«Para Heraclito o princípio consiste na
própria alma, em virtude de ela ser aquela emanação quente pela qual todos os
seres são criados. Trata-se, por conseguinte, de uma realidade incorpórea e em
mutação contínua: conhece-se o movimento consoante mais se movimenta, sendo sua
opinião (e também a de muitos outros) a circunstância de todos os seres se
encontrarem em movimento…»
Aristóteles
Fazendo uma pequena
pausa na “leitura contemporânea”, nomeadamente dos autores que vamos lendo – e
daqueles que ainda estão por ler – semana a semana, resolvemos exercitar as
nossas interrogações cognitivas de hoje, à volta do trágico acontecimento, de
fim de ano, que levou à “desencarnação” do nosso (familiar) amigo/irmão Manuel
António Ferreira Ribeiro (1941-2014).
Começaríamos esta nossa
modesta “deambulação do intelecto” por Thiago Sinibaldi, principalmente quando
afirma que o princípio da vida – e/ou princípio vital – é a força de que emana
a vida, exprime a convicção de que a própria vida é um efeito e todo o efeito
exige uma causa proporcionada. Para ele, todos os seres vivos possuem um
princípio de vida, distinto da matéria organizada. Sinibaldi acha que o princípio
da vida deve chamar-se alma,
definindo-a, ao mesmo tempo, como um princípio de movimento ou de operação.
Afirma, ainda, que o princípio da vida é o princípio de todos os movimentos ou operações imanentes dos seres vivos.
Logo, o princípio da vida deve chamar-se alma – “com razão, pois, dá-se a
denominação de animados aos seres que possuem a vida, e o de inanimados aos que a não possuem –. À
alma deve atribuir-se todas as propriedades, que convêm ao princípio da vida”. Ao lermos Thiago Sinibaldi, constatamos assim o
conceito de alma como um princípio de
movimento, que pode ser visto sob dois aspectos: enquanto anima o corpo – a
alma é o acto primeiro do corpo natural e organizado, capaz de produzir operações imanentes –, e, por outro
lado, enquanto é princípio de operações “a alma é o princípio primeiro, pelo
qual o sujeito produz operações imanentes”.
Por exemplo, na Antiguidade, a alma tem um significado de vida (animação),
começando por ser localizada ou implantada no sistema respiratório, sendo que o
respirar não se separa do spiritus
(espiritual) e a morte ocorre com o último sopro, popularizado como entregar a alma ao criador. O
nascimento, como início da existência, reconhece-se pela entrada de ar nos
pulmões, permitindo a nossa própria autonomia, quando antes estávamos
condicionados pelo sangue e oxigénio maternos. Esta antiga visão animista definiu, assim, a alma como uma
espécie de harmonia, sendo ao mesmo tempo causa
e efeito. Relevante é o facto de Anaximandro de Mileto (séc. VI a. C.),
sendo o primeiro a utilizar o conceito de princípio, para significar, não a
água, nem os outros elementos conhecidos, mas uma determinada natureza
infinita, defendeu que a alma é de natureza etérea. Anaxímenes de Mileto (séc.
VII-VI a. C.), e segundo Pinharanda Gomes, “à semelhança de seu mestre,
reconheceu a existência de uma única substância infinita, verdadeiro princípio,
mas, em vez de a deixar indefinida, achou que devia dizer qual era, e disse ser
o ar”. Outro dos factos relevantes da Antiguidade é que, por exemplo, para os
estóicos existia mesmo uma «Alma do mundo»,
forma através da qual eles explicavam – ou procuravam explicar – a sua organização
e a sua continuidade.
Voltando ao mundo
cognitivo antes de Platão, e como o já referimos em anterior apontamento,
convenhamos realçar que muitas foram as especulações sobre a ideia de alma, a
ponto de, face à complexidade dessas mesmas especulações, em o Fédon – no qual alguns pensadores
afirmam melhor transparece a verdadeira natureza da Alma humana, juntamente com os argumentos que fundam a sua
imortalidade –, o mesmo filósofo grego acabar por defender um dualismo quase
radical do corpo e da alma. A alma por aspirar a libertar-se do corpo era, para
ele, uma realidade essencialmente imortal e separável. Assim, a tendência da
alma – sendo que a mesma, como alguém um dia afirmou, deve chamar a atenção do
filósofo – era de “regressar à sua origem divina e viver, entre as ideias, no
mundo inteligível”.
O mesmo Platão, por
exemplo, apesar de aceitar a doutrina heraclítica – tudo está em movimento – de que os objectos sensíveis estão em
constante movimento, para ele os objectos sensíveis não constituem “todas as
coisas” e se afirmamos que “todas as coisas estão em perpétuo movimento”,
torna-se impossível o conhecimento. É em o Teeteto que Platão fala sobre o
conhecimento em si mesmo, isto é, a essência do conhecimento, sobre a
dialéctica e a Anamnesis – acesso à
totalidade das ideias –, sendo que esta última é a intermediária entre os
dois mundos de Platão: a natureza eterna da alma humana (mundo das ideias) e a
existência separada das formas (a
existência do homem no mundo sensível), objectos próprios do conhecimento. Assim,
Aristóteles ao assumir que as substâncias são as realidades primeiras, no
sentido de que todos os outros modos de ser dependem da substância – procurando
também demonstrar a existência da substância supra-sensível – acaba por tentar
corrigir Platão. Segundo ele, se todas as substâncias fossem corruptíveis, nada
existiria de absolutamente incorruptível.
Por outro lado, para
Aristóteles, o tempo e o movimento são incorruptíveis, sendo que o primeiro
não foi gerado nem se corromperá, tendo em conta o facto de que, na realidade,
antes de ser gerado deveria ter existido um antes e posteriormente à destruição
do mesmo deveria ter havido um depois. Assim, sendo o antes e depois apenas
tempo, para este filósofo grego sempre há tempo antes e depois de qualquer
começo ou fim suposto do tempo. Logo, o tempo
é eterno. De igual forma podemos falar do movimento, já que o tempo
é apenas uma determinação do movimento,
e, ao assim se postular, o que leva Giovanni Reale, no seu livro «Introdução a
Aristóteles», a concluir que no pensamento aristotélico “não há tempo sem
movimento; portanto, a eternidade do primeiro postula igualmente a eternidade
do segundo”. Aristóteles, ao referir-se àqueles que defendem que a alma
consiste numa harmonia, harmonia essa que seria uma mistura ou uma espécie de
combinação entre contrários – do mesmo
modo seria o corpo uma combinação de contrários –, resultando da mesma uma
proporção de elementos misturados “ou, então, na sua respectiva combinação,
diversamente não podendo a alma ser nem uma coisa nem outra”. E por aqui nos
ficamos…
Amigo/irmão Manuel António Ferreira Ribeiro, onde quer que estejas,
desculpa-nos esta introspecção, dado sabermos o que pensavas a respeito destas
questões. Até sempre!
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