«Para quem imaginava que o decreto-lei
115-A/98 era muito mais do que uma simples remodelação formal da gestão
escolar, os resultados alcançados, no final de dois anos, são frustrantes.
Mesmo sabendo que o processo era difícil e que contava com muitos obstáculos,
era possível ter feito mais. (…) No essencial a evolução do processo depende do
que for feito, de substancial, para dar uma expressão clara e efectiva ao
aumento das competências e recursos das escolas. E aqui os “contratos de
autonomia” podem ser decisivos. Contudo não podem ser cometidos os mesmos erros
que foram cometidos até agora, o que passa por uma clarificação dos objectivos
políticos, um reforço das competências e da perícia técnica dos serviços da
administração, a criação de efectivos serviços de apoio às escolas, e uma
progressão cautelosa e sustentada…»
João Barroso
Tomando por base um
texto de João Barroso «A Escola Pública:
Regulação, Desregulação e Privatização» (ASA Editores, 2003), proposta
reflexiva para a nossa crónica desta semana, expressaremos a nossa convicção de
que a «Educação» debate-se, como
parte integrante, na problemática da reforma e reestruturação da «Administração Pública» em geral. Ou
seja, segundo João Barroso, é neste contexto que ela se promove, discute e se
aplicam medidas políticas e administrativas, medidas essas que vão no sentido
de alterar os modos de regulação dos poderes públicos, e neste caso particular,
no sistema escolar. O campo privilegiado da intervenção do «Estado», nesta área, passa pelo domínio
público ou privado.
Tendo em linha de conta
que, em 1998, o Professor João Barroso esteve ligado à apresentação de um
estudo sobre o reforço da autonomia das escolas, e sua aprovação, que
culminaria com “Regime de autonomia, administração e gestão” das escolas
(Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio), por certo que – face ao rigor –
estaremos perante uma argumentação acrescida de responsabilidade científica e,
quiçá, de modelar critério. Convém salientar o facto de que esta obra em
análise (2003) poderá ser fruto dessa e de outras experiências similares no
campo da coordenação e responsabilidade científica, nomeadamente na avaliação
de modelos de gestão.
Contudo, Licínio C.
Lima, cujos interesses de investigação têm-se centrado no estudo
sociológico-organizacional da escola e de outras organizações educativas não
escolares (esta no âmbito da educação de adultos) e na análise dos fenómenos de
democratização e de participação na administração do sistema educativo e das
escolas, “refuta”, algum do circunstancial “entusiasmo” patenteado no reforço
da autonomia das escolas, após a aprovação dessa mesma regulação (1998), dado
que – e segundo a sua opinião – a mesma “ocorreu, contraditoriamente, num
contexto normativo marcado pela lei orgânica do Ministério da Educação de
1993”. Ainda, segundo este ilustre catedrático da Universidade do Minho, esta é
uma lei que partindo «de pressupostos
gerencialistas e modernizadores, recentralizou o poder através de mecanismos de
desconcentração (direcções regionais e coordenações de área educativa)».
Para o professor
Licínio C. Lima “não é possível decretar retoricamente a autonomia das escolas,
promover alterações nas designações e composições dos órgãos de gestão e na
estrutura organizacional, instituir a possibilidade da assinatura de contratos
de autonomia de 1.ª e de 2.ª fases e, em simultâneo, manter inalterada a
tradicional política centralista e a mesma estrutura orgânica do Ministério”.
Ainda segundo este conceituado académico, se as políticas não mudam, “o
aparelho centralizado da administração escolar permanece, ainda que possa
registar alterações de morfologia”.
Haviam passado cinco anos (e cinco ministros)
desde que, em 4 de Maio de 1998, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/A-98 – que
aprovou o «Regime de Autonomia,
Administração e Gestão das Escolas e Agrupamentos de Escolas» –, quando
João Barroso, em artigo publicado na revista Educação e Matemática (N.º 73 -
Maio /Junho de 2003), questionaria o que havia mudado desde a aprovação do
referido decreto: Se exceptuarmos a
alteração formal dos órgãos de gestão das escolas (extensiva a todos os graus
de ensino) e a criação dos agrupamentos, muito pouco mudou. Nessa altura,
este ilustre professor admitia (tendo em conta que tal decreto era muito mais
de que uma simples remodelação formal da gestão escolar) que os resultados
alcançados, ao fim de dois anos da sua aprovação, eram frustrantes.
É com base nesta
saudável discussão que concluiremos, passados todos estes anos, apesar do nosso
consequencial “envolvimento” – por imperativo das novas portas que Abril abriu
– nas políticas de educação, espelhadas no princípio da eleição dos órgãos de
gestão das escolas e, só muito mais tarde, alargada à participação de
não-docentes (estrato social no qual nos incluímos), estaremos em dizer que, ao
longo das quatro dezenas de anos da “pós revolução dos cravos”, tendo em conta
mesmo algumas tentativas – mesmo quando se decretam (Decretos-Lei n.º 139/2012
e n.º 152/2013) medidas, por forma a adoptarem um aumento da autonomia das
escolas na gestão do currículo, por uma maior liberdade de escolha das ofertas
formativas, etc. –, pouco ou nada se tem investido para minorar os problemas da
Educação em Portugal.
Muitos têm sido os
debates parlamentares, debates esses que, muitas vezes, levam à discussão
questões de natureza sociológica, e onde são postos a relevo os mais díspares
aspectos políticos e ideológicos, incidentes, também, na problemática da
educação. Contudo, a nosso modesto ver, a adequação do sistema de ensino, face
à complexa situação económica e política do nosso país, tem-se pautado apenas
pelas intenções, mormente envoltas em “regulações” e “desregulações”, sempre
com os olhos postos numa diversidade de fontes e modos de regulação. É o mesmo
professor João Barroso que – em vez de falar de “regulação” – nos aponta para
uma “multi-regulação”, já que “as acções que garantem o funcionamento do
sistema educativo são determinadas por um feixe de dispositivos reguladores que
muitas vezes se anulam entre si”.
Um dos grandes
problemas que, presentemente, nos liga a esta mesma problemática da Escola
Pública e aos temas em discussão (regulação, desregulação e privatização),
espelha-se no recurso sistemático a referências internacionais, às “lições que
vêm de fora”.
Só o tempo dirá se todos estes efeitos de contaminação globalizada (empréstimo);
de hibridismo, reforçado pelo seu
carácter ambíguo e compósito; e mosaico,
espelhado por uma panóplia de iniciativas e normas, nos levarão a bom porto!
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