Friday, June 27, 2014

História e etnologia em Claude Lévi-Strauss!...

“Acabamos de distinguir a língua e a palavra por meio dos sistemas temporais aos quais cada um pertence. Ora, também o mito se define por um sistema temporal que combina as propriedades dos dois outros”.

Claude Lévi-Strauss

Claude Lévi-Strauss, antropólogo, professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista e um dos grandes intelectuais do século XX, nasceu em Bruxelas a 28 de Novembro de 1908 e faleceu em Paris a 30 de Outubro de 2009, a cerca de um mês de completar cento e um anos de idade. Efectuou os seus estudos superiores em Paris (Sorbonne), onde concluiu a licenciatura em Filosofia (1931), depois a agregação e, mais tarde, o doutoramento em Letras (1948), com a tese sobre as estruturas de parentesco. Ainda, em Sorbonne, chegou a frequentar Direito, mas não viria a concluir. Em 1959, Lévi-Strauss foi nomeado para a cadeira de Antropologia Social do Collège de France e, por volta desse período – mais concretamente, em 1958 –, publicou Antropologia estrutural, uma colecção de ensaios em que oferece tanto exemplos como manifestos programáticos do estruturalismo. Começou a organizar uma série de instituições e confrontos entre as visões existencialista e estruturalista.
Para Catherine Clément, por exemplo, ninguém mais do que Lévi-Strauss terá combatido a ideia de dialéctica e o sentido da História. Este episódio começa com Sartre, cujo rigor nas descrições das experiências sociais era apreciado por Lévi-Strauss. Só que, para o mesmo antropólogo, Sartre definia o homem pela dialéctica, e a dialéctica pela História e não tem dificuldade em demonstrar que a História é, para Sartre, uma mística ou um mito, que funciona segundo a imagem de um sentido linear ao longo do qual se dispõem os acontecimentos. Como qualquer ciência, a História necessita de um código, que é a cronologia (Clément, 2004: 101).


Segundo Lévi-Strauss, mais de meio século se passou desde que Hauser e Simiand expuseram e opuseram as diferenças entre a história e a sociologia, que se prendiam essencialmente com o carácter comparativo do método sociológico, monográfico e funcional do método histórico. Hauser e Simiand apenas divergiam acerca do valor respectivo de cada método. E se, por um lado, a história ateve-se ao – ainda que modesto e lúcido – programa proposto e desenvolveu-se, por outro, a sociologia, desenvolveu-se sem consenso de método: Do ponto de vista da história, os problemas de princípio e de método parecem definitivamente resolvidos. Quanto à sociologia, o problema é diferente: não se poderia dizer que ela não se desenvolveu; aqueles de seus ramos dos quais nos ocuparemos mais particularmente aqui, a etnografia e a etnologia, desabrocharam, no curso dos últimos [quarenta] anos, numa prodigiosa floração de estudos teóricos e descritivos, mas a custa de conflitos, discórdias e confusões onde se reconhece, transporto ao próprio seio da etnologia, o debate tradicional – e quão mais simples sob esta forma – que parecia opor a etnologia em seu conjunto uma outra disciplina, a história, igualmente considerada em seu conjunto (Lévi-Strauss, 2003: 13-14). Deste modo, enquanto a etnografia nos aparece assim como a observação e análise de grupos humanos considerados na sua particularidade, visando a reconstituição, tanto fiel quanto possível, da vida de cada um deles, a etnologia utiliza de modo comparativo os documentos apresentados pelo etnógrafo. Para Lévi-Strauss, com estas definições, a etnografia toma o mesmo sentido em todos os países; e a etnologia corresponde aproximadamente ao que se entende, nos países anglo-saxões, por antropologia social e cultural: a antropologia social consagrando-se sobretudo ao estudo das instituições consideradas como sistemas de representações, e a antropologia cultural ao estudo das técnicas, e, eventualmente, também das instituições consideradas como técnica ao serviço da vida social (Lévi-Strauss, 2003: 14-15). Posto o problema das relações entre as ciências etnológicas e a história, as mesmas ciências se vinculam à dimensão diacrónica dos fenómenos, ou seja, à sua ordem no tempo, tornando-se incapazes de traçar-lhes a história; ou, por outro lado, procuram trabalhar à maneira do historiador, e a dimensão do tempo lhes escapa. Para Lévi-Strauss, pretender reconstituir um passado do qual se é impotente para atingir a história, ou querer fazer a história de um presente sem passado, drama da etnologia num caso, da etnografia no outro, tal é, em todo caso, o dilema no qual o desenvolvimento delas, ao longo dos últimos cinquenta anos, pareceu muito frequentemente colocá-las (Lévi-Strauss, 2003: 15).
Uma questão se coloca: que diferenças há, efectivamente, entre o método da etnografia e o da história? Ambos estudam sociedades que são outras que não aquela onde vivemos. E, pelo facto de existir o melhor estudo etnográfico nunca transformará o leitor em indígena. Por isso, e segundo Lévi-Strauss, o paralelismo metodológico que se pretende traçar entre etnografia e história, para se oporem, é ilusório. Em suma, a história organiza os seus dados em relação às expressões conscientes, a etnologia em relação às condições inconscientes da vida social. Assim, a etnologia não pode permanecer indiferente aos processos históricos e às expressões mais altamente conscientes dos fenómenos sociais. Daí, ser inexacto dizer-se que, no caminho do conhecimento do homem que vai do estudo dos conteúdos conscientes ao das formas inconscientes, o historiador e o etnólogo caminham em direcções inversas: ambos se dirigem no mesmo sentido (Lévi-Strauss, 2003: 40).
       Bom seria que todos os historiadores, etnógrafos ou etnólogos locais tivessem consciência disso. Talvez com um pouco mais de leitura e de seriedade intelectual, não se cometessem tantos erros de interpretação. Mas, pior ainda é o permanente ou sistemático plágio, irritantemente repetitivo!

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