Saturday, June 25, 2016

Cinema: “imagem-imóvel” versus “imagem-acção” e a relação entre elas!...

«Há uma diferença, em princípio, entre o registo de um movimento visual e as imagens imóveis da fotografia, da pintura ou da escultura. O filme é mais do que uma variante da imagem imóvel, obtida por multiplicação: é algo de novo e diferente…»

Rudolf Arnheim

Como na anterior crónica referimos, ao nos propormos reflectir e dar a conhecer a importância do cinema na vida e na cultura humanas, entendemos que a eternidade que o cinema inspira, elevando os olhos bem abertos nas gloriosas salas escuras (e não só), regista transformações profundas e de diversa índole no ecossistema audiovisual em que, pela natureza da sua linguagem, o cinema se integra. A nosso modesto ver, Nenhuma outra manifestação artística está tão intimamente ligada à evolução tecnológica como o cinema. Parafraseando Guilhermo Cabrera Infante «o cinema, que é a arte do século XX, é a única arte que nasceu de uma tecnologia… De todas as artes só o cinema se deve a um avanço da tecnologia». Pois, nenhuma outra forma artística foi (é) capaz de tão rápida e eficazmente se adaptar a novas situações, meios, gostos e públicos. Como arte que nos oferece um maior entendimento a exploração temática paira desde o sentido mais directo até ao mais imprevisível indirecto, construindo uma estrutura conceptual própria e uma linguística única.


Os mundos do imaginário ao mais real, os conteúdos e formas que exibe guindam o espectador, o realizador e os actores a entendimentos universais, difundidos a nível planetário. Por isso, conhecer a história do cinema, as suas fases evolutivas, os segmentos marcantes do seu desenvolvimento e os marcos da sua consolidação; interpretar o papel do cinema face ao aparecimento e afirmação da televisão; identificar os novos desafios que se colocam na actualidade a esta arte, nomeadamente, a formação e aculturação de mentalidades de públicos e opiniões e os cultos que potenciam e geram; entender o posicionamento desta indústria no contexto actual das artes e da estética enquanto manifestação humana, de sonhos, ilusões, sentimentos e ansiedades; e, compreender o papel da arte cinematográfica na personalidade individual e como catarse colectiva; acabamos por reconhecer a sua produção como acto de elevada capacidade criativa. Questionar e desenhar, filosoficamente, a futura vaga do cinema.
O que constitui o realismo, é simplesmente como isto: meios e comportamentos, meios que actualizam e comportamentos que encarnam. A “imagem-acção” é a relação entre ambos, e todas as variedades desta relação. É este modelo que faz o triunfo universal do cinema americano, ao ponto de servir de passaporte aos autores estrangeiros que contribuem para a sua constituição.
No meio distingue-se as qualidades-potências e o estado das coisas que as actualiza. A situação e a personagem ou a acção são como dois termos simultaneamente correlativos e antagonistas. A acção ela própria é um duelo de forças, uma série de duelos: duelo com o meio, com os outros, consigo. Por fim, a nova situação que sai da acção forma um par com a situação de partida. Este é o conjunto da “imagem-acção” ou, pelo menos, a sua primeira forma. Constitui a representação orgânica que parece dotada de fôlego ou de respiração. Porque ela dilata-se do lado do meio, e contrai-se do lado da acção. Mais precisamente, dilata-se ou contrai-se de cada lado, segundo os estados da situação e as exigências da acção. Neste tipo de “imagem-acção” desenvolvem-se um certo número de grandes géneros cinematográficos: o documentário, o filme psicossocial, o filme “noir”, o western e o filme histórico. As leis que regem a “imagem-acção” englobam a representação orgânica no seu conjunto, a passagem de situação a acção decisiva e a lei de Bazin ou da “montagem proibida”.
A “imagem-acção” inspira um cinema de comportamento, behaviorismo, visto que o comportamento é uma acção que passa de uma situação para outra, que responde a uma situação para tentar modificá-la ou de instaurar outra situação.
Este cinema de comportamento não se limita com o esquema sensorial motor simples, do tipo arco reflexo mesmo condicionado. É um behaviorismo muito mais complexo que tem essencialmente em conta factores internos. Com efeito, o que tem de parecer exterior, é o que se passa no interior da personagem, no cruzamento da situação que a impregna e de acção que vai fazer rebentar. É exactamente a regra do Actors Studio: só o interior é que conta, mas este interior não está para além nem escondido, confunde-se com o elemento genético do comportamento, que deve ser mostrado. Não é um aperfeiçoamento da acção, é a condição absolutamente necessária do desenvolvimento da “imagem-acção”. Esta imagem realista nunca esquece, com efeito, que apresenta por definição situações fictícias e acções simuladas. Na pequena forma conclui-se da acção para a situação ou para as situações.
A distinção de duas formas de acção é simples e clara em si mesma, mas as suas aplicações são complexas. Sabemos que as questões orçamentais podem intervir, mas não serem determinantes, visto que a pequena forma para se exprimir e desenvolver-se, tem necessidade de um ecrã largo, de décors e de cores magníficas, tanto quanto a grande forma.
É preciso determinar domínios de base em que a pequena e grande formas de acção manifestem simultaneamente a sua distinção real e todas as suas transformações possíveis. O primeiro é o domínio físico-biológico, que corresponde à noção de meio. Segue-se o domínio matemático que corresponde à noção de espaço e, em terceiro lugar, consideramos o domínio estético que corresponde à noção de paisagem.

Nota final: Ajudaram-nos nesta reflexão e na crónica anterior, autores como Rudolf ArnheimA Arte do Cinema. Trad. Maria da Conceição Lopes da Silva. Lisboa: Edições 70, 1989; Gérard BettonHistória do Cinema (Das origens até 1986). Trad. Maria Gabriela de Bragança. Mem Martins: Publicações Europa América, 1989; Doc ComparatoDa criação ao guião: a arte de escrever para cinema e televisão. Trad. Gabriela Alves Neves. Lisboa: Pergaminho, 1998; Gilles DeleuzeA Imagem-Movimento: Cinema 1. Int. e trad. Rafael Godinho. Lisboa: Assírio & Alvim, 2004; Gordon GrahamFilosofia das Artes: Introdução à Estética. Trad. Carlos Leone. Lisboa: Edições 70, 2001; Andrew TudorTeorias do Cinema. Trad. Dulce Salvato de Meneses. Lisboa: Edições 70, 1985.

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