«… [David F. Rodrigues] não se trata de um poeta “vulgar”: conciso
na reprodução de imagens, contido no evoluir das palavras, quase tudo pode
dizer com uma extraordinária economia de meios, a que não é estranha a
distribuição dos elementos significativos poéticos pelo espaço da página»
Luís Fagundes Duarte
(In JL, Outubro de 1985)
Longe de nós
embarcarmos nas presumíveis “masturbações” à boa maneira da capital deste
“reino” à beira-mar plantado, onde os escritores e poetas se reescrevem uns aos
outros, por forma a se sentirem visíveis e candidatos aos prémios que lhes
permitirão usufruir de mais uns cobres e do estatuto de “superlativos relativos
de superioridade”. Embora isso aconteça na capital, engalanada de “capelinhas”,
infelizmente, também por cá, vai havendo alguns resquícios desta síndrome que,
face à reduzida dimensão do burgo, se expressam em reduzida visibilidade. Este
é o nosso escárnio inicial, antes de passarmos à poética expressão do David,
assente na não menos poética expressão do apresentador d’estes “cantares fez &
som escarnhos d’ora”, Professor Doutor Luís Mourão, quando afirmou, a dado momento,
que a “poesia é uma coisa tão velha que talvez ainda não nasceu”.
Toda esta nossa
retórica para dizermos que não é o caso (nem em tal o incluiremos) de David F.
Rodrigues, Poeta que tanto apreciamos há mais de três décadas, altura em que relativizávamos a nossa “douta ignorância” (permanente e activa), ouvindo e
lendo aqueles que achávamos os melhores entre os melhores, perscrutando-lhes a
sensibilidade e a inspiração, em programas radiofónicos por nós realizados e
apresentados. Na altura falavam bem alto “O Rito do Pão”, “Dilúvio de Chamas” e
“O Que é Feito de Nós”, com prefácio de Mário Cláudio, outro dos tantos “tecelões
de palavras” que tanto apreciamos; e as deferências a seu respeito no «10 anos
de poesia em Portugal 1974-1984: leitura de uma década», esbate da produção
poética dessa mesma década, por Manuel Frias Martins – ao contrário do que acontecia (acontece) com aquela geração mais
recuada no tempo, e cujo humanismo, aliás, é continuado pelo optimismo
naturalista de um poeta como David Rodrigues… (p. 133) –, quando se referia
ao “O Rito do Pão”.
Considerações e/ou
devaneios à parte, desta vez vamo-nos debruçar sobre o seu último brado poético
«estes cantares fez & som escarnhos d’ora»,
apresentado publicamente no pretérito dia 25 de Novembro de 2015, na Sala de
Actos da Presidência e Serviços Centrais do Instituto Politécnico de Viana do
Castelo, pelo Professor Doutor Luís Mourão, um especialista na área.
Porque sempre achamos
que a poesia não se explica, mas sente-se (deixando de ser do autor para
pertencer a cada um de nós), a nossa deambulação “crítico-literária” vai no
sentido de apenas discorrermos através da nossa sensibilidade e/ou “mimese”. Nada
mais!...
Inspirado nas “cantigas
de escárnio e maldizer”, assentes nos “sirventeses provençais morais e
políticos, sátiras literárias e maledicências pessoais”, sempre arriscaremos em
afirmar que David Rodrigues vem, através deste seu magnífico brado poético,
demonstrar que continua a haver lugar para a poesia de escárnio, ou seja,
“grande poesia política”. Aliás, como afirmou o ilustre apresentador, o
escárnio está presente, omnipresente, só porque “somos o escárnio de nós
mesmos” e uma poesia de escárnio começa pela própria poesia: «…não / não sou poeta / com licença / de
porta aberta / por recusar inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas
pelos oficiais / destarte sem ofício / que todavia sempre pratiquei / sem a
devida remuneração de vida…» (p. 13), mesmo quando «…o poeta que falava / pelos cotovelos calou-se (…) anda este orfeu / amigo meu / de corno tal /
ou seja dor / que tanto vale / por causa dessa / sabida eurídice / que só
visto…» (p. 16-17).
Desprovido – e porque
não, despojado – de “cantigas”, David F. Rodrigues aguça, cirurgicamente, o seu
olhar (e nosso) para as coisas que foram uma parte de ilusão, politicamente
ilusória: «…elas são de facto / como eles
as gaivotas / vejam só estado / imundo em que eles / como elas os políticos /
deixam os altos poleiros / após terem aí recolhido / os louros acalentos do
sol…» (p. 40) e que depois da «casa
roubada / troikas à porta / troikas à porta / casa roubada / a moeda da troika
/ é troikada por miúdos / que depois troikam / cos graúdos da troika / na feira
das troikas / fazem-se as troikas / troika por troika / fica-se sempre
troikado…» (p. 48).
O tríptico deste
magnífico livro, completa-se com o lado metafísico (no dizer sapiente de Luís
Mourão: poesia de transformação semântica; máquina lírica, dado que o escárnio
também passa por aí; a questão dos cantares terem uma cronologia muito precisa,
e aqui não é explicada, etc.), espelhado nos poemas que «são como noites todos estes dias / e vale a pena recordar e repetir /
não obstante este sol e céu azul / e uma breve foice de lua rosada / ainda a
mostrar-se iluminada» (p. 54), qual negro existencial da nossa condição,
creditada na esperança de uma ampla janela por abrir, no tempo e na intemporalidade:
«já não ostenta legibilidade a máxima
inscrita / na primeira e maior pedra à entrada do templo / durante séculos
depois de decifrada foi lida / todos os dias até ser decorada pelos crentes /
como única passagem para a vida eterna (…) chegada a hora irmãos do julgamento final / deus ao pesar na justa
balança da sua justiça / os vossos pecados não deixará de ter / na devida conta
este vosso sacro sacrifício…» (p. 57), mesmo quando David F. Rodrigues
intenta em poetar que «prossigo e sempre
seguirei / como já disse algures e repito / devagar por maus caminhos / esta é
a terra eternamente / virgem concebida sem pecados / e castigos por atalhos e
veredas / acompanhe-me assim quem deixar / não quer este paraíso perdido…»
(p. 62). Para bem de todos nós, e para a poesia em particular, assim seja, por
muitos e muitos anos.
Apenas umas pequenas
notas sobre o David F. Rodrigues, principalmente para aqueles que,
inadvertidamente ou não, fazem “vista grossa” à presença efectiva e activa dum
dos grandes poetas da nossa região e não só. Voltamos à velha questão da
distância física, porque geográfica, da “capital dos forjadores de grandes
vultos”, onde deambulam poetas “com licença / de porta aberta”, por não
recusarem “inscrição / jóia e taxa correspondentes / exigidas pelos oficiais /
destarte sem ofício”.
Então, aqui vai: David
F. Rodrigues nasceu em Mato (S. Lourenço), Ponte de Lima, em Março de 1949.
Reside, desde 1985, em Viana do Castelo. Diz-se que, quando foi dado à luz, era
dia de Carnaval. Foi necessário um médico, para o retirar, “a ferros”, do
ventre materno. É licenciado (1974 em Filosofia e Humanidades (Curso
Filosófico-Humanístico), pela Faculdade de Filosofia de Braga, da Universidade
Católica Portuguesa. É mestre (1995) e doutor (2003) em Linguística,
especialidade de Teoria do Texto, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas,
da Universidade Nova de Lisboa. Foi docente nos ensinos secundário (1972-74) e
básico (2.º ciclo – 1973 a 1989) e no ensino superior politécnico (1990-2010).
Exerceu o jornalismo em Viana do Castelo, correspondente do jornal Diário de Notícias. É sócio da Associação de Jornalistas e Homens de Letras
do Porto (AJHLP).
Pena é a recorrência à
edição de autor.
NOTA MÁXIMA!
1 comment:
Muito obrigado, Amigo Porfírio, pela sua leitura crítica do meu último livro de poemas «estes cantares fez & som escarnhos d'ora», publicado no seu blogue, depois de o ter dado à estampa no jornal «Cardeal Saraiva». Grato, com um cordial abraço, David.
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