«A leitura deste livro conduz-nos por um
percurso: os seus monumentos, a sua arte, as suas gentes, as suas relações de
diálogo, de dependência e independência, as suas lutas, as suas vitórias, os
seus trabalhos, as suas lendas… a sua trama na construção da sua identidade…»
Pe. Dr. José
Correia Vilar
Nem sempre o que nasce
de circunstâncias pomposas ostenta os predicados necessários à proposição de
uma realidade verdadeira. Por “defeito” de formação habituamo-nos a olhar e a
sentir a “Verdade” em dois sentidos: No primeiro caso por se tratar de uma
preposição que é verdadeira diferentemente de falsa; e no segundo caso por se
tratar de uma realidade que é diferentemente de aparente, ilusória, irreal,
inexistente, etc. Assim acontece com os livros, com os documentos e com outras
realidades físicas. Tal como os filósofos gregos, que não se ocuparam apenas da
verdade como realidade, ainda continuamos a procurar a verdade face à
falsidade, à ilusão e à aparência.
Mas, vamos ao que
interessa, tendo em conta que este presumível “relambório cognitivo”, muito
nosso, se desprendeu para uma realidade afectiva e de gratidão. Recebemos uma “despretensiosa”
publicação em livro da Fábrica da Igreja
de S. Tomé da Correlhã, com o título «Correlhã:
outros tempos», cujos autores são Manuel da Fonte Rodrigues Alves e Amândio
Amorim de Sousa Vieira. E quando dizemos “despretensiosa”, imprimimos-lhe a
humildade e a modéstia latentes em seus autores com as quais estamos longe de
concordar, já que as coisas que muitas vezes parecem “insignificantes” fazem a
perfeição, mas a perfeição não é forçosamente uma insignificância. E se lhe imprimirmos
o altruísmo (sabemo-lo com que empenho os autores se integraram à feitura desta
obra), o valor das coisas que temos em mãos deixa de ser aparente, ilusória ou
irreal, para se lhe acrescentarmos a elevação.
Seguindo uma cronologia
bem estruturada, diríamos até cientificamente irrepreensível, «Correlhã: outros tempos» toca nos pontos
essenciais ao conhecimento deste espaço geográfico, cujo passado riquíssimo
deixou marcas profundas na comunidade e nas pessoas como nós – que rebuscamos e
nos apaixonamos pelo património (material e imaterial) –, marcas essas que no
dizer e sentir da sua Presidente da Junta de Freguesia, Fátima Oliveira, «são o testemunho legatório do passado que
nos cabe conservar, interpretar e contextualizar para permitir que se aceda ao
mesmo, física, espiritual e emotivamente». Pensamos que esta é uma
apreciação cirurgicamente realista, verdadeira e objectiva, como o livro que
ora nos chega às mãos.
Manuel da Fonte
Rodrigues Alves e Amândio Amorim de Sousa Vieira, sem se aparaltarem a preceito,
calçando as “tamancas” da cognição, acabam por prestar um excelente serviço à
cultura e identidade regionais, muitas vezes ostracizadas por
pseudo-intelectuais de “alpercatas e pingalim”, que mais não fazem, nada
fazendo. De uma forma simples mas objectiva, este “livro-roteiro”,
proficuamente ilustrado, leva-nos até à memória dos tempos e do tempo que está
para lá dos tempos.
Através de «Correlhã: outros tempos», Manuel Alves e
Amândio Vieira ajudam-nos a viajar ao tempo dos Castros; dos invasores de Roma
(130/137 a.C.); da Villa Corneliana; da moeda de ouro encontrada nas Veigas da
Correlhã (589); da presença dos Muçulmanos (711); da conquista da Correlhã aos
mouros (910/914); da entrega da Correlhã por D. Ordonho II à Igreja de Santiago
de Compostela, em troca de 500 moedas de ouro, que seu pai tinha doado a S.
Tiago (915); da devastação da Villa Corneliana pelos Normandos (1024); da
autorização, por parte de D. Fernando I, Rei de Leão, a povoar de novo a
Correlhã (1061); da confirmação da doação da Igreja e Villa Corneliana a
Santiago, por D. Fernando I (1064); de D. Teresa e D. Henrique, quando
confirmam a vontade de D. Fernando I, avô de D. Teresa, e protegem os
habitantes da Villa Corneliana (1097); da Correlhã e o Pio Latrocínio (1102);
da Correlhã no meio das disputas entre Braga e Santiago (1110); do ano em que a
Correlhã recebeu Foral das mãos do Bispo de Santiago, D. Diogo Gelmires,
confirmado no mesmo ano por D. Teresa (1120); dos limites no Foral da Vila de
Ponte com a Villa Corneliana (1125); da construção da Igreja Paroquial da
Correlhã (1132); da referência à Ermida de Santo Abdão nas Inquirições de D.
Afonso II (1220); da confirmação da Correlhã, por D. Dinis e D. Afonso IV, a Santiago
(1324/1335); do fim dos 511 anos de ligação a Santiago (1426); da Correlhã,
Couto da Casa de Bragança (1426); da doação da Correlhã pelo Rei D. Duarte a
seu irmão D. Afonso, Conde de Barcelos (1433); da relação e vida difícil dos
habitantes da Correlhã com a Casa de Bragança (1489); da Correlhã e o processo
para o Foral Novo, no reinado de D. Manuel I (1511); do nascimento do Beato
Francisco Pacheco (1566); da construção da Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte
(1695); da Capela de Santa Abdão e um zeloso Visitador (1750); da Correlhã e as
Invasões Francesas (1809); da extinção do Couto, passando a Correlhã da Casa de
Bragança para o Concelho de Ponte de Lima (1836); e da Correlhã como dona do
seu futuro, 921 anos depois da doação a Santiago.
De realçar a extensa
bibliografia (e créditos das imagens), o que vem a demonstrar a seriedade
intelectual dos autores, onde despontam nomes como Alberto Sampaio, António de
Magalhães, António Brandão (Frei), Adelino Tito de Morais, Alexandra Esteves,
António Carvalho da Costa (Pe.), Carlos de Azeredo (Brigadeiro), Conde de
Bertiandos, Conceição Norberto, Darlindo Oliveira, Figueiredo da Guerra, José
Mattoso, José Rosa Araújo, João Gomes de Abreu, José Augusto Vieira, João Chrysostomo
Correa Guerreiro, José de Sousa Amado, José Manuel Marques, Luiz Cardoso (Pe.),
Miguel Roquedos Reys Lemos, Miguel de Lemos, Manuel Dias (Pe.), Manuel de
Aguiar Barreiros (Cónego), Manuel Inácio Pestana, Pinho Leal e Rui Quintela.
Acresce a recorrência ao Foral de D. Teresa, Ilustração Portuguesa, jornal “O
Commercio do Lima”, “O Grande Livro dos Portugueses” e jornal “Cardeal
Saraiva”.
Terminaremos com uma
citação de Manuel Inácio Pestana: «…comprovação
de que no Couto da Correlhã não havia pessoas vadias, nem mal procedidas, todos
os seus habitantes vivendo do seu trabalho (11.01.1757).» Tal como noutros
tempos, assim se mantem a “trajectória da actuação de uma notável comunidade,
marcada pelos seus desejos, aspirações e anseios” – citamos Fátima Oliveira.
Estamos em crer que sim.
Gostamos, aplaudimos e registamos com apreço!
1 comment:
Gostei muito de ler este livro!
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