“(…)
um livro, sem dúvida, cheio de interesse não só para os participantes na
narrativa, pois vão ter a possibilidade de recordar bons e maus momentos da sua
juventude em solo africano, mas também para terceiros eventualmente
interessados em conhecer um pouco da História recente de Portugal no que se
refere à dita guerra colonial”
Célio Rolinho Pires
Conhecemos há cerca de
duas décadas o bom amigo Fonseca Alves, através desse maravilhoso antídoto que
se chama poesia, e de dois amigos comuns, infelizmente desaparecidos do nosso
meio físico: Júlio Evangelista e Manuel Parada. O início da nossa amizade – por
certo perpetuada até ao definhamento do templo físico da nossa alma – foi
selado com a amável oferta da sua obra discográfica «Ex-líbris da Poesia
Portuguesa», na qual Júlio Evangelista, em jeito de prefácio, o apresenta da
seguinte forma: «Homem culto e declamando como ninguém, Fonseca Alves foi o
introdutor em Portugal de Omar Khayyam – sábio e poeta da Pérsia antiga – não
só quanto à declamação e ao seu lançamento discográfico, mas ainda através de
recitais, saraus culturais, da realização de palestras e entrevistas à
comunicação social. A sua arte é perfeita. Voz timbrada com correcção,
modulações cativantes e por vezes subtis, os versos na sua voz transformam-se
ou em gritos de alma, ou em sussurros de amor, águas versejando nos córregos,
ondas lambendo as praias de espuma, brisas ciciando segredos (…)». Retrato fiel
e coerente, que nos leva apenas a acrescentar o facto de ter sido da Polícia
Judiciária e exprimir as suas convicções políticas por um assoberbado e/ou
coerente nacionalismo (envolto num bem vincado princípio de carácter, princípio
esse hoje tão mal tratado e descaracterizado pelas “libelinhas” e “vendilhões
do templo”, na política da globalização), o que faz aumentar a nossa admiração
por si.
Hoje, estamos aqui para
falar das «Memórias de Guerra do Ultramar» do lado menos poético de Fonseca
Alves, já que se trata de uma obra da sua autoria, editada pela “EDIÇÕESECOPY”, onde – e parafraseando Célio
Rolinho Pires – nos oferece um produto “de alguém bem preparado de um ponto de
vista cultural e a escrita que nos apresenta é escorreita, sadia, aliciante,
bem estruturada, por vezes bem-humorada e até vernácula, em certo sentido. É de
referir, em abono da verdade, que o Fonseca Alves conhece bem os meandros da
literatura, sobretudo da poesia, sendo, aliás, declamador bem conhecido nos
circuitos ligados às artes e ao teatro. Mas também, e no tocante à História,
chegou a ter a seu cargo, penso que sobre a História Antiga, programas de
apresentação semanal de larga audiência, em algumas rádios locais do Norte.
Portanto, este livro que ora sai, pese embora a temática específica da guerra,
é sem dúvida um trabalho bem estruturado de um ponto de vista formal, mas
também semântico, sintáctico e, até, estilístico-literário (…)” – Assim,
textualmente… Para quê inventar, se nos revemos nas palavras do prefaciador?
Mesmo assim, que nos
perdoem o autor e o prefaciador, não queríamos deixar de arriscar uma “leitura
pessoal”, assente na nossa sensibilidade estética, revestida de uma humildade
calma e prudente, numa tentativa de equilíbrio e bom senso, por forma a não
cairmos na “presunção” de nos alvorarmos em crítico literário. Nesse sentido, atrevemo-nos
a afirmar que estamos perante uma obra magnífica, realista, sem distorções,
dissimulações ou falsos heroísmos, o que nos leva a emprestar-lhe as palavras
de Amadeu Torres (Castro Gil), a propósito do nosso “Chamaram-me Muxicongo”,
porque bem lhe assenta como uma luva: “Não foi, com efeito, o desejo de agradar
que lhe moveu a pena, até porque algumas verdades podem amargar. Escreveu, sim,
para o mundo, para a história. São estas abordagens que possibilitarão um dia
as grandes visões de conjunto, nas quais a imparcialidade e objectividade
ressaltarão finalmente por sobre todas as ambiguidades e desmemórias que teimam
ainda impor-se-nos ou impingir-nos”, da África minada pelas intrigas e
interesses ocultos de países hipocritamente amigos, e da “parafernália militar
fornecida por aqueles cujos tiranetes disfarçados de vendedores de banha de
cobra pretenderam submeter o mundo às super-ditaduras” – aqueles soldados negrilhos, que não desertaram quando o podiam ter
feito, mantiveram-se fidelíssimos nas fileiras do Exército Português, porque
enquanto portugueses de Moçambique, mais patriotas do que alguns da Metrópole,
quiseram servir uma África Lusíada, um Portugal de Portugal (p. 29) –, bem
visíveis nos tempos que correm, diremos nós.
Este livro descreve de
uma forma tão genuína, diríamos até peculiar, lugares, cheiros, trilhos de
picadas, matizes de amarelo e verde do capim, as lonjuras do planalto, a aurora
a raiar até ao crepuscular vespertino, estádios psicológicos de patriotismo, refractários
e desertores, o sentido do dever cumprido, comprometedoras condutas, sentidos
bem apurados, indícios de fanfarronice, silêncios aterradores, copiosas
chuveiradas debaixo do bidão, concomitância sonora de granadas, sensibilidade
no gatilho, voos de reconhecimento, presteza e determinação à voz do comando,
soldados desfalecentes e espojados no solo, ataques a aquartelamentos, estar no
mato e bater-se com denodo e portuguesismo, falsos conceitos de valores e
hodiernos heroísmos, missões extremamente arriscadas e quase infactíveis nos
matos agrestes, guerra selvosa e vulpina onde não se distingue o trivial
quotidiano, a distribuição de um quarto de casqueiro com chouriço (divinal, enlatado e conservado em azeite,
que ainda hoje faria sorrir muitas famílias), a suplicação a Nossa Senhora
dos Aflitos, etc., etc., complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter
usado aspas, visto que extraído dos textos. Nada aqui é inventado.
Um bem-haja para a
editora e para o bom amigo Fonseca Alves, pelo testemunho dado em prol do
verdadeiro curso da História.
Nota máxima!
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