«…As macieiras da sua infância, ali
mesmo à beirinha de casa, germinavam no silêncio retraído de um pomar
abandonado, meio selvagem, dono sem-dono.»
Orlando Ferreira Barros
Tarde de 8 de Novembro
(sábado), tarde profundamente emocional, a vivida na Sala Couto Viana da
Biblioteca Pública Municipal de Viana do Castelo, com a grande
responsabilidade, ainda que imerecida, de apresentarmos as quatro primeiras «Escritas desencarceradas» do excelso
escritor vianense – porque, apesar de ter nascido em Leiria (1942), em 1969 emprenha-se
de Viana do Castelo, onde, neste momento, acha que daqui nunca saiu. Vive
feliz, na fronteira Meadela/Perre (numa solidão acompanhada), com a família e
mais duas canadianas que juraram nunca abandoná-lo (as juras, mesmo as de amor,
são para se cumprir) – ORLANDO FERREIRA BARROS: "Mater", "O
Pedido da Velha Messalina", "O Delito de Octávio Bernardes" e
"Visto-me para Desafiá-los".
Foi mais um dia em que
preenchemos o espaço vazio, como vazia será a nossa vida sem os livros e a
memória daqueles que, apesar de viverem noutras Galáxias, foram ali recordados
pelo bom amigo Orlando Ferreira Barros, através da sua escrita e da sua memória
(solum moritur homo qui oblitus est).
Este SENHOR HOMEM, inspiração nossa em Marlene Ferraz e na titular comenda à
inglesa, apanha as primeiras palmatoadas, aos seis anos de idade, por escrever
“tecto” sem “c” e Primavera com minúscula; é chamado à polícia, em 1959, por
causa dos seus textos da récita de finalistas; vai estudar para Lisboa em 1960
e, no ano seguinte, apaixona-se irremediavelmente (tal como a Espanca); em 1962
participa nas manifes universitárias e é preso com o Medeiros Ferreira e o “Cenoura”
(Mais tarde veio a ser conhecido como Jorge Sampaio); em 1969 vem para Viana do
Castelo; em 1972 nasce a sua filha loira; em 1973 começa a escrever a sério e
recebe o seu primeiro prémio literário: Teatro Universitário do Porto; em 1988
nasce a sua filha morena; em 2010 deixou de ver os canais portugueses de TV; em
2011 nasce o seu neto macho; em 2012 nasce a sua neta fêmea; em 2013 fez as
contas e somou seis prémios literários; em 2014 ganhou mais um prémio (vindo de
além Atlântico) e continua a escrever, o que lhe dá sentido a vida; em 2026,
segundo a previsão de uma cigana decifradora das linhas enigmáticas da palma da
mão, parte para outra galáxia, lúcido e satisfeito porque a vida mereceu ser vivida.
Apesar de nos sentirmos
demasiadamente pequeninos para falarmos deste grande escritor nosso, Orlando
Ferreira Barros, quais vistinhas coladas “no duplo espelho para sentir a picada
de asco contra mim próprio”, foi com o maior orgulho que resolvemos não
resistir à “remordida maquinação”, potenciada por esse mesmo espelho, quando o
bom amigo e MESTRE Orlando, no sentido escolástico de peripatéticos que somos,
entendeu dar oportunidade a Miranda Rebôlo, aquele que (segundo um iluminado,
erudito, cá do burgo de Atrium)
escreve melhor que nós, para desencarcerar escritas suas em Mater poesia, a pedido da Velha Messalina, causa-efeito (suporte
de transformação e transmissão de movimento) do Delito de Octávio Bernardes, onde irei Vestir-me para desafiá-los, naquele momento, não a estarem
presentes, dado que já lá estavam, mas para partilharmos o pensamento, não
entregues a nós próprios, dado que depressa descobriríamos a inanidade e a
vaidade da existência, num mundo em que Orlando acredita que «ainda há livros e versos / a marginar a
solidão da tua ausência / ainda há estragos, inquietações / a roer a pele dos
deserdados…», memorial poético a recordar o eterno Fernando Canedo, a viver
numa outra Galáxia.
Foi de Orlando Ferreira
Barros, a viver feliz em Viana do Castelo, que naquela maravilhosa tarde de
sábado, a pedido da Velha Messalina,
também resolvemos sentarmo-nos naquelas cadeiras, até ali vazias, da Sala Couto
Viana chique, coroada de odores
dulcificados, pedindo num murmúrio
arrastado de brandura treinada nos dias anteriores (os que antecederam
aquele acto solene), uma maçã “porta da
loja”, fruta portuguesíssima, rural e valente, desdenhadora de sulfatagens e
químicas envenenadoras, descascada e cozida. Foi assim que nos sentimos
naquele dia.
É evidente que, nesse
mesmo dia, não aceitamos aquele desafio para explicar os conteúdos das
primeiras quatro «Escritas
desencarceradas», encarceradas, circunstancialmente, numa artesanal
caixinha, à espera de outras tantas escritas desencarceradas, até preencherem o
espaço vazio, como vazia será a nossa vida sem os livros e a memória daqueles
que, apesar de viverem noutras Galáxias, foram ali recordados pelo bom amigo e
excelso escritor, Orlando Ferreira Barros: sua mãe Edmeia, onde «todo o tempo é de amor maternal / desde o
cintilar do dia / até à chegada do temporal…»; Mestre Pinto, «Meu irmão, mestre, meu amigo, / bravejando
com a emoção / dos inquietos e dos convictos…»; Eduardo Freitas (Para tão
longo esplendor tão curta vida), «Este
mundo é tão grande, Eduardo, / mas não sabe / das ondas do mar…»; Fernando
Canedo, onde «ainda há o teu paciente
deslizar / a pé, pelos ingratos atalhos do saber…»; Lucilo Valdez, onde «sozinho no escuro, sem medo / como herói
desgarrado, aguerrido, / que se ergue do mortal degredo / renovado e moço…»;
Pedro Fins, «Se eu morrer antes de ti, /
Pedro, / vou sentir na imperfeição da tua ausência / o outono a escurecer...»;
A Taberna da Espanhola, na rua do Vilarinho, onde se soltam «eferreás alcoólicos, embriagados / da boca
da estudantada, vozearia sem nexo, / um casal de jovens levanta-se,
adormentado, / vai-se aliviar no único wc, tipo unissexo…»; e, finalmente,
quem não se lembra do Toca Tone, sob a inspiração poética de Eugénio
Monteverde, «Esse castiço vianês? / Com
concertina-trombone / Fez-nos vibrar tanta vez / A concertina tão velhinha / Já
sem rés, fás, mis, dós / Dava o pouco que tinha / Mas ele ajudava com a voz…».
De facto, Orlando Ferreira Barros faz-nos sentir que “continuamos vivos, aqui
ou numa Galáxia”.
E mais não nos apraz
dizer, sem que antes vos apele ao contraditório do delito de Octávio Bernardes
«quando o brado rasgou o silêncio duro da
sala de aula, sentimo-nos atravessados por um terror sísmico. Nas carteiras,
mais cagados que poleiro de galinhas, percebemos o lobo a farejar a vítima»…
Não, Orlando Ferreira Barros nunca teve necessidade de se pirar daqui, porque
aqui pensa, escreve e vive feliz.
NOTA MÁXIMA!
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