“Acabamos
de distinguir a língua e a palavra por meio dos sistemas temporais
aos quais cada um pertence. Ora, também o mito se define por um sistema
temporal que combina as propriedades dos dois outros”.
Claude Lévi-Strauss
Claude Lévi-Strauss,
antropólogo, professor e filósofo francês, considerado o fundador da
Antropologia Estruturalista e um dos grandes intelectuais do século XX, nasceu
em Bruxelas a 28 de Novembro de 1908 e faleceu em Paris a 30 de Outubro de
2009, a cerca de um mês de completar cento e um anos de idade. Efectuou os seus
estudos superiores em Paris (Sorbonne), onde concluiu a licenciatura em
Filosofia (1931), depois a agregação e, mais tarde, o doutoramento em Letras
(1948), com a tese sobre as estruturas de parentesco. Ainda, em Sorbonne,
chegou a frequentar Direito, mas não viria a concluir. Em 1959, Lévi-Strauss
foi nomeado para a cadeira de Antropologia Social do Collège de France e, por
volta desse período – mais concretamente, em 1958 –, publicou Antropologia
estrutural, uma colecção de ensaios em que oferece tanto exemplos como
manifestos programáticos do estruturalismo. Começou a organizar uma série de
instituições e confrontos entre as visões existencialista e estruturalista.
Para Catherine Clément,
por exemplo, ninguém mais do que Lévi-Strauss terá combatido a ideia de
dialéctica e o sentido da História. Este episódio começa com Sartre, cujo rigor
nas descrições das experiências sociais era apreciado por Lévi-Strauss. Só que,
para o mesmo antropólogo, Sartre definia o homem pela dialéctica, e a
dialéctica pela História e não tem
dificuldade em demonstrar que a História é, para Sartre, uma mística ou um
mito, que funciona segundo a imagem de um sentido linear ao longo do qual se
dispõem os acontecimentos. Como qualquer ciência, a História necessita de um
código, que é a cronologia (Clément, 2004: 101).
Segundo Lévi-Strauss,
mais de meio século se passou desde que Hauser e Simiand expuseram e opuseram
as diferenças entre a história e a sociologia, que se prendiam essencialmente
com o carácter comparativo do método sociológico, monográfico e funcional do
método histórico. Hauser e Simiand apenas divergiam acerca do valor respectivo
de cada método. E se, por um lado, a história ateve-se ao – ainda que modesto e
lúcido – programa proposto e desenvolveu-se, por outro, a sociologia,
desenvolveu-se sem consenso de método: Do ponto de vista da história, os
problemas de princípio e de método parecem definitivamente resolvidos. Quanto à sociologia, o problema é diferente:
não se poderia dizer que ela não se desenvolveu; aqueles de seus ramos dos
quais nos ocuparemos mais particularmente aqui, a etnografia e a etnologia,
desabrocharam, no curso dos últimos [quarenta] anos, numa prodigiosa floração de estudos teóricos e descritivos, mas a
custa de conflitos, discórdias e confusões onde se reconhece, transporto ao
próprio seio da etnologia, o debate tradicional – e quão mais simples sob esta
forma – que parecia opor a etnologia em seu conjunto uma outra disciplina, a
história, igualmente considerada em seu conjunto (Lévi-Strauss, 2003:
13-14). Deste modo, enquanto a etnografia nos aparece assim como a observação e
análise de grupos humanos considerados na sua particularidade, visando a
reconstituição, tanto fiel quanto possível, da vida de cada um deles, a
etnologia utiliza de modo comparativo os documentos apresentados pelo
etnógrafo. Para Lévi-Strauss, com estas definições, a etnografia toma o mesmo
sentido em todos os países; e a etnologia corresponde aproximadamente ao que se
entende, nos países anglo-saxões, por antropologia social e cultural: a antropologia social consagrando-se
sobretudo ao estudo das instituições consideradas como sistemas de
representações, e a antropologia cultural ao estudo das técnicas, e,
eventualmente, também das instituições consideradas como técnica ao serviço da
vida social (Lévi-Strauss, 2003: 14-15). Posto o problema das relações
entre as ciências etnológicas e a história, as mesmas ciências se vinculam à
dimensão diacrónica dos fenómenos, ou seja, à sua ordem no tempo, tornando-se
incapazes de traçar-lhes a história; ou, por outro lado, procuram trabalhar à
maneira do historiador, e a dimensão do tempo lhes escapa. Para Lévi-Strauss, pretender reconstituir um passado do qual se
é impotente para atingir a história, ou querer fazer a história de um presente
sem passado, drama da etnologia num caso, da etnografia no outro, tal é, em
todo caso, o dilema no qual o desenvolvimento delas, ao longo dos últimos
cinquenta anos, pareceu muito frequentemente colocá-las (Lévi-Strauss,
2003: 15).
Uma questão se coloca:
que diferenças há, efectivamente, entre o método da etnografia e o da história?
Ambos estudam sociedades que são outras que não aquela onde vivemos. E, pelo
facto de existir o melhor estudo etnográfico nunca transformará o leitor em
indígena. Por isso, e segundo Lévi-Strauss, o paralelismo metodológico que se
pretende traçar entre etnografia e história, para se oporem, é ilusório. Em
suma, a história organiza os seus dados em relação às expressões conscientes, a
etnologia em relação às condições inconscientes da vida social. Assim, a
etnologia não pode permanecer indiferente aos processos históricos e às
expressões mais altamente conscientes dos fenómenos sociais. Daí, ser inexacto
dizer-se que, no caminho do conhecimento
do homem que vai do estudo dos conteúdos conscientes ao das formas
inconscientes, o historiador e o etnólogo caminham em direcções inversas: ambos
se dirigem no mesmo sentido (Lévi-Strauss, 2003: 40).
Bom seria que todos os historiadores, etnógrafos ou etnólogos locais
tivessem consciência disso. Talvez com um pouco mais de leitura e de seriedade
intelectual, não se cometessem tantos erros de interpretação. Mas, pior ainda é
o permanente ou sistemático plágio, irritantemente repetitivo!
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