«Na visão de Cláudio Lima, o canto elegíaco consagra a libertação da lei
da morte, para invocar um famoso verso camoniano, daqueles que transcenderam a
quotidianidade cinzenta da vida: escritores, sobretudo poetas, artistas
plásticos, músicos, pensadores, cientistas, mulheres que muito amaram, santos
que serviram, com infinito afecto e sublime dedicação, os pobres, os doentes e
os excluídos sociais.»
Vítor Aguiar e Silva
Indubitavelmente,
Cláudio Lima é um dos grandes Poetas contemporâneos. E ao “imprimirmos” tal
afirmação, ainda que subjectiva para alguns (felizmente, muito poucos), não o
estamos a acantonar a uma região, dado que a dimensão universal do pensamento,
enquanto objecto da lógica, tem uma realidade formal distinta da que tem quando
constitui o objecto de uma ciência. Essa é a nossa percepção, exercício que
implica algo distinto da sensação, mas também da intuição intelectual, quando
lemos a poesia de Cláudio Lima. E também, porque imbuídos pelo pensamento de Halifax,
quando um dia afirmou que «o verdadeiro
mérito é como os rios: quanto mais profundo, menos ruído faz», somos
obrigados a interiorizar a ideia – como forma da relação com as coisas
sensíveis – de que a poesia de Cláudio Lima assenta em rios profundos, rios
esses que com as suas afluentes, também elas profundas, acabam por desaguar no
oceâneo, alegoricamente marcado pela universalidade do pensamento. Daí, a nossa
negação ao acantonamento.
Jamais poderemos
esquecer os devaneios de alguns poetas de afluentes ou rios pouco profundos,
quando, afirmando-se em inspiração própria, sem influências, porque pouco dados
às leituras, se emprestam à ruidosa negação da “douta ignorância” ou do
“operário em construção”. Cláudio Lima não é assim. Diremos mesmo que se
pressente na sua poesia uma “construção poética” alicerçada na inspiração
daqueles – como escreve Vítor Aguiar e Silva em prefácio –, “que transcenderam
a quotidianidade cinzenta da vida”. É nesse sentido que entendemos
«Elogios/Elegias», o último brado poético de Cláudio Lima, primorosamente
editado sob a chancela da Editora Labirinto.
Tal como escreve Vítor
Aguiar e Silva, palavras ditas e sentidas, e com as quais corroboramos, «a paronomásia inscrita no título (…) evoca
liminarmente dois grandes veios da poesa europeia, desde a sua aurora grega: o
canto de louvor, o canto epidíctico de celebração, e o canto de tristeza e dor,
o pranto e a lamentação pela perda de alguém», levando a que Cláudio Lima
liberte da lei da morte aqueles que, como atrás referimos – citando Aguiar e
Silva, “transcenderam a quotidianidade cinzenta da vida”. Ao fazê-lo, ou da
maneira que o faz, não poderemos dizer que Cláudio Lima se revê no papel de um
inveterado saudosista, mas, antes pelo contrário, o canto elegíaco vai no
sentido de consagrar a dita libertação da lei da morte. De facto, só morre quem
é esquecido.
Gostamos, de uma forma
particular, da perspectiva do “mito sebástico” neste extraordinário brado
poético de Cláudio Lima, ao permitir fazer a ponte entre o monarca (D.
Sebastião), que deu origem ao estranho messianismo, que levou o povo português
– segundo Maria Amália Vaz de Carvalho – a viver dominado pela sua fraqueza, ou
a sua força, “em confiar sempre da Providência, do Acaso, do Destino e nunca de
um plano raciocinado e assente”: Cortina
densa o nevoeiro / vem repetir a infausta saga / do Encoberto. / Cai sobre nós
como um presságio, / uma síncope de espera a dilatar-se / em areais funestos.
(p. 18), Fernando Pessoa e seus heterónimos: Por dentro do tempo / como um vento / sussurram tuas insónias /
heterónimas. / Por dentro do tempo / – túnel por concluir – bruxuleia uma
candeia / a se extinguir. (p. 21), e Agostinho da Silva: Tens um nome comum, como convém; / um nome
linear de vogais doces / como a doçura que têm / os frutos sumarentos e
precoces. / Mas, além-nome, grande Profeta / o Além te elegeu / para traçares a
grande linha recta / do sinuoso destino que nos deu. (p. 26). Quiçá, pela
pena e pela mente de Cláudio Lima, e através desta ponte, se venha a cumprir o
“Quinto Império”: Outra rota? Outro
sonho? Outro pendão / noutro mastro? Pouco importa! / A chave de nós está na
nossa mão / como também o código da porta. (p. 27). Repetimos, Cláudio Lima
não se apresenta como um sebástico-messianista, nem tão pouco como saudosista.
Outros nomes gravitam
neste «Elogios/Elegias» de Cláudio Lima: Camilo Pessanha, onde As palavras que levitam são as tuas, /
pescador de pérolas doentes. / As Afrodites palpitantes, nuas, / não saem do
mar se não consentes. (p. 25); Miguel Torga: Sobre a montanha desci os olhos salgados de / pasmo e de ternura. E
disse os fonemas primeiros / de um amor sem ruga, pura embriaguez de terra.
(p. 28); Sophia de Mello Breyner Andresen: É
em ti / que o verbo se arrepende de ser neutro / e revela tudo quanto sabe.
(p. 30); Eugénio de Andrade: Ficarás em
pedra e sol / e letras sumárias mas agudas / no inacessível patamar da música.
(…) Ficarás em pedra e saudade sob o musgo / do tempo, rumor de asas e de luzes
/ a lembrar a leveza dos teus versos. (p. 32); Vergílio Ferreira, aquando
da sua morte: Não, não vamos deter mais
do que um instante / na tua serena máscara final. (p. 33); David
Mourão-Ferreira, também pelo mesmo motivo: Um
silêncio sepulcral agora incide / sobre as sílabas doces e claras / do teu
canto, / essa música tua de vibrações raras / que nos tocava tão no fundo e
tanto. (p. 34); José Cardoso Pires, também, aquando da sua morte: E agora, José? / O sorriso malandro /
inteligente e arguto / esmoreceu para sempre / em madrugada de luto. (p.
35); Luiz Pacheco, aquele para o qual: A
vida é esterco, / percurso / sem remédio. (…) Mesmo assim / do Príncipe Real /
uma embaixada de pombos / veio ao funeral. (p. 36); Sebastião Alba, o
semi-lúcido: Agora que Carl Sagan morreu
/ quem fica a mandar nas estrelas / sou eu. (p. 37). Nas páginas deste
«Elogios/Elegias» há ainda lugar a requiens por Hilário, António Variações, Zeca
Afonso, Amália Rodrigues, Carlos Paredes, Madalena (bíblica): Por bem pouco chorei sobre o meu corpo /
rasgado e abandonado ao fim da noite; / e permaneci passiva, assim de borco, /
à mercê do pecado e do açoite. (p. 47), Francisco de Assis, Madre Teresa de
Calcutá, Carl Sagan, Gabriel Garcia Lorca, Pablo Neruda: Nunca deste ao poema um brilho de domingo. (p. 55), Chopin, Louis
Armstrong, Pablo Picasso, Salvador Dalí e Sylvia Plath. Por forma a não
influenciarmos eventuais leitores, o que será passível de algum constrangimento
interpretativo, vamos ficar mesmo por aqui.
Para terminarmos, e embora
sejamos da opinião de que a biografia de um Poeta está na sua obra, não
resistimos à tentação de dizer, principalmente para os mais distraídos, que
Cláudio Lima é pseudónimo de Manuel da Silva Alves, natural de Calvelo, Ponte
de Lima, onde nasceu a 6 de Abril de 1943. Tem formação na área da Filosofia, é
casado, pai de dois filhos e está radicado em Braga. Iniciou-se muito jovem nas
lides da escrita, colaborando em revistas escolares e suplementos juvenis,
entre eles o do “Diário de Lisboa”, que acolheu as primícias de muitos escritos
então revelados. Além de estar representado em mais de trinta obras colectivas,
tem significativa e variada colaboração dispersa por jornais e revistas de
Portugal, Angola, Brasil e Galiza, nas modalidades de poesia, conto, crónica,
crítica literária e social, ensaio, diarística, etc. A nível individual, tem
mais de uma dúzia de obras publicadas, sendo de realçar que a maior parte delas
encontra-se esgotada. Para além de outros, foi agraciado com o Prémio Nacional
de Poesia “Fernão de Magalhães Gonçalves” 2008, e com a Medalha de Mérito
Cultural pelo Município de Ponte de Lima.
«ELOGIOS/ELEGIAS» de Cláudio Lima. Um livro e um autor que se recomendam.
Daí, NOTA MÁXIMA!
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