Friday, June 06, 2014

Álvaro de Oliveira publica “Murmúrio Íntimo”!...

“Se ontem disse que os meus livros eram os meus pecados de quase nada; hoje sinto que os meus livros são os meus pedaços de quase tudo”.

Álvaro de Oliveira

«Atravessando um Fevereiro quente, daqueles que o adágio diz trazer o diabo no ventre, dou comigo por arrumos na biblioteca entre livros e pastas de arquivo sem medir as consequências que possam advir deste Inverno sem chuva a causar medos de nefasta seca» – assim começa o justificativo de “causa-efeito”, para o aparecimento do MURMÚRIO ÍNTIMO de Álvaro de Oliveira, numa edição da Calígrafo – sonho concretizado na partilha com os outros do bom amigo Fernando Pinheiro –, partilhado pela afirmação de serem, segundo o autor, «coisas nossas, passagens do dia-a-dia, memórias, fragmentos de paixões e descontentamentos. Tudo resultado de um tempo que decido agora registar em livro (…), sem critérios de selecção, sem ordem cronológica, aleatoriamente e sem data de publicação. Por aqui se registam e perfilam os nomes de muitos companheiros de jornadas, homens e mulheres das artes e das letras a quem presto justa homenagem», como se houvesse necessidade de explicação para intemporalidade dos bons escritores, como será o caso do Álvaro de Oliveira: «O meu espaço é, por necessidade e gosto, este cantinho que um dia elegi para, letra a letra, dar corpo a uma pertinente e quase indomável escrita» – citamos da “p(r)oética” em Álvaro de Oliveira, qual murmúrio inicial o levaria a descobrir que o dilema da escrita era forçosamente permanecer na ausência e adormecer com o silêncio: «Por vezes nenhum silêncio nos magoa, nenhum olhar de aceno nos comove, parece até que nenhuma palavra nos aquece a alma». Só uma alma poética como a de Álvaro de Oliveira poderá dizer que «Só o silêncio, noite fora, me permite trabalhar sem incorrer naquela distracção que às vezes me perturba o raciocínio», preferindo «atravessar a noite à espera de qualquer coisa… Talvez uma frase, um verso, um poema com que possa expressar uma ideia de luz amarela que ilumina esta mesa, a vontade sem vontade, um rio seco, uma árvore sem ramos, sem folhas…». Felizmente que, para nós, Álvaro de Oliveira é daqueles escritores que não se cala, escrevendo até ao último escoar dos dias. Mais que não seja, em homenagem aos homens e mulheres que morreram pela liberdade de expressão e pensamento, repetidamente presentes em conjunturas similares: «Portanto, fechados nesta redoma e tangidos por leis laborais que nos remetem para a penúria do recibo verde e outras precariedades, sem poder sequer dar um pio, depressa nos encontramos manietados sobre nós próprios, gerindo conflitos e desconcertos e, espantados, a atirar um olhar patético para famigerados prumos contabilísticos e demais indicadores que dão nota pesada sobre a inacreditável soma de 3 milhões de portugueses que se viram forçados, como noutro tempo assim aconteceu, a abandonar o seu país e procurar, lá fora, um novo rumo para dar à vida».

Mesa de apresentação: Fernando Pinheiro (Editor), Álvaro de Oliveira (Autor) e Porfírio Silva (Apresentador)

Falar de «Murmúrio Íntimo», o que nos levará ao atrevimento de o conjugar no plural, tendo em conta a harmonia do todo na partilha do olhar poético, observador – sim, um bom escritor tem que ser, forçosamente, um bom observador –, aquele olhar poético «ligado às origens e às causas, atravessar as sombras que passam rente aos gestos que nos falam da intimidade dos frutos» e dos outros, aqueles em que muitas vezes «os guardas do poder» espancam violentamente os trabalhadores e os melhores filhos do povo do nosso país, levando-o e/ou levando-nos à revolta, com aquele «olhar íntimo» dos rostos que ainda nos acompanham, quase como um «menino perdido na noite, embrulhado no calor das palavras», esquecido de si, deixando-se seduzir pelo silêncio a ouvir a melodia de infância.


Há um olhar atento de Álvaro de Oliveira: na música, qual «harmonia musical de todas as palavras, na linha exacta dos valores que fundem estas duas chamas vivas (noite e solidão) a legendar o adro da nossa memória, como ainda tenho o privilégio de encontrar tanta coragem, tanta lucidez e tanta inteligência!»; na literatura; nas artes; no morder do tempo; na voz do sonho, mesmo quando em voos mágicos de infância se deixa andar muito próximo do ritmo do andar da sua Professora de português, provando assim «pelo cálice da amargura o silêncio destes dias inacabados» e sem esquecer, por uma vez que fosse, «a voz doce da (sua) Professora de português» quando lhe lia um poema de Fernando Pessoa; no sopro da razão, «a enferma sedução de viver num mar de ausências quando deixámos de ser nós e mergulhamos no mais arreliador de todos os silêncios», descobrindo-o na exaltação ao pôr-do-sol «mais envolvente que chama para este lugar sossegado homens das ciências, das artes e das letras, que atira convites para uma soberba fruição da natureza e que se expõe na grande mesa onde o cardápio mostra sabores desconhecidos»; no caminhar sobre si mesmo, questionando abismos que nos roubarão o pensamento; na difícil travessia para nos libertar de outros medos e de outras loucuras; no interrogar os senhores do poder: – Afinal, se viveis tão bem instalados, cheios de ouro e de prata, e rodeados de tanta beleza e tanta maravilha, qual a razão para fazeres a guerra e com ela destruíres centenas de cidades e milhões de seres humanos?; no sorver do ar frio, pensando «na transcendência que ditou este arrefecido anoitecer, nos instantes que sempre lhes inspiraram o sonho e nos dias que lhes [ou nos] serviram de berço»; na transfiguração da velha cidade; no sonhar acordado, lembrando-se dos dias que hão-de vir, mas vivendo «o sonho de uma história real onde o homem possa viver com dignidade»; na Semana Santa – mais doces e menos Páscoa, mais foguetes e menos solidariedade, mais crendice e menos fé, mais crucificados e menos ressurreição –, contrastando com as poéticas manhãs floridas de Abril, «este cheirinho à flor da laranjeira e este sol a cair a pique nas nossas mãos libertas para a vida», e onde haverá tempo para reflectirmos sobre quem somos, o que somos e o que fazemos; no declinar do exercício à reflexão, quando recusamos o desafio à consciência, continuando «a fazer do dia-a-dia o inferno onde o nosso próximo se derrete nas chamas do desprezo e do abandono; na Poesia onde, e citando Assis Brasil, se manifesta a criatividade do homem, sendo que o poema é apenas um mero objecto onde ela se realiza; na relação de “nós com os outros”, viajando «pelos caminhos da amizade, recuar uns tantos anos e fruir momentos vividos desse inesquecível tempo da tertúlia, das reuniões, dos debates à mesa do café, às vezes em almoços, abordando a temática literária», parando, «não só para reparar a vida, mas para dar à vida aquilo que ela [dele] mais pode esperar: um poema…»; no escrever para não morrer, habitando o interior das palavras rudes e incómodas, sendo indomável e insubmisso; no cirúrgico desabafo de «na infância tolhiam-nos a esperança, a razão e o sonho; na juventude amordaçavam-nos as palavras e atiravam-nos para uma guerra que era a guerra dos grandes interesses…», etc., etc… Riquíssimo e complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter usado aspas, visto que extraído da inspiração deste nosso extraordinário poeta e escritor, Álvaro de Oliveira.
           Nota máxima!

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