“Uma
vez que a liberdade de acção é a liberdade de fazer aquilo que queremos fazer,
o livre arbítrio é a liberdade de querer o que queremos querer”.
Susan Wolf
O conceito de Livre Arbítrio
ou Liberdade, apesar da sua complexidade, é sempre um tema que nos induz à
possibilidade de autodeterminação e de escolha. Mas, se tomarmos em conta essa
mesma complexidade – considerada em si e na sua própria história –, logo
constataremos dificuldades de vária ordem. Tendo em vista o lado do sujeito,
entendê-la-emos como, já atrás referimos, possibilidade de autodeterminação e
de escolha, acto voluntário,
espontaneidade, indeterminação, ausência de interferência, liberdade de
impedimentos, realização de necessidades, direcção prática para uma meta,
propriedade de todos ou alguns actos psicológicos, ideal de maturidade,
autonomia sapiencial e ética, razão de ser da própria moralidade – citamos
Joaquim de Sousa Teixeira. No entanto, pelo lado do objecto, o conceito de
Liberdade apresenta-se-nos privada ou pessoal, pública, política, moral e
social. Isto se tivermos em conta a liberdade de acção, de ideias, de
pensamento, de circulação, de comércio, de palavra, de culto, de associação,
etc. Com estas e outras designações, a Liberdade prende-se, entre outros, com
os conceitos de livre arbítrio, razão, acto, autonomia, vontade, “boa vontade”,
consciência moral, dever, determinação, determinismo, indeterminismo,
indiferença, compatibilismo e incompatibilismo, responsabilidade moral, etc.
No seu carácter
histórico e/ou antropológico, a Liberdade pode aplicar-se analogicamente ao
mundo animal. Contudo, dada a vida animal não passar de uma sucessão de
comportamentos (reage), e só a vida humana se apresentar como actividade
ritmada (age), a ideia de Liberdade só ganha significado quando aplicada ao
homem. A propósito de tudo isto – e tendo em conta a diferença entre o agir e o
reagir –, Joaquim de Sousa Teixeira, alega que muitas são as questões
antropológicas que se colocam: Foi o
homem sempre livre? Quando e por que é que se deu o «salto» para a
racionalidade e liberdade fundamentais como hoje as entendemos? Na caminhada
ascensional da Humanidade para a Liberdade, como é que se interligam os
fenómenos mutantes fisiológicos e ambientais? Assim, e tendo em conta este
raciocínio, tornar-se-á impossível falar de humanidade sem uma racionalidade e
liberdade radicais. Por isso é que, nos tempos que correm, e ainda segundo
Joaquim de Sousa Teixeira, “a liberdade na sua essência e como valor, sobretudo
pelas necessárias implicações metafísicas que acarreta, não pode ser abordada
por métodos positivos de verificação”.
Apesar de já
Aristóteles ter admitido que todos os «seres físicos» têm uma espontaneidade
real, pois contêm em si o princípio dos seus actos, sem o pressuposto da
racionalidade não se pode falar de vontade e de liberdade, mas de impulso ou
apetite animal e de espontaneidade decorrente de uma natureza. Abordando o
conceito de liberdade pelo lado da racionalidade, facilmente seremos levados a
afirmações como a de que o homem é tanto mais livre quanto mais responsável
for. Esta e outra afirmações desta natureza – e tal como afirmara São Tomás de
Aquino: “a raiz última da Liberdade é a razão”, só fazem sentido quando
pertencentes ao plano ético, moral e mesmo político.
Até chegarmos à
contemporaneidade, muitos foram os que se debruçaram sobre o conceito de
Liberdade e de que são exemplo, entre outros, Santo Agostinho; René Descartes –
Se eu conhecesse sempre o que é
verdadeiro e bom, … seria inteiramente livre, sem ser, jamais, indiferente;
Leibniz – Qualquer substância tem
perfeita espontaneidade, que se torna liberdade nas substâncias inteligentes;
Espinosa; Auguste Comte – A verdadeira
liberdade consiste em fazer prevalecer as boas inclinações sobre as más;
Immanuel Kant; Henri Bergson; Jean-Paul Sartre – A liberdade não tem essência; ao contrário, é ela que constitui a base
de todas as essências. A liberdade apresenta-se-nos, assim, tão difícil de
definir, constituindo no entanto, para cada um de nós uma experiência e/ou uma
representação tão familiar quanto indiscutível.
Se tomarmos em linha de
conta que ser livre, por exemplo, significa não ser impedido de fazer o que se
quer ou dizer sem receio o que se pensa; a ausência de qualquer coacção
externa; somos confrontados com o seu sentido original. Segundo Élisabeth
Clément [et al.], por exemplo, os
estóicos esforçaram-se por pensar a liberdade independentemente de qualquer
condição exterior. A concepção estóica orienta, desta forma, a reflexão
teórica numa direcção nova e fecunda, a ponto de toda a filosofia clássica
afirmar a liberdade como a independência interior e a capacidade moral de se
determinar seguindo unicamente os conselhos da razão e da inteligência não
revelada pela paixão. Hoje, coloca-se outras tantas interrogações adicionais de
modo a que a nossa liberdade “obedece” ao princípio da lei da causalidade, que
rege todos os fenómenos, supressora de qualquer indeterminação, ou seja, da
ciência experimental segundo o qual existem relações necessárias entre os
fenómenos, de tal forma que cada fenómeno é rigorosamente condicionado pelos
que o precedem ou acompanham (Determinismo) – Assim, os exemplos tipo Frankfurt têm a importante função de «afastar»
o «debate» de considerações acerca da relação entre determinismo causal e
possibilidades alternativas. O que agora se torna importante é considerar se o
determinismo causal na sequência efectiva pode com plausibilidade ser visto
como eliminando «directamente» a responsabilidade moral, independentemente de
considerações relativas às possibilidades alternativas – citamos John
Martin Fischer; ou, antes pelo contrário, a liberdade é estabelecida pela
vontade humana (Indeterminismo), e de que é exemplo, essa «vontade de poder» que Nietzsche afirmaria. É precisamente nesse
sentido, e perante muitas das interrogações colocadas, que um dia nos
propusemos a estabelecer um “confronto saudável” entre a noção da «liberdade da vontade e o conceito de pessoa»
em Harry G. Frankfurt e «a sanidade
mental e a metafísica da responsabilidade» em Susan Wolf. E acreditem que a
viagem até à contemporaneidade, através destes dois autores de gerações
diferentes, foi uma experiência maravilhosa.
Para terminarmos, uma questão fica no ar: Será que a liberdade de fazer é
o mesmo que a liberdade de querer?
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