Friday, August 03, 2012

«Portugal na hora da verdade: como vencer a crise nacional»: não diz a bota com a perdigota!


“As pessoas não valem por aquilo que escrevem ou dizem, mas por aquilo que são capazes de fazer pelo seu semelhante, no momento oportuno”

F. Serrão

Sempre fomos leitores inveterados de teses científicas, em qualquer vertente da teoria do conhecimento, acreditando – ainda que com algumas reservas – naquilo que os seus autores podem trazer de novo ao pensamento universal. E quando essas teses se apresentam como soluções aos acidentes de percurso das áreas a que se confinam, faz aumentar em nós a “curiosidade especulativa”.
Vem isto a propósito de uma “conceptual” leitura que presentemente fizemos do livro de Álvaro Santos Pereira – actual ministro da economia, mas que na altura era docente da Simon Fraser University (Vancouver, Canadá), onde leccionava Política Económica e Desenvolvimento Económico. Licenciado pela Universidade de Coimbra, doutorou-se em Economia na Simon Fraser University e já leccionou na University of York e também na British Columbia University, local onde permaneceu como professor convidado de Macroeconomia, até entrar para o Governo –, com o título «Portugal na hora da verdade: como vencer a crise nacional», editado pela Editora Gradiva, em 2011. É evidente que não vamos aqui discorrer pelas suas 576 páginas, com o intuito de nos afoitarmos a qualquer tipo de recensão crítica, tendo em conta que alguma da nossa aversão aos meandros da economia contemporânea vem-nos da leitura (por obrigação académica) de Karl Marx – exigindo, por isso, que não nos rotulem de marxistas – e do actualíssimo «O Capital»: “Desde o seu nascimento, os grandes bancos adornados de títulos nacionais eram apenas sociedades de especuladores privados, que se colocavam do lado dos governos e que, graças aos privilégios recebidos, estavam em condições de lhes adiantar dinheiro. Portanto, a acumulação da dívida do Estado não tem nenhuma escala de medida mais infalível do que o sucessivo subir das acções desses bancos, cujo pleno desabrochar data da fundação do Banco de Inglaterra (1694)” – assim podemos ler no vigésimo quarto capítulo, «a chamada acumulação original», que nos adianta ainda que “com as dívidas de Estado surgiu um sistema de crédito internacional”. Olvidar tal argumentação é alimentarmo-nos pela ignorância dos factos tão reais, como à época o diria Karl Marx, no mesmo vigésimo quarto capítulo d’«O Capital»: “Esta expropriação [logo que os operários foram transformados em proletários] completa-se pelo jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Um capitalista mata sempre muitos. De braço dado com esta centralização ou com esta expropriação de muitos capitalistas por poucos (…)”. Pena é que se pretenda ignorar esta triste realidade tão actual, preconizada – em termos de pensamento – há cerca de século e meio, mais concretamente em 1867, altura da primeira edição desta mesma valiosíssima obra (infelizmente inacabada), que uns poucos, erradamente, transformaram em mera corrente ideológica.
Mas, vamos à realidade actual, “pela pena e pela mente” de Álvaro Santos Pereira – aquele que após tomar posse como ministro, e contrariando os apelativos dos defensores dos prefixos (pão quentinho a sair do forno de Miguel Relvas), aconselhou a que o chamassem de Álvaro, sem o doutor (aplaudimos de pé) – que ao longo do livro «Portugal na hora da verdade: como vencer a crise nacional» procura mostrar que Portugal vive hoje três grandes crises: a crise das finanças públicas, a crise da competitividade e do crescimento e a crise do endividamento externo. Entre as questões debatidas, incluem-se as seguintes: qual é o verdadeiro estado das nossas finanças públicas? Porque é que o nosso Estado gasta tanto? Quantos institutos e outras entidades públicas existem e quanto gastam? E porque estamos tão endividados? Será a dívida nacional sustentável? Quão grave é o problema de competitividade das nossas exportações? – questões e interrogações pertinentes, reforçadas pelo facto de ele mesmo sublinhar ao longo da mesma “dissertação” que havia fortes indícios de que o nosso Estado estava a matar a economia nacional, afirmando mesmo que os funcionários públicos não eram responsáveis por esta situação: “Uma verdadeira reforma do Estado que torne as nossas contas públicas saudáveis e sustentáveis não deve ser feita contra os funcionários públicos ou contra o serviço público. Muito pelo contrário. Uma verdadeira reforma da administração pública terá de melhorar o serviço público, não piorá-lo. Uma verdadeira reforma da função pública terá de aumentar o prestígio do emprego público, não diminuí-lo. Uma verdadeira reforma do Estado terá de incentivar a auto-estima dos funcionários públicos e fazer com que sejam eles próprios a estimular a mudança de que a nossa administração pública necessita”.
A propósito deste livro de Álvaro Santos Pereira, diria a crítica na altura que «Portugal na hora da verdade: como vencer a crise nacional» estava “pensado também para o leitor sem formação em economia, «Portugal na Hora da Verdade» responde a estas e outras questões numa linguagem acessível e clara, apresentando novos dados e uma interpretação mais abrangente da crise nacional, seguidos de soluções concretas para os problemas económicos do país. É, portanto, um livro fundamental para compreender as dificuldades actuais e pensar em saídas possíveis para a crise nacional”. E se na altura achávamos ter percebido a denominada linguagem acessível e clara, depressa constatamos, ao tomarmo-nos pela conjuntura presente de o visionarmos como ministro da economia, que bem pregava o “Frei Tomás”: “Finalmente, uma verdadeira e duradoura reforma do nosso Estado não poderá encarar a necessária dieta da administração pública como uma mera poupança de euros e de despesa pública, mas sim como uma oportunidade única para melhorar a eficiência do Estado e, assim, simplificar e auxiliar a vida dos portugueses. É neste sentido que uma reforma da administração pública tem de ser feita com os funcionários públicos e não contra eles” (Pereira, 2011: 511). E diz porquê: “Porque toda e qualquer reforma que seja contra os funcionários públicos está condenada ao fracasso (…)” –  ou ainda – “A culpa do descalabro das finanças públicas nacionais não é dos funcionários públicos, é dos governos”. Teorização tão “clara e acessível”, acaba por nos deixar estupefactos perante aos efeitos práticos de quem vincularia tais afirmações, num sugestivo capítulo da denominada “dissertação”, com o título “políticas para retomar o sucesso”. É caso para dizer-se, face ao descalabro das finanças públicas e subsequente asfixia da função pública (quiçá acabando com a classe média), que “a bota não diz com a perdigota”… ou, infelizmente, o ministro encontra-se manietado pela incompetência de terceiros e, quiçá, interesses instalados.
      Terminaremos, sugestionados pelo pensamento de Armand-Jean du Plessis (1585-1642), o conturbado e polémico Cardeal-duque de Richelieu, no seu «Testamento Político», hoje com novos protagonistas, mas com os mesmos princípios: “O aumento dos impostos é capaz de reduzir ao ócio um grande número de súbditos do Rei, sendo certo que a maior parte do povo pobre e dos artesãos empregados nas manufacturas preferirão ficar ociosos e de braços cruzados a conformar-se toda a vida a um trabalho ingrato e inútil, se a grandeza dos impostos, impedindo a venda dos frutos da terra e das produções, os impedir também, por essa via, de receber o do suor do seu corpo”. Por concordarmos com provérbio latino «Asinus asinum fricat», ficamo-nos por aqui, sem que antes, e em face à conjuntura presente, albarde-se o burro à vontade do dono!

No comments: