“Os monstros nunca são
totalmente monstros, há alguma coisa de humanidade sempre dentro dessas
pessoas, mesmo dentro daquelas que constroem monstruosidades, como dentro dos
heróis há sempre um lado escuro. As pessoas são isso mesmo. (…) E é sobre isso
que eu também tento reflectir neste livro”
José Eduardo Agualusa
Quando sondamos a nossa própria consciência (onde,
por vezes, tal como nas personagens ficcionadas ou não de Agualusa, também
gravitam monstros e heróis), a propósito da nossa costela de africanidade
angolana – por aí vivermos a nossa infância e juventude, e aí terem nascido
nossos irmãos –, empaticamente recorremos à leitura de Mia Couto (ainda que
moçambicano), Luandino Vieira, Pepetela e José Eduardo Agualusa, sendo que este
último faz o favor de ser nosso amigo há mais de vinte anos, altura em que o
mesmo foi contemplado, por mérito próprio, com o Prémio Revelação Sonangol 1988, tendo como ponto de referência o romance
histórico “A conjura”, um relato dos infaustos acontecimentos que se deram
nessa sua terra (mas também nossa) de S. Paulo da Assunção de Luanda, no dia 16
de Junho de 1911: “Entre 1880 e 1911, na velha cidade de S. Paulo da Assunção
de Luanda, estórias se passaram que a História não guardou. Estórias de amores
e de prodígios; rumores que persistem em antigas canções. Nessa época, de
turbulentos sucessos e mudanças, quando nas ruas de Luanda se cruzavam as
tipóias dos nobres senhores africanos com as quibucas de escravos e os
degredados vindos do Reino se entranhavam pelos matos em busca de fortuna,
nessa época todos os sonhos eram ainda possíveis. A Conjura conta um desses sonhos. Talvez o maior…” – assim se pode
ler na sinopse a este extraordinário e premiado romance, na altura publicado
pela “Caminho”, em 1989. Constituíram então o júri desse prémio: Luandino
Vieira, Gabriela Antunes, Arnaldo Santos, E. Bonavena e José Domingos. A partir
dali, nascia assim um dos nomes mais importantes da nova literatura africana em
língua portuguesa.
De lá para cá José Eduardo Agualusa, através da sua
profícua actividade literária, ajudou-nos a viajar através da história da
língua portuguesa, das suas origens à actualidade, percorrendo os diferentes
territórios aos quais a mesma se vem afeiçoando; até ao âmago de Lídia do Carmo
Ferreira, poetisa e historiadora angolana, misteriosamente desaparecida em
Luanda, em 1992; até à maravilhosa história de amor secreto: a misteriosa
ligação entre o aventureiro português Carlos Fradique Mendes – cuja
correspondência Eça de Queiroz recolheu – e Ana Olímpia Vaz de Caminha, que,
tendo nascido escrava, foi uma das pessoas mais ricas e poderosas de Angola;
até a histórias que não são visíveis mas são visitáveis, através do sonho, do
delírio, da vergonha, da fé, da pele, da memória, do feitiço, etc.; até à
crueldade feminina que fascina os homens; até aos morros do Rio de Janeiro,
local místico onde Zumbi, o mítico herói do Quilombo de Palmares, voltou para o
tomar; até ao candomblé; até ao âmago de Félix Ventura, vendedor de passados
falsos, cujos clientes são prósperos empresários, políticos, generais, enfim, a
emergente burguesia angolana, que lhes falta um bom passado, sendo que o mesmo fabrica-lhes
uma genealogia de luxo, memórias felizes, consegue-lhes os retratos dos
ancestrais ilustres (um retrato similar do Portugal Contemporâneo); até ao
renascimento de África, continente afectado por problemas terríveis, mas
abençoado pelo talento da música, o sempre renovado vigor das mulheres e o
secreto poder de deuses muito antigos; até à mulher que cai do céu durante uma
tempestade tropical; e, finalmente, até à mulher portuguesa que, na Luanda de
1975, aterrorizada com a evolução dos acontecimentos (véspera da
independência), ergue uma parede separando o seu apartamento do resto do
edifício – do resto do mundo: Eu diria
que este livro tem alguma coisa que ver, tem alguma ligação, na minha cabeça
foi sempre assim, com «O Vendedor de Passados». «O Vendedor de Passados» é
sobre identidades, sobre criação de identidades ou construção de identidades. E
este livro tem também a ver com isso, tem a ver com o facto como as pessoas
podem ou não mudar de identidade, escolher ou optar por outras identidades. E
isso passa fatalmente pela memória e também pelo esquecimento. Neste livro há
isso, há isso, há personagens que foram esquecidas, como a personagem
principal, esta Ludovica, e há personagens que buscam o esquecimento como forma
de redenção, então todo o livro joga com isso. Acho que para construir ou para
reconstruir identidades, quase sempre é necessário um esquecimento –
citamos de uma entrevista a este escritor da lusofonia. Nas obras de José
Eduardo Agualusa são recorrentes os temas do colonialismo português e a
exaltação da identidade crioula e do povo angolano. Tem uma relação com o
crioulo muito íntima pois, para ele, esta palavra tem o peso de uma afirmação
de raízes que contém em si todo um projecto de futuro, de possibilidade de
afirmação de valores culturais angolanos e das culturas africanas e colonizadas
em geral. As suas obras estão publicadas em mais de 20 países.
José Eduardo Agualusa
(Alves da Cunha), romancista, contista, poeta e jornalista, com ascendência
portuguesa, angolana e brasileira – e, mesmo dentro de Angola, com raízes em
diferentes regiões –, nasceu na cidade do Huambo, no planalto central de
Angola, em 13 Dezembro 1960. Estudou Agronomia e Silvicultura no Instituto
Superior de Agronomia em Lisboa, mas rapidamente orientou a sua carreira para a
escrita. É membro da União dos Escritores
Angolanos. Como jornalista, em 1993, recebeu o «Prémio de Jornalismo da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa» pela reportagem Lisboa Africana, em colaboração com
Fernando Semedo e Elza Rocha. É casado, pai de dois filhos e divide o seu tempo
entre Luanda, Lisboa e Brasil.
Beneficiou de três
bolsas de criação literária: a primeira, em 1997, do Centro Nacional de Cultura
para escrever Nação Crioula; a
segunda em 2000, da Fundação Oriente, que lhe permitiu visitar Goa durante 3
meses e na sequência da qual escreveu Um
estranho em Goa; e a terceira em 2001, concedida pela instituição alemã
Deutscher Akademischer Austausch Dienst. Graças a esta bolsa viveu um ano em
Berlim, e foi lá que escreveu O ano em
que Zumbi tomou o Rio. É autor dos seguintes livros: A Conjura (romance, 1988), como anteriormente referimos, Prémio
Revelação Sonangol; D. Nicolau
Água-Rosada (contos, 1990); Coração
dos Bosques (poesia, 1991); A Feira
dos Assombrados (novela, 1992); Lisboa
Africana (guia, 1993); Estação das
Chuvas (romance, 1996); Nação Crioula
(romance, 1998), Grande Prémio de Literatura RTP; Fronteiras Perdidas (contos, 1999), Grande Prémio de Conto da Associação
Portuguesa de Escritores (APE); Um
Estranho em Goa (romance, 2000); A
Substância do Amor e Outras Crónicas (contos, 2000); Estranhões e Bizarrocos, com Henrique Cayatte, (infantil, 2000),
Prémio Nacional de Ilustração e Grande Prémio de Literatura para Crianças da
Fundação Calouste Gulbenkian; O Ano Que
Zumbi Tomou o Rio (romance, 2002); O
Homem Que Parecia Um Domingo (contos, 2002); Catálogo de Sombras (contos, 2003); O Vendedor de Passados (romance, 2004), Prémio Independent – Ficção
Estrangeira, em Maio de 2007; Manual
Prático de Levitação (contos, 2005); A
Girafa que Comia Estrelas (infantil, 2005); Passageiros em Trânsito (contos, 2006); O Filho do Vento (infantil, 2006); As Mulheres do Meu Pai (romance, 2007); Nas Rotas das Especiarias (guia, 2008); Barroco Tropical (romance, 2009); Milagrário Pessoal (romance, 2010); Mweti e Omar (infantil, 2011); A
Educação Sentimental dos Pássaros (contos, 2011); Fui para Sul – Os Desenhos de Laurentina (desenhos, 2012); Teoria Geral do Esquecimento (romance,
2012).
Muito mais haveria a dizer deste multifacetado escritor angolano, com
raízes no Alto Minho – dado que seus pais aqui residem –, que à pergunta «Quem
é José Eduardo Agualusa?» responde: «Quem eu sou não ocupa muitas palavras:
angolano em viagem, quase sem raça. Gosto do mar, de um céu em fogo ao fim da
tarde. Nasci nas terras altas. Quero morrer em Benguela, como alternativa pode
ser Olinda, no Nordeste do Brasil». Um autor de referência para quem gosta de
literatura!
1 comment:
É sim! E esteve em Viana, na "nossa" biblioteca!!!
A foto é que podia ser melhor, mas pronto...está gira!
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