação mitológica, aquela que os sofistas e os retóricos consideravam como a mais alta sabedoria, como sendo uma «sabedoria campesina». Mesmo assim, tal facto não impediu que não se voltassem a dedicar a este género de interpretação. Tal como haviam feito, anteriormente, os sofistas e os retóricos, os estóicos e neoplatónicos competiram nesta arte: E de novo, como antigamente, voltou a ser utilizada a investigação linguística e a etimologia como elementos de interpretação. No reino dos fantasmas e demónios, assim como no das mais elevadas expressões mitológicas, parecia voltar a confirmar-se a palavra fáustica: supôs-se, mais de que uma vez, que a essência de cada figura mítica podia ser reconhecida directamente pelo seu nome. Estabelecera-se uma relação intimamente necessária entre o nome e a essência. Tendo em conta que para este importante pensador neo-kantiano, na elaboração da máxima de que somos nós que plasmamos o mundo com a nossa actividade simbólica, para ele – a criação do mito, da religião, da linguagem, da arte e da história, são todos símbolos –, somos nós que criamos e fazemos mundos nas nossas experiências. Assim, o espírito do mito, actua como convicção vivente e imediata, convertendo-se, circunstancialmente, num postulado do poder reflexivo, para a ciência da mitologia; esta impõe, assim, como princípio metodológico, a íntima relação entre o nome e a coisa, a sua latente identidade. Seguindo a mesma linha de pensamento, para Ernst Cassirer, este método foi-se aprofundando e/ou aperfeiçoando “através da história da investigação mitológica, da história da filologia e da ciência da linguagem”.

A nosso modesto ver, nunca entenderíamos a nossa própria cultura se, inadvertidamente, baníssemos a carga puramente “simbolizante” contida nos estudos feitos pela filosofia da linguagem e, neste caso particular, por Cassirer. Subtrair ao mundo físico o mundo simbólico, é subtrair as nossas condições de existência, dado que as mesmas foram criadas por nós próprios (mundo simbólico) e não por vivermos num mundo puramente físico. Para Marinaide Moura, aquilo que vê em Cassirer, ao dar expressão ao significado de símbolo, afirma a dado momento que simbolizar significa lançar juntamente, amontoar, reunir, ou seja, aproximar objectos de ideias. O símbolo surge como estruturação das relações do homem com o mundo. É essa capacidade de síntese, ou seja, no dizer de Cassirer, o modo como se opera aquilo a que ele denomina de concentração, depende da direcção do interesse subjectivo. Por exemplo, para ele a linguagem faz parte do mito e o símbolo faz uma síntese de várias experiências sensoriais ou vários conceitos abstractos. Daí, o não concordar que a linguagem derive duma reflexão consciente.              

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