«Há uma diferença, em princípio, entre o
registo de um movimento visual e as imagens imóveis da fotografia, da pintura
ou da escultura. O filme é mais do que uma variante da imagem imóvel, obtida
por multiplicação: é algo de novo e diferente…»
Rudolf Arnheim
Como na anterior
crónica referimos, ao nos propormos reflectir e dar a conhecer a importância do
cinema na vida e na cultura humanas, entendemos que a eternidade que o cinema
inspira, elevando os olhos bem abertos nas gloriosas salas escuras (e não só),
regista transformações profundas e de diversa índole no ecossistema audiovisual
em que, pela natureza da sua linguagem, o cinema se integra. A nosso modesto
ver, Nenhuma outra manifestação artística está tão intimamente ligada à
evolução tecnológica como o cinema. Parafraseando Guilhermo Cabrera Infante «o cinema, que é a arte do século XX, é a
única arte que nasceu de uma tecnologia… De todas as artes só o cinema se deve
a um avanço da tecnologia». Pois, nenhuma outra forma artística foi (é)
capaz de tão rápida e eficazmente se adaptar a novas situações, meios, gostos e
públicos. Como arte que nos oferece um maior entendimento a exploração temática
paira desde o sentido mais directo até ao mais imprevisível indirecto,
construindo uma estrutura conceptual própria e uma linguística única.
Os mundos do imaginário
ao mais real, os conteúdos e formas que exibe guindam o espectador, o realizador
e os actores a entendimentos universais, difundidos a nível planetário. Por
isso, conhecer a história do cinema, as suas fases evolutivas, os segmentos
marcantes do seu desenvolvimento e os marcos da sua consolidação; interpretar o
papel do cinema face ao aparecimento e afirmação da televisão; identificar os
novos desafios que se colocam na actualidade a esta arte, nomeadamente, a
formação e aculturação de mentalidades de públicos e opiniões e os cultos que
potenciam e geram; entender o posicionamento desta indústria no contexto actual
das artes e da estética enquanto manifestação humana, de sonhos, ilusões,
sentimentos e ansiedades; e, compreender o papel da arte cinematográfica na
personalidade individual e como catarse colectiva; acabamos por reconhecer a
sua produção como acto de elevada capacidade criativa. Questionar e desenhar,
filosoficamente, a futura vaga do cinema.
O que constitui o
realismo, é simplesmente como isto: meios e comportamentos, meios que
actualizam e comportamentos que encarnam. A “imagem-acção” é a relação entre
ambos, e todas as variedades desta relação. É este modelo que faz o triunfo
universal do cinema americano, ao ponto de servir de passaporte aos autores
estrangeiros que contribuem para a sua constituição.
No meio distingue-se as
qualidades-potências e o estado das coisas que as actualiza. A situação e a
personagem ou a acção são como dois termos simultaneamente correlativos e
antagonistas. A acção ela própria é um duelo de forças, uma série de duelos:
duelo com o meio, com os outros, consigo. Por fim, a nova situação que sai da
acção forma um par com a situação de partida. Este é o conjunto da
“imagem-acção” ou, pelo menos, a sua primeira forma. Constitui a representação
orgânica que parece dotada de fôlego ou de respiração. Porque ela dilata-se do
lado do meio, e contrai-se do lado da acção. Mais precisamente, dilata-se ou
contrai-se de cada lado, segundo os estados da situação e as exigências da
acção. Neste tipo de “imagem-acção” desenvolvem-se um certo número de grandes
géneros cinematográficos: o documentário, o filme psicossocial, o filme “noir”,
o western e o filme histórico. As leis que regem a “imagem-acção” englobam a
representação orgânica no seu conjunto, a passagem de situação a acção decisiva
e a lei de Bazin ou da “montagem proibida”.
A “imagem-acção”
inspira um cinema de comportamento, behaviorismo, visto que o comportamento é
uma acção que passa de uma situação para outra, que responde a uma situação
para tentar modificá-la ou de instaurar outra situação.
Este cinema de
comportamento não se limita com o esquema sensorial motor simples, do tipo arco
reflexo mesmo condicionado. É um behaviorismo muito mais complexo que tem
essencialmente em conta factores internos. Com efeito, o que tem de parecer
exterior, é o que se passa no interior da personagem, no cruzamento da situação
que a impregna e de acção que vai fazer rebentar. É exactamente a regra do Actors Studio: só o interior é que
conta, mas este interior não está para além nem escondido, confunde-se com o
elemento genético do comportamento, que deve ser mostrado. Não é um
aperfeiçoamento da acção, é a condição absolutamente necessária do
desenvolvimento da “imagem-acção”. Esta imagem realista nunca esquece, com
efeito, que apresenta por definição situações fictícias e acções simuladas. Na
pequena forma conclui-se da acção para a situação ou para as situações.
A distinção de duas
formas de acção é simples e clara em si mesma, mas as suas aplicações são
complexas. Sabemos que as questões orçamentais podem intervir, mas não serem
determinantes, visto que a pequena forma para se exprimir e desenvolver-se, tem
necessidade de um ecrã largo, de décors e de cores magníficas, tanto quanto a
grande forma.
É preciso determinar
domínios de base em que a pequena e grande formas de acção manifestem
simultaneamente a sua distinção real e todas as suas transformações possíveis.
O primeiro é o domínio físico-biológico, que corresponde à noção de meio.
Segue-se o domínio matemático que corresponde à noção de espaço e, em terceiro
lugar, consideramos o domínio estético que corresponde à noção de paisagem.
Nota final:
Ajudaram-nos nesta reflexão e na crónica anterior, autores como Rudolf Arnheim – A Arte do Cinema. Trad. Maria da Conceição Lopes da Silva. Lisboa:
Edições 70, 1989; Gérard Betton – História do Cinema (Das origens até 1986).
Trad. Maria Gabriela de Bragança. Mem Martins: Publicações Europa América,
1989; Doc Comparato – Da criação ao guião: a arte de escrever para
cinema e televisão. Trad. Gabriela Alves Neves. Lisboa: Pergaminho, 1998; Gilles Deleuze – A Imagem-Movimento: Cinema 1. Int. e trad. Rafael Godinho. Lisboa:
Assírio & Alvim, 2004; Gordon Graham
– Filosofia das Artes: Introdução à
Estética. Trad. Carlos Leone. Lisboa: Edições 70, 2001; Andrew Tudor – Teorias do Cinema. Trad. Dulce Salvato de Meneses. Lisboa: Edições
70, 1985.
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