«Insignificâncias fazem a perfeição, mas a
perfeição não é uma insignificância…»
Miguel Ângelo
Acompanhamos desde a
primeira hora a “vontade férrea” da Nela Martins Fernandes em passar para o
papel alguns dos seus brados poéticos, sendo que esse acompanhamento se viria a
transformar numa cumplicidade activa, sem dissimulações, onde a palavra “não”
jamais poderia ser pronunciada pela nossa boca. Daí, a “obrigação” por vontade
própria em organizar, prefaciar e apresentar as suas “memórias e afectos” à
janela do seu e nosso mundo. Dissemo-lo que lá estaríamos, com ou sem bateria.
E lá estivemos, incondicionalmente. Isto só foi possível porque através da
susceptibilidade de comunicar sem o auxílio dos meios ordinários de comunicação,
concentração intensa como forma de organizar os corpos astral e mental e de
fazer deles instrumentos para a “consciência em via de desabrochamento
completo”.
Estivemos lá porque,
necessariamente, acreditamos usufruir da faculdade inata para o estado de
vigília. A premonição assim nos o indicava. Tudo mais
estava plasmado no prefácio:
Nela Martins Fernandes
foi nossa companheira de escola, ao tempo em que a partilha do sonho cheirava a
nostalgia. Todos nós sonhávamos acordados porque eramos forjados pela natureza
na sua ordem natural, enquanto matéria-prima, substância permanente e
primordial de todos os seres. O naturismo era o nosso culto, mesmo quando
sabíamos da sua não existência. A personificação e a adoração das grandes
forças ou dos fenómenos assustadores da natureza, aglutinavam-se na nossa
própria natureza do SER, irreverente e/ou rebelde, mas doce e solidário.
Nela Martins Fernandes,
mulher feminina (não feminista) emancipada, musa inspiradora e centro das
atenções do Orpheu do nosso tempo, mesmo não tendo sido mordida por uma picada
de serpente – não morrendo, por isso, como muitas das “Eurídices” do nosso
tempo –, fez-nos descer aos infernos, porque mortos às mãos de mulheres
trácias. Era o tempo em que vivíamos, no dizer de J. Evola, longe do reino da
máquina, da plenitude do materialismo, do enganoso igualitarismo prosperante,
da selvagem concepção economicista da vida, mas, dizemos nós, bem perto do
despertar para um estado superior da consciência.
Nela Martins Fernandes,
de musa inspiradora do nosso tempo de escola, atreve-se à contemporaneidade das
mulheres inspiradas e poetas. «Memórias e
afectos à janela do tempo», marca o início de uma caminhada por caminhos
cruzados, encontros imaginários, mundos e lugares maravilhosos por ela
idealizados, misturando afectos, «levando
ilusões, sonhos, / abraços e beijos, (…)
/ medos e fobias, / esperas eufóricas, / despedidas chorosas, / num vai e vem
de saudade, / risos e lágrimas, / encontros e desencontros, / amores e
desamores…», remexendo baús e abrindo janelas ao estado temporal de saudade
e nostalgia.
Numa escrita simples
mas sentida, Nela Martins esconde-se, por vezes, na expressão alegórica, aquela
a que nos é dado chamar de “metáfora prolongada ou comparação explorada na qual
cada elemento do representante corresponde a um elemento do representado, ideia
ou moral em geral.” – citamos Pierre Riffard. Vejamos o exemplo: «Onde andas? / Que fazes? / Curiosidade, /
afinal que importa? / Há viagens irrepetíveis, / que deixam vazios
indescritíveis, / partindo a alma, / esfarrapando o coração, / vandalizando a
existência. / O diário fala de uma vida: / Fui muda / Fui surda / Fui cega /
Fui tudo que permiti… / Fui farrapo / e escrava do nosso tempo… / Fui o que não
queria: / Morri aos bocados / Temi as ameaças / Aterrorizava-me a chantagem /
Fugia-me a vida… / Sobrevivi à escravidão / Gritei / Levantei a voz / Parti /
SOU EU.» Não é inocente a sua escrita, aparentemente simples, como também
não é ingénua a nossa constatação (firmada) da sua expressão alegórica.
Nela Fernandes não é
uma mulher poeta apocalíptica, nem pretende com este seu brado poético,
transformar-se num apócrifo escatológico. Antes pelo contrário. Afirmando-se
ser daqui, deste mundo, diz não pertencer ao mundo de faz de conta, porque não
dirige falsidades e não entende este mundo de gente abismada: «…Munidos de telemóveis sem destino / Miúdos
perdidos no monte / Pais permissivos e sem autoridade / Não pertenço onde me
ditem as palavras / Nunca pertenci / Não entendo a vida de aparência / Ser
pobre é a minha opção / Ser rica requer-me vassalagem / Sou de outro mundo /
Sou eu / SOU FELIZ.»
Assente no princípio da
sabedoria como um paradoxo, mais palavras nossas serão desnecessárias para nos
vergarmos à constância dos bons sentimentos em Nela Martins Fernandes. Só com
bons sentimentos (mesmo na revolta) se poderá fazer poesia. Natura son facit saltus, porque entre os
mais afastados seres da Natureza há outros intermediários que os relacionam.
Apesar de nos pautarmos
pelo princípio estético de que a biografia de qualquer um de nós está na sua
acção e obra, apenas referiremos que Nela Martins Fernandes nasceu na freguesia
de Deão, concelho e distrito de Viana do Castelo, a 6 de Janeiro de 1955. Fez o
Curso Geral de Administração e Comércio na antiga Escola Industrial e Comercial
de Viana do Castelo, hoje Escola Secundária de Monserrate. Sempre teve o gosto
pela escrita e pela leitura. É uma amante da natureza e do desporto. «Memórias e afectos à janela do tempo» é
o seu primeiro brado (poético) em letra de fôrma.
Parabéns, e venham muitos mais!
(In, Cardeal Saraiva, Ano 107, N.º 4640, 19 de Janeiro de 2017, p. 19 - Ao correr da pena e da mente... [172])
1 comment:
Graças à generosidade e ajuda desinteressada do escritor ..poeta e filósofo Porfírio Silva comecei este caminho da escrita que penso prosseguir. Bem haja por tudo e por tanto que fazes pela escrita.
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