Sunday, March 11, 2018

Imperativos da Memória (I)

Escravos da palavra!…

«Vivemos num tempo em que borboletas voam em bibliotecas; os livros ficam às moscas nos casulos das instituições. Quando o livro perde o seu carácter mágico e passa a ser apenas um aglomerado de folhas e palavras, o mundo perde a dimensão do possível e se afoga na impossibilidade do real...»

André Anacoreta


130.º Aniversário (1888-2018) da fundação da Biblioteca Municipal de Viana do Castelo (16 de Fevereiro) e do nascimento do antropólogo, médico, professor catedrático e autarca António Augusto Esteves Mendes Correia (4 de Abril), acabou por impelir-nos à evocação memorialista, como forma de não desculparmos o insucesso de uma sociedade materialista e a indiferença ao aprumo e autodestruição da nossa identidade cultural. Infelizmente, o sentimento (construtivo) de beleza e inovação das gerações da “Belle Époque” deu lugar à desumanização do ser humano.



Momentos inesquecíveis (que pensamos não serem os últimos), prazerosamente vividos no segundo dia da 19.ª edição (encontro) de «Correntes d'Escritas 2018», lugar, espaço físico e mística, onde acabamos por ficar escravos da palavra. "Acorrentados" aos motes "Escrever é um acaso de circunstância" e "Escrevo para dizer aquilo que não sei", gravitamos pelo contraditório entre o escrever pela circunstância (propriamente dita) e a circunstância do acaso, condimentadas pelo lado emotivo e pela reflexão, conjunto de factores que podem influenciar quem hoje escreve: o contexto da descontinuidade em que vivemos e a fragmentação de diferentes níveis que daí resulta; escrever remetendo-nos para a ideia de "Memória", biológica até, onde a criatividade está na base de qualquer escrita; aprendendo uma fonética que não era de nossa mãe (que nasceu, cresceu, sofreu e morreu sem saber uma única palavra), cujo conhecimento era por via oral, atendendo ao facto que qualquer coisa que um autor escreva é fruto de uma biografia de milhares e milhares de anos; o "mar das tormentas" como ponte para nos deixarmos levar, seguindo até aquilo que está do lado de lá; o saber o que escrevemos, sem termos a verdadeira percepção se, de facto, o chegamos a saber; o lado desarrumado, esquecido, leitor de outras escritas, usando da palavra para compor silêncios, mesmo na biblioteca desarrumada que ficará arrumada depois do homem/escritor morto. Emprestaram-nos as palavras (complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter usado aspas): Alberto S. Santos, Hugo Mezena, Isabel Rio Novo, Carlos Quiroga (moderador), Abraão Vicente, Miguel Real, João Paulo Cotrim, Bento Balói, Filipa Martins, Celso Muianga (moderador), Ana Margarida de Carvalho e Kalaf Epacanga.


      Tudo isto na semana de CORRENTES D'ESCRITAS, lá, e CONTORNOS DA PALAVRA, cá. Lá e cá o mesmo sentimento: A palavra dita, escrita, desenhada, sonhada, assume contornos novos, veste novas roupagens e despe-se de sentidos cristalizados.
        Centro e trinta anos depois, há dias, momentos e memórias assim!


[Imperativos da Memória (I) – Escravos da palavra!... A Aurora do Lima (Viana do Castelo), Ano 163, Número 08, 01 de Março de 2018.]

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