“Até
agora, nenhum livro sobre o antigo reino do Kongo abordou a questão, essencial,
do lugar da democracia no governo deste Estado. Usando os testemunhos
semânticos e orais disponíveis, Patrício Batsîkama mostra que a democracia
desempenhou um papel de primeiro plano através do funcionamento do conselho
legislativo e judicial…”.
Jan Vansina
(Professor Emérito Wisconsin
University, EUA)
Toda a gente sabe da
nossa inveterada paixão – quase doentia – pelo antigo Reino do Congo, dado aí
termos vivido um dos melhores momentos da nossa juventude, nomeadamente no
centro nevrálgico desse multimilenar Estado, M’Banza Congo, que ora o bom
amigo/irmão angolano nascido no Quibocolo (Maquela do Zombo) – primeira
povoação para onde fomos com três anos de idade –, Patrício Batsîkama,
professor de História das Artes Africanas, na Faculdade de Ciências Sociais, da
Universidade Agostinho Neto, nos traz ao conhecimento desse antiquíssimo reino,
através de um, ainda que sucinto, estudo baseado na linguística histórica
comparativa, assente em dois objectivos: contribuir, de alguma forma, para o
enriquecimento da candidatura de “M’Banza Congo como Património da Humanidade”
e, segundo o mesmo Patrício, «treinar os nossos estudantes universitários nesta
metodologia (Vansina, 1985; Batsîkama, 2010; Coelho, 2010), que é fundamental
para esclarecer o nosso passado pré-lusitano. O actual Lûmbu – que integra os “suportes culturais” por preservar e que
nada tem a ver com o sobado – era a
instituição para a Harmonia das diversas tribos Kôngo».
Patrício Batsîkama
pretende assim responder a várias questões que lhes foram colocadas, tendo em
conta a sua afirmativa convicção, face ao estudo efectuado, sobre a democracia
no velho Congo: “como se diria democracia
em Kikôngo? Caso não exista o termo, seria falacioso sustentar a sua
suposta existência no antigo Kôngo; como funcionava na verdade e quais
materiais a certificariam? Como seria possível que um povo sem escrita pudesse
ter Constituição, leis que sistematizassem a democracia?”. E, através deste seu
estudo, nunca foi sua pretensão esgotar o tema, dado ter como principal
objectivo de aconselhar o desenvolvimento de trabalho de campo para que se
venha a criar um debate sério e baseado no conhecimento empírico, de modos a
comparar com tudo aquilo que está arquivado nos depósitos de fontes e dados.
Desta forma, Patrício Batsîkama abre perspectivas para que outros teóricos
“possam eventualmente retrabalhar sobre as antigas civilizações bantu em geral
e as populações angolanas em particular”. Daí, ser importante salientar as
fontes e a metodologia utilizadas neste magnífico (diremos nós) trabalho: Fontes:
língua; testemunhos de padres e outros nos séculos passados; depoimentos de
algumas autoridades tradicionais; Tradição oral. Metodologia: linguística
comparada; paremiologia (Batsîkama, 2010); crítica histórica.
Sem nos enredarmos em
meticulosas descrições, o que seria intelectualmente incorrecto da nossa parte,
face ao limite de espaço nesta crónica e à complexidade que o tema requer em
termos de conhecimento, diremos que o mesmo trabalho se divide em seis
capítulos: I. Fundação do Kôngo – Origem meridional, “(…) Provavelmente antes do século VII
a.C., os Mugahângala, oriundos das regiões setentrionais do Zimbabwe, ocuparam
o Sudeste de Angola. Foi nessa região que se terá posteriormente formado um dos
primeiros Estados (Posnansky, 2010, 591) pré-Kôngo” – Origem setentrional, que passa pelos proto-Bantu que
“construíram vários Estados entre Douala e os Mbum, entre os Kota e Fang, entre
os Teke e os Benga, ao Sul. Talvez aeja por isso que Greenberg e Gurthie terão
visto aqui a origem das populações que falam a língua bantu” – Origem oriental, com a descrição
da geografia humana desta região – Ocupação
de Mbânz’a Kôngo, levando à afirmação do autor que “quando as
populações ocuparam as regiões actuais de Mbânz’a Kôngo, duas instituições já
estariam desenvolvidas, pois permitiram a união das populações (…) provenientes
de diferentes regiões; II. MFÛMU:
Instituição da Autoridade; III.
LÛMBU: Instituição da democracia, recordando que Lûmbu era a instituição
máxima do país: definia as tipificações do poder, a hierarquia militar, a
democracia social, e instituía os órgãos da sistematização do Poder,
simbolizando, ao mesmo tempo, “a coesão de uma vasta população repartida em
várias terras distantes umas das outras”; IV.
Organização Social e Divisão de Poderes, por forma a gerir a sua
organização na concórdia, doze clãs simbólicos das 144 tribos fundadoras,
através dos poderes legislativo, executivo e militar; V. Mbânz’a Kôngo: Espaço da União, onde se conclui que todo o
espaço habitado impõe uma dupla realidade: historicidade de espaço (habitado,
explorado, utilizado, planificado, vivido e compreendido) e o habitante; VI. “Mfokolo” (conclusão).
Por certo que muito
haveria a dizer acerca deste magnífico trabalho, cientificamente
irrepreensível, que termina com a descrição bibliográfica de doze testemunhos
orais (Fontes primárias), quarenta e um autores consultados, mas mais de meia
centena de obras (Fontes escritas) e, o percurso por sete Arquivos, enquanto
espaços físicos, repartidos por Bélgica, Itália, Portugal, França e Angola.
Terminaremos com a
mesma convicção do Pe. Daniel Quiala Malamba: “Os Kôngo eram bem organizados
antes da chegada dos europeus. Eles tinham um governo com todas as instituições
em funcionamento”. E é isso que Patrício Batsîkama tenta provar neste “Lûmbu: a
democracia no antigo Kôngo”.
NOTA MÁXIMA!
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