Saturday, November 28, 2015

A Escola Pública: regulação, desregulação e privatização!...

«Para quem imaginava que o decreto-lei 115-A/98 era muito mais do que uma simples remodelação formal da gestão escolar, os resultados alcançados, no final de dois anos, são frustrantes. Mesmo sabendo que o processo era difícil e que contava com muitos obstáculos, era possível ter feito mais. (…) No essencial a evolução do processo depende do que for feito, de substancial, para dar uma expressão clara e efectiva ao aumento das competências e recursos das escolas. E aqui os “contratos de autonomia” podem ser decisivos. Contudo não podem ser cometidos os mesmos erros que foram cometidos até agora, o que passa por uma clarificação dos objectivos políticos, um reforço das competências e da perícia técnica dos serviços da administração, a criação de efectivos serviços de apoio às escolas, e uma progressão cautelosa e sustentada…»

João Barroso

Tomando por base um texto de João Barroso «A Escola Pública: Regulação, Desregulação e Privatização» (ASA Editores, 2003), proposta reflexiva para a nossa crónica desta semana, expressaremos a nossa convicção de que a «Educação» debate-se, como parte integrante, na problemática da reforma e reestruturação da «Administração Pública» em geral. Ou seja, segundo João Barroso, é neste contexto que ela se promove, discute e se aplicam medidas políticas e administrativas, medidas essas que vão no sentido de alterar os modos de regulação dos poderes públicos, e neste caso particular, no sistema escolar. O campo privilegiado da intervenção do «Estado», nesta área, passa pelo domínio público ou privado.
Tendo em linha de conta que, em 1998, o Professor João Barroso esteve ligado à apresentação de um estudo sobre o reforço da autonomia das escolas, e sua aprovação, que culminaria com “Regime de autonomia, administração e gestão” das escolas (Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio), por certo que – face ao rigor – estaremos perante uma argumentação acrescida de responsabilidade científica e, quiçá, de modelar critério. Convém salientar o facto de que esta obra em análise (2003) poderá ser fruto dessa e de outras experiências similares no campo da coordenação e responsabilidade científica, nomeadamente na avaliação de modelos de gestão.
Contudo, Licínio C. Lima, cujos interesses de investigação têm-se centrado no estudo sociológico-organizacional da escola e de outras organizações educativas não escolares (esta no âmbito da educação de adultos) e na análise dos fenómenos de democratização e de participação na administração do sistema educativo e das escolas, “refuta”, algum do circunstancial “entusiasmo” patenteado no reforço da autonomia das escolas, após a aprovação dessa mesma regulação (1998), dado que – e segundo a sua opinião – a mesma “ocorreu, contraditoriamente, num contexto normativo marcado pela lei orgânica do Ministério da Educação de 1993”. Ainda, segundo este ilustre catedrático da Universidade do Minho, esta é uma lei que partindo «de pressupostos gerencialistas e modernizadores, recentralizou o poder através de mecanismos de desconcentração (direcções regionais e coordenações de área educativa)».


Para o professor Licínio C. Lima “não é possível decretar retoricamente a autonomia das escolas, promover alterações nas designações e composições dos órgãos de gestão e na estrutura organizacional, instituir a possibilidade da assinatura de contratos de autonomia de 1.ª e de 2.ª fases e, em simultâneo, manter inalterada a tradicional política centralista e a mesma estrutura orgânica do Ministério”. Ainda segundo este conceituado académico, se as políticas não mudam, “o aparelho centralizado da administração escolar permanece, ainda que possa registar alterações de morfologia”.
 Haviam passado cinco anos (e cinco ministros) desde que, em 4 de Maio de 1998, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/A-98 – que aprovou o «Regime de Autonomia, Administração e Gestão das Escolas e Agrupamentos de Escolas» –, quando João Barroso, em artigo publicado na revista Educação e Matemática (N.º 73 - Maio /Junho de 2003), questionaria o que havia mudado desde a aprovação do referido decreto: Se exceptuarmos a alteração formal dos órgãos de gestão das escolas (extensiva a todos os graus de ensino) e a criação dos agrupamentos, muito pouco mudou. Nessa altura, este ilustre professor admitia (tendo em conta que tal decreto era muito mais de que uma simples remodelação formal da gestão escolar) que os resultados alcançados, ao fim de dois anos da sua aprovação, eram frustrantes.
É com base nesta saudável discussão que concluiremos, passados todos estes anos, apesar do nosso consequencial “envolvimento” – por imperativo das novas portas que Abril abriu – nas políticas de educação, espelhadas no princípio da eleição dos órgãos de gestão das escolas e, só muito mais tarde, alargada à participação de não-docentes (estrato social no qual nos incluímos), estaremos em dizer que, ao longo das quatro dezenas de anos da “pós revolução dos cravos”, tendo em conta mesmo algumas tentativas – mesmo quando se decretam (Decretos-Lei n.º 139/2012 e n.º 152/2013) medidas, por forma a adoptarem um aumento da autonomia das escolas na gestão do currículo, por uma maior liberdade de escolha das ofertas formativas, etc. –, pouco ou nada se tem investido para minorar os problemas da Educação em Portugal.
Muitos têm sido os debates parlamentares, debates esses que, muitas vezes, levam à discussão questões de natureza sociológica, e onde são postos a relevo os mais díspares aspectos políticos e ideológicos, incidentes, também, na problemática da educação. Contudo, a nosso modesto ver, a adequação do sistema de ensino, face à complexa situação económica e política do nosso país, tem-se pautado apenas pelas intenções, mormente envoltas em “regulações” e “desregulações”, sempre com os olhos postos numa diversidade de fontes e modos de regulação. É o mesmo professor João Barroso que – em vez de falar de “regulação” – nos aponta para uma “multi-regulação”, já que “as acções que garantem o funcionamento do sistema educativo são determinadas por um feixe de dispositivos reguladores que muitas vezes se anulam entre si”.  
Um dos grandes problemas que, presentemente, nos liga a esta mesma problemática da Escola Pública e aos temas em discussão (regulação, desregulação e privatização), espelha-se no recurso sistemático a referências internacionais, às “lições que vêm de fora”.
       Só o tempo dirá se todos estes efeitos de contaminação globalizada (empréstimo); de hibridismo, reforçado pelo seu carácter ambíguo e compósito; e mosaico, espelhado por uma panóplia de iniciativas e normas, nos levarão a bom porto!

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