“As pessoas não valem por
aquilo que escrevem ou dizem, mas por aquilo que são capazes de fazer pelo seu
semelhante, no momento oportuno”
F. Serrão
Sempre fomos leitores inveterados
de teses científicas, em qualquer vertente da teoria do conhecimento, acreditando
– ainda que com algumas reservas – naquilo que os seus autores podem trazer de
novo ao pensamento universal. E quando essas teses se apresentam como soluções
aos acidentes de percurso das áreas a que se confinam, faz aumentar em nós a “curiosidade
especulativa”.
Vem isto a propósito de
uma “conceptual” leitura que presentemente fizemos do livro de Álvaro Santos
Pereira – actual ministro da economia, mas que na altura era docente da Simon
Fraser University (Vancouver, Canadá), onde leccionava Política Económica e
Desenvolvimento Económico. Licenciado pela Universidade de Coimbra, doutorou-se
em Economia na Simon Fraser University e já leccionou na University of York e
também na British Columbia University, local onde permaneceu como professor
convidado de Macroeconomia, até entrar para o Governo –, com o título «Portugal na hora da verdade: como vencer a
crise nacional», editado pela Editora Gradiva, em 2011. É evidente que não
vamos aqui discorrer pelas suas 576 páginas, com o intuito de nos afoitarmos a qualquer
tipo de recensão crítica, tendo em conta que alguma da nossa aversão aos
meandros da economia contemporânea vem-nos da leitura (por obrigação académica)
de Karl Marx – exigindo, por isso, que não nos rotulem de marxistas – e do
actualíssimo «O Capital»: “Desde o seu nascimento, os grandes bancos adornados
de títulos nacionais eram apenas sociedades de especuladores privados, que se
colocavam do lado dos governos e que, graças aos privilégios recebidos, estavam
em condições de lhes adiantar dinheiro. Portanto, a acumulação da dívida do
Estado não tem nenhuma escala de medida mais infalível do que o sucessivo subir
das acções desses bancos, cujo pleno desabrochar data da fundação do Banco de
Inglaterra (1694)” – assim podemos ler no vigésimo quarto capítulo, «a chamada acumulação original», que nos
adianta ainda que “com as dívidas de Estado surgiu um sistema de crédito
internacional”. Olvidar tal argumentação é alimentarmo-nos pela ignorância dos
factos tão reais, como à época o diria Karl Marx, no mesmo vigésimo quarto
capítulo d’«O Capital»: “Esta expropriação [logo que os operários foram
transformados em proletários] completa-se pelo jogo das leis imanentes da
própria produção capitalista, pela centralização dos capitais. Um capitalista
mata sempre muitos. De braço dado com esta centralização ou com esta
expropriação de muitos capitalistas por poucos (…)”. Pena é que se pretenda
ignorar esta triste realidade tão actual, preconizada – em termos de pensamento
– há cerca de século e meio, mais concretamente em 1867, altura da primeira
edição desta mesma valiosíssima obra (infelizmente inacabada), que uns poucos,
erradamente, transformaram em mera corrente ideológica.
Mas, vamos à realidade
actual, “pela pena e pela mente” de Álvaro Santos Pereira – aquele que após
tomar posse como ministro, e contrariando os apelativos dos defensores dos
prefixos (pão quentinho a sair do forno de Miguel Relvas), aconselhou a que o
chamassem de Álvaro, sem o doutor (aplaudimos de pé) – que ao longo do livro «Portugal na hora da verdade: como vencer a
crise nacional» procura mostrar que Portugal vive hoje três grandes crises:
a crise das finanças públicas, a crise da competitividade e do crescimento e a
crise do endividamento externo. Entre as questões debatidas, incluem-se as
seguintes: qual é o verdadeiro estado das nossas finanças públicas? Porque é
que o nosso Estado gasta tanto? Quantos institutos e outras entidades públicas
existem e quanto gastam? E porque estamos tão endividados? Será a dívida
nacional sustentável? Quão grave é o problema de competitividade das nossas
exportações? – questões e interrogações pertinentes, reforçadas pelo facto de
ele mesmo sublinhar ao longo da mesma “dissertação” que havia fortes indícios
de que o nosso Estado estava a matar a economia nacional, afirmando mesmo que
os funcionários públicos não eram responsáveis por esta situação: “Uma
verdadeira reforma do Estado que torne as nossas contas públicas saudáveis e
sustentáveis não deve ser feita contra os funcionários públicos ou contra o
serviço público. Muito pelo contrário. Uma verdadeira reforma da administração
pública terá de melhorar o serviço público, não piorá-lo. Uma verdadeira
reforma da função pública terá de aumentar o prestígio do emprego público, não
diminuí-lo. Uma verdadeira reforma do Estado terá de incentivar a auto-estima
dos funcionários públicos e fazer com que sejam eles próprios a estimular a
mudança de que a nossa administração pública necessita”.
A propósito deste livro
de Álvaro Santos Pereira, diria a crítica na altura que «Portugal na hora da verdade: como vencer a crise nacional» estava
“pensado também para o leitor sem formação em economia, «Portugal na Hora da
Verdade» responde a estas e outras questões numa linguagem acessível e clara,
apresentando novos dados e uma interpretação mais abrangente da crise nacional,
seguidos de soluções concretas para os problemas económicos do país. É,
portanto, um livro fundamental para compreender as dificuldades actuais e
pensar em saídas possíveis para a crise nacional”. E se na altura achávamos ter
percebido a denominada linguagem acessível e clara, depressa constatamos, ao
tomarmo-nos pela conjuntura presente de o visionarmos como ministro da
economia, que bem pregava o “Frei Tomás”: “Finalmente, uma verdadeira e
duradoura reforma do nosso Estado não poderá encarar a necessária dieta da
administração pública como uma mera poupança de euros e de despesa pública, mas
sim como uma oportunidade única para melhorar a eficiência do Estado e, assim,
simplificar e auxiliar a vida dos portugueses. É neste sentido que uma reforma
da administração pública tem de ser feita com os funcionários públicos e não
contra eles” (Pereira, 2011: 511). E diz porquê: “Porque toda e qualquer
reforma que seja contra os funcionários públicos está condenada ao fracasso
(…)” – ou ainda – “A culpa do descalabro
das finanças públicas nacionais não é dos funcionários públicos, é dos
governos”. Teorização tão “clara e acessível”, acaba por nos deixar
estupefactos perante aos efeitos práticos de quem vincularia tais afirmações,
num sugestivo capítulo da denominada “dissertação”, com o título “políticas
para retomar o sucesso”. É caso para dizer-se, face ao descalabro das finanças
públicas e subsequente asfixia da função pública (quiçá acabando com a classe
média), que “a bota não diz com a perdigota”… ou, infelizmente, o ministro
encontra-se manietado pela incompetência de terceiros e, quiçá, interesses instalados.
Terminaremos,
sugestionados pelo pensamento de Armand-Jean du Plessis (1585-1642), o
conturbado e polémico Cardeal-duque de Richelieu,
no seu «Testamento Político», hoje com novos protagonistas, mas com os mesmos
princípios: “O aumento dos impostos é capaz de reduzir ao ócio um grande número
de súbditos do Rei, sendo certo que a maior parte do povo pobre e dos artesãos
empregados nas manufacturas preferirão ficar ociosos e de braços cruzados a
conformar-se toda a vida a um trabalho ingrato e inútil, se a grandeza dos
impostos, impedindo a venda dos frutos da terra e das produções, os impedir
também, por essa via, de receber o do suor do seu corpo”. Por concordarmos com
provérbio latino «Asinus asinum fricat»,
ficamo-nos por aqui, sem que antes, e em face à conjuntura presente, albarde-se
o burro à vontade do dono!
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