“Na prática, a
destruição do monopólio do dinheiro neutraliza o seu predomínio”.
Michael Walzer
Da leitura que
fizemos de Michael Walzer, numa sociedade em que os significados sociais se
encontram definidos e hierarquizados, a justiça vem em auxílio da desigualdade.
A teoria da justiça está atenta às diferenças e é sensível aos limites. Nas
sociedades mais diferenciadas a justiça tem um campo mais vasto de acção, pois,
há mais bens diferenciados, mais princípios distributivos, mais agentes e mais
meios de actuação. E quanto maior for o campo de acção da justiça, mais
evidente se tornará que a forma assumida por esta será a da igualdade complexa.
O despotismo tem também maior campo de acção.
A justiça, é
encarada como o contrário do despotismo, tem pois a ver com as mais terríveis
experiências do séc. XX. A igualdade complexa é o oposto do totalitarismo:
máxima diferenciação, em vez da máxima coordenação. Como sabemos, as formas
contemporâneas de política igualitária tiveram a sua origem nas lutas contra o
capitalismo e o especial despotismo do dinheiro. O despotismo do dinheiro
assusta menos do que as formas de despotismo que tem a sua origem no outro lado
da linha que separa o dinheiro da política. Sem dúvida, a plutocracia assusta
menos do que o totalitarismo; aí a resistência é menos perigosa. A principal
razão desta diferença é que o dinheiro pode comprar cargos, educação, honras,
mordomias, etc., sem coordenar radicalmente as várias esferas distributivas e
sem eliminar processos e agentes alternativos. Muito depende dos cidadãos, da
sua capacidade de se afirmarem através do conjunto de bens e de preservarem a
sua própria noção do seu significado dos mesmos.
A igualdade
complexa continuará a ser uma possibilidade viva, mesmo que novos adversários
da igualdade venham substituir os antigos. Esta possibilidade é permanente para
todos os efeitos práticos, tal como a oposição que lhe é feita. O
estabelecimento de uma sociedade igualitária não representará o fim da luta
pela igualdade. Tudo o que se pode esperar é que a luta se torne um pouco mais
branda à medida que os homens e mulheres aprendam a viver com a autonomia das
distribuições e a reconhecer que resultados diferentes para pessoas diferentes
em diferentes esferas tornam a sociedade justa. Por outro lado, a política hoje
é apenas uma, embora provavelmente a mais importante, das muitas esferas da
actividade social. Não se pode garantir aos cidadãos uma “oportunidade” em toda
a parte. Não se lhes pode garantir uma “oportunidade” onde quer que seja.
Porém, a autonomia das esferas produzirá uma maior repartição dos bens sociais
do que qualquer outro sistema concebível. Espalhará mais amplamente o prazer de
governar e tornará certo o que hoje permanece em dúvida: a compatibilidade
entre o ser governado e conservar o amor-próprio. É que o governo sem dominação
não ofende a nossa dignidade nem nega a nossa capacidade moral e política. O
respeito mútuo e o amor-próprio compartilhados são apoios firmes da igualdade
complexa e juntos constituem a fonte da sua possível resistência.
Michael
Walzer, no seu livro “As Esferas da Justiça”, sustenta o pluralismo das esferas
da justiça social ou distributiva e da igualdade. Partindo do facto de que as
nossas convenções sociais levam à divisão da justiça em esferas autónomas
relativamente ao princípio distributivo, agrega todo um conjunto de critérios
aceites pela comunidade e denomina-os globalmente de “igualdade complexa”. Esta
será a base para a distribuição social dado que a sociedade humana é, por
natureza, uma comunidade distributiva, estamos juntos para partilhar, dividir e
trocar.
Assim, Michael
Walzer, com superior mestria, conduz-nos ao reconhecimento e assunção dos
percursos do poder político no quotidiano dos cidadãos. Naturalmente,
poderíamos pensar e até exigir ao autor outras abordagens, em concreto, sobre a
teoria geral que formulou para a justiça social nas suas complexas esferas. A
análise que difunde mostra-nos a complexidade inerente à tomada de decisões e
coexistência sob o impacto dessas mesmas decisões.
Para terminarmos, uma questão se coloca: – Que esferas da justiça, para o Portugal de hoje?
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