“Vamos
tendo desilusões porque nos atiramos para o colo de messias que não o são… Uma
eleição, um acto eleitoral que vem, parece que vai chegar o messias, e o
messias não chega, não vem por ali. A salvação da História nunca veio de cima,
vem sempre de baixo. Acredito nos milagres feitos por gente comum e corrente,
que ao estar na vida de outra gente faz sempre a diferença”.
Frei Fernando Ventura
Estávamos longe de
imaginar um malabarismo de circunstância, em trapézio sem rede, quando o
director do jornal «Cardeal Saraiva» nos sugeriu, quase por “obrigação”, duas
linhas a propósito dos quarenta anos das “portas que Abril abriu”.
Apesar de nunca termos
feito nada por obrigação, e muito menos quando de artigos de opinião se trata,
resolvemos romper com este princípio basilar da nossa “clarividência
objectiva”, por uma questão de terapia cognitiva, quando nos é dado saber das
fragilidades desta desvirtuada democracia, irrespirável e balizada por balões
cheios de nada e vazios de tudo. Dado nunca termos esperado pelos apregoados
messias – sejam eles os salvadores na política ou objectores de consciência,
nos palanques salvíficos das televisões –, conscientemente, sentimos que, quarenta
anos depois, vivemos uma falsa liberdade encapotada por uma ditadura disfarçada
de democracia. E esta aparente “agressividade” já teve dias piores,
principalmente quando ainda tínhamos a correr nas nossas veias o ajindungado
suco de uma irreverente juventude, habituada a ser metralhada pelos mais
desconcertantes cenários deste país de brandos costumes, cujos governantes e
uma grande parte dos políticos sempre procuraram atenuar as suas incapacidades
e má formação – sem excluir a ética –, com a crise mundial. Em quarenta anos,
nada disto mudou. E os devedores continuam a ser os contribuintes, “gente comum
e corrente, que ao estar na vida de outra gente faz sempre a diferença” – no
dizer de Frei Fernando Ventura.
Primeira manifestação em liberdade em Viana do Castelo |
Quarente anos depois, a
democracia (?) vive de balões de ensaio, e fazendo nossas as palavras de Paulo
Morais, cujos “partidos assumiram o papel de representantes das corporações que
já funcionavam em Portugal no tempo da ditadura. As estruturas corporativas são
hoje muito mais fortes porque têm uma aparente legitimidade democrática”. E as
novas corporações estendem-se hoje um pouco por todo o país, alimentadas pelos
tentáculos do poder central, a maior das corporações, forjando leis nos
gabinetes particulares, acabando por as imprimir com o cunho democrático, na
sede da democracia, anti-sísmica, tomada por dentro pelos coveiros da própria
democracia. Daí, pessoas sem qualquer qualidade moral, continuam a ser eleitos
com a finalidade de fecharem as “portas que Abril abriu”.
Era a nossa
inesquecível Natália Correia que dizia que “quando a crise não é gerada de
grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia”. Agonia de um povo
que Miguel Torga vaticinara como um país que se ergue “indignado, moureja o dia
inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto.
Falta o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma colectividade
pacífica de revoltados”. Literalmente assim, sem tirar nem pôr.
Pede-nos o director,
algo sobre o 25 de Abril, quarenta anos depois, e ficamos impotentes perante a
nossa falta de criatividade para falarmos de cravo vermelho ao peito,
reclamando a liberdade que não temos. Talvez daqui a uns anos, depois de nos
termos habituado ao corte do feriado do 5 de Outubro – data memorável para os
republicanos, mas mais para todos os portugueses que viram através do Tratado
de Samora, o nascimento de Portugal – e do 1 de Dezembro (libertador e
restaurador da nossa identidade), consigamos perceber as intenções neoliberais
destes “vendilhões de pacotilha”, quando decretarem o fim do dia comemorativo
das “portas que Abril abriu”. Se já alguém sugeriu a suspensão da democracia
por algum tempo, porquê tanta admiração para tal vaticínio. Será que não se
lembram? Ou estaremos nós a ficar senis?
Pela falta de inspiração libertadora, terminaremos com as mesmas
palavras do Frei Fernando Ventura (tomando-as como nossas), em entrevista à
TVI, na passada Sexta-Feira Santa, 18 de Abril: Apesar de estarmos próximos do 25
de Abril, se calhar só nos resta celebrar a liberdade e recordar a liberdade,
porque neste momento não somos livres!
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