Thursday, December 03, 2015

Poeta David F. Rodrigues apresenta “estes cantares fez & som escarnhos d’ora”!...

«[David F. Rodrigues] não se trata de um poeta “vulgar”: conciso na reprodução de imagens, contido no evoluir das palavras, quase tudo pode dizer com uma extraordinária economia de meios, a que não é estranha a distribuição dos elementos significativos poéticos pelo espaço da página»

Luís Fagundes Duarte
(In JL, Outubro de 1985)

Longe de nós embarcarmos nas presumíveis “masturbações” à boa maneira da capital deste “reino” à beira-mar plantado, onde os escritores e poetas se reescrevem uns aos outros, por forma a se sentirem visíveis e candidatos aos prémios que lhes permitirão usufruir de mais uns cobres e do estatuto de “superlativos relativos de superioridade”. Embora isso aconteça na capital, engalanada de “capelinhas”, infelizmente, também por cá, vai havendo alguns resquícios desta síndrome que, face à reduzida dimensão do burgo, se expressam em reduzida visibilidade. Este é o nosso escárnio inicial, antes de passarmos à poética expressão do David, assente na não menos poética expressão do apresentador d’estes “cantares fez & som escarnhos d’ora”, Professor Doutor Luís Mourão, quando afirmou, a dado momento, que a “poesia é uma coisa tão velha que talvez ainda não nasceu”.
Toda esta nossa retórica para dizermos que não é o caso (nem em tal o incluiremos) de David F. Rodrigues, Poeta que tanto apreciamos há mais de três décadas, altura em que relativizávamos a nossa “douta ignorância” (permanente e activa), ouvindo e lendo aqueles que achávamos os melhores entre os melhores, perscrutando-lhes a sensibilidade e a inspiração, em programas radiofónicos por nós realizados e apresentados. Na altura falavam bem alto “O Rito do Pão”, “Dilúvio de Chamas” e “O Que é Feito de Nós”, com prefácio de Mário Cláudio, outro dos tantos “tecelões de palavras” que tanto apreciamos; e as deferências a seu respeito no «10 anos de poesia em Portugal 1974-1984: leitura de uma década», esbate da produção poética dessa mesma década, por Manuel Frias Martins – ao contrário do que acontecia (acontece) com aquela geração mais recuada no tempo, e cujo humanismo, aliás, é continuado pelo optimismo naturalista de um poeta como David Rodrigues… (p. 133) –, quando se referia ao “O Rito do Pão”.


Considerações e/ou devaneios à parte, desta vez vamo-nos debruçar sobre o seu último brado poético «estes cantares fez & som escarnhos d’ora», apresentado publicamente no pretérito dia 25 de Novembro de 2015, na Sala de Actos da Presidência e Serviços Centrais do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, pelo Professor Doutor Luís Mourão, um especialista na área.
Porque sempre achamos que a poesia não se explica, mas sente-se (deixando de ser do autor para pertencer a cada um de nós), a nossa deambulação “crítico-literária” vai no sentido de apenas discorrermos através da nossa sensibilidade e/ou “mimese”. Nada mais!...
Inspirado nas “cantigas de escárnio e maldizer”, assentes nos “sirventeses provençais morais e políticos, sátiras literárias e maledicências pessoais”, sempre arriscaremos em afirmar que David Rodrigues vem, através deste seu magnífico brado poético, demonstrar que continua a haver lugar para a poesia de escárnio, ou seja, “grande poesia política”. Aliás, como afirmou o ilustre apresentador, o escárnio está presente, omnipresente, só porque “somos o escárnio de nós mesmos” e uma poesia de escárnio começa pela própria poesia: «…não / não sou poeta / com licença / de porta aberta / por recusar inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas pelos oficiais / destarte sem ofício / que todavia sempre pratiquei / sem a devida remuneração de vida…» (p. 13), mesmo quando «…o poeta que falava / pelos cotovelos calou-se (…) anda este orfeu / amigo meu / de corno tal / ou seja dor / que tanto vale / por causa dessa / sabida eurídice / que só visto…» (p. 16-17).
Desprovido – e porque não, despojado – de “cantigas”, David F. Rodrigues aguça, cirurgicamente, o seu olhar (e nosso) para as coisas que foram uma parte de ilusão, politicamente ilusória: «…elas são de facto / como eles as gaivotas / vejam só estado / imundo em que eles / como elas os políticos / deixam os altos poleiros / após terem aí recolhido / os louros acalentos do sol…» (p. 40) e que depois da «casa roubada / troikas à porta / troikas à porta / casa roubada / a moeda da troika / é troikada por miúdos / que depois troikam / cos graúdos da troika / na feira das troikas / fazem-se as troikas / troika por troika / fica-se sempre troikado…» (p. 48).


O tríptico deste magnífico livro, completa-se com o lado metafísico (no dizer sapiente de Luís Mourão: poesia de transformação semântica; máquina lírica, dado que o escárnio também passa por aí; a questão dos cantares terem uma cronologia muito precisa, e aqui não é explicada, etc.), espelhado nos poemas que «são como noites todos estes dias / e vale a pena recordar e repetir / não obstante este sol e céu azul / e uma breve foice de lua rosada / ainda a mostrar-se iluminada» (p. 54), qual negro existencial da nossa condição, creditada na esperança de uma ampla janela por abrir, no tempo e na intemporalidade: «já não ostenta legibilidade a máxima inscrita / na primeira e maior pedra à entrada do templo / durante séculos depois de decifrada foi lida / todos os dias até ser decorada pelos crentes / como única passagem para a vida eterna (…) chegada a hora irmãos do julgamento final / deus ao pesar na justa balança da sua justiça / os vossos pecados não deixará de ter / na devida conta este vosso sacro sacrifício…» (p. 57), mesmo quando David F. Rodrigues intenta em poetar que «prossigo e sempre seguirei / como já disse algures e repito / devagar por maus caminhos / esta é a terra eternamente / virgem concebida sem pecados / e castigos por atalhos e veredas / acompanhe-me assim quem deixar / não quer este paraíso perdido…» (p. 62). Para bem de todos nós, e para a poesia em particular, assim seja, por muitos e muitos anos.  
Apenas umas pequenas notas sobre o David F. Rodrigues, principalmente para aqueles que, inadvertidamente ou não, fazem “vista grossa” à presença efectiva e activa dum dos grandes poetas da nossa região e não só. Voltamos à velha questão da distância física, porque geográfica, da “capital dos forjadores de grandes vultos”, onde deambulam poetas “com licença / de porta aberta”, por não recusarem “inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas pelos oficiais / destarte sem ofício”.  
Então, aqui vai: David F. Rodrigues nasceu em Mato (S. Lourenço), Ponte de Lima, em Março de 1949. Reside, desde 1985, em Viana do Castelo. Diz-se que, quando foi dado à luz, era dia de Carnaval. Foi necessário um médico, para o retirar, “a ferros”, do ventre materno. É licenciado (1974 em Filosofia e Humanidades (Curso Filosófico-Humanístico), pela Faculdade de Filosofia de Braga, da Universidade Católica Portuguesa. É mestre (1995) e doutor (2003) em Linguística, especialidade de Teoria do Texto, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Foi docente nos ensinos secundário (1972-74) e básico (2.º ciclo – 1973 a 1989) e no ensino superior politécnico (1990-2010). Exerceu o jornalismo em Viana do Castelo, correspondente do jornal Diário de Notícias. É sócio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP).    
Pena é a recorrência à edição de autor.
         NOTA MÁXIMA!

1 comment:

David F. Rodrigues said...

Muito obrigado, Amigo Porfírio, pela sua leitura crítica do meu último livro de poemas «estes cantares fez & som escarnhos d'ora», publicado no seu blogue, depois de o ter dado à estampa no jornal «Cardeal Saraiva». Grato, com um cordial abraço, David.