«A verdadeira história da humanidade foi e
continua a ser a literatura.»
Almeida Faria
Apesar da multiplicidade
temática nas «Correntes d’Escritas» deste ano, quase que a poderíamos agregar, reduzindo-a
às seguintes palavras: literatura, liberdade, prémios, poder, narrativas,
escrita, silêncio, memórias, inteligência invisível e vida. Daí, termos conjugado
essa multiplicidade, pela abrangência, disponibilidade e lado afectivo aos
escritores, assistindo apenas a dois painéis: MESA 2: “A verdade dos Prémios
Literários: O Poder das Narrativas e/ou As Narrativas do Poder” (em colaboração
com o Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho) com Ana Luísa
Amaral, Ana Paula Tavares, Germano Almeida, Inês Pedrosa, Isabel Pires de Lima
e Manuel Jorge Marmelo, sendo moderadora Ana Gabriela Macedo; MESA 3: “O poder
das palavras faz-se de liberdade e silêncio”, com António Cabrita, Clara Usón,
José Mário Silva, Manuel Gonzaga e Vergílio Alberto Vieira, sendo moderador
Michael Kegler.
Começando, de uma forma
aleatória, pelo segundo tema, o qual achamos, deveras, interessantíssimo, sentimos,
pelas excelentes intervenções, que muitos de nós fomos educados no silêncio e
os poderes do silêncio podem ser devastadores, sendo que a nossa relação com o
silêncio está viciada e não existe silêncio sem contacto (António Cabrita), e, por
outro lado, o silêncio pode ser comunicação sem mensagem e um acto de esvaziar;
um desejo que nos pode libertar de sarilhos; um poder maldito sobre os corpos e
consciências, quando “silencioso e furtivo como um ladrão” (Clara Usón) – ou no
dizer de Manuela Gonzaga, quando aparecem “a palavra e o silêncio como
opressores da liberdade” –; e, “sem o silêncio não há palavras, dado que as
palavras não combatem o silêncio, porque nascem dele” (José Mário Silva). Uma
nota positivíssima para Vergílio Alberto Vieira, quando resolveu trazer à
coacção Ludwig Wittgenstein e Friedrich Nietzsche, lembrando a liberdade, o
silêncio e o poder da palavra, passando pela ética política, rematando com um esplendoroso
momento, diríamos até comovente, em que homenagearia o compositor grego Iánnis
Xenákis (1922-2001), ferido por um obus, em Janeiro de 1945, onde acabaria por
perder um olho e lhe desfigurou parte do rosto. Em 1946 finalizou os estudos de
engenharia, mas foi perseguido e condenado à morte devido ao seu activismo político,
fugindo para França em 1947. Estabelecido em Paris, em 1948 ingressou no
estúdio do famoso arquitecto Le Corbusier, como engenheiro calculista. Em 1956,
publicou sua teoria da música estocástica, baseada na teoria dos jogos de John
von Neumann, entre outras fontes. Seu livro “Formalized Music: Thought and
Mathematics in Composition” é considerado como um dos mais importantes
trabalhos teóricos sobre música do século passado. A “música está presente no
silêncio” (Manuela Gonzaga). Há momentos em que a música ou um livro, valem
tanto como uma vida humana, qual fénix renascido das chamas que os consomem.
Passando, agora sim, ao
primeiro tema, teremos em dizer que foi uma sexta-feira maravilhosa, onde
apreendemos a noção clara de que “está-se escritor, não se é escritor” (Mia
Couto, citado por Ana Gabriel Macedo) e que a escrita “existe para além dos
prémios (…). Os prémios literários não são uma verdade, nem narrativas de poder”.
Quem escreve, “escreve para encontrar um sentido para si e para a vida”, acrescendo
à circunstância de os prémios “apenas representam a forma como se recebe e se é
recebido no tempo” (Ana Luísa Amaral). De facto, foi bom ouvirmos, entre muitas
outras revelações cognitivas, que as “correntes” são decorrentes numa cadeia de
afectos e que o prémio “fez explodir o império” (Ana Paula Tavares), a escrita
existe separada dos prémios e “não significa que o termos ganho um prémio
sejamos melhor que os outros”, pois, circunstancialmente, a atribuição dos
prémios depende da identificação do júri, em termos empáticos, com o texto que o
mesmo está a avaliar, não devendo ser considerado como algo discriminatório
para com os não premiados (Germano de Almeida). Ou, ainda, os “prémios
respondem a uma necessidade de inventar escritores. Não há prémios puros, mas,
na verdade, é importante haver prémios literários. Os prémios literários valem
o que valem, mas são importantes para a legitimação da literatura”, procurando,
ao mesmo tempo, “provocar o ruído mediático em torno do livro e do autor com o objectivo
de proporcionar um maior número de vendas” (Isabel Pires Lima). Viemos de lá
mais esclarecidos, principalmente quando ouvimos da boca de Manuela Gonzaga que
muitas vezes “pensamos que estamos acordados, quando na verdade estamos a
dormir. A liberdade não é um dado adquirido. Só há liberdade, quando o poder e
a palavra se articulam na liberdade da criatividade”. Daí, aceitarmos a
graciosidade de Manuel Jorge Marmelo, quando afirmou estar ali “no papel de um
sonhador nostálgico”, um sonho misturado com uma semiconsciência: “As correntes
dão-nos muito mais que os prémios literários” – disse.
A partir deste dia, sentimo-nos cada vez mais seguros no nosso percurso
de criadores independentes, quando nos foi dado saber que “ninguém está imune
ao poder” (Inês Pedrosa), em tempos em que há prémios para tudo, mesmo para “inventar
escritores”. Razão teve Schiller quando um dia escreveu que «o homem que se
domina a si mesmo, liberta-se de um poder que o acorrenta, e que escraviza
quase todas as pessoas». E é nesse sentido que todos nós deveríamos caminhar,
quando pensamos “estar” como escritores, dado que o “ser” depende das máquinas
do poder!
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