Saturday, February 15, 2014

Fonseca Alves publica “Memórias de Guerra”!...

“(…) um livro, sem dúvida, cheio de interesse não só para os participantes na narrativa, pois vão ter a possibilidade de recordar bons e maus momentos da sua juventude em solo africano, mas também para terceiros eventualmente interessados em conhecer um pouco da História recente de Portugal no que se refere à dita guerra colonial”

Célio Rolinho Pires

Conhecemos há cerca de duas décadas o bom amigo Fonseca Alves, através desse maravilhoso antídoto que se chama poesia, e de dois amigos comuns, infelizmente desaparecidos do nosso meio físico: Júlio Evangelista e Manuel Parada. O início da nossa amizade – por certo perpetuada até ao definhamento do templo físico da nossa alma – foi selado com a amável oferta da sua obra discográfica «Ex-líbris da Poesia Portuguesa», na qual Júlio Evangelista, em jeito de prefácio, o apresenta da seguinte forma: «Homem culto e declamando como ninguém, Fonseca Alves foi o introdutor em Portugal de Omar Khayyam – sábio e poeta da Pérsia antiga – não só quanto à declamação e ao seu lançamento discográfico, mas ainda através de recitais, saraus culturais, da realização de palestras e entrevistas à comunicação social. A sua arte é perfeita. Voz timbrada com correcção, modulações cativantes e por vezes subtis, os versos na sua voz transformam-se ou em gritos de alma, ou em sussurros de amor, águas versejando nos córregos, ondas lambendo as praias de espuma, brisas ciciando segredos (…)». Retrato fiel e coerente, que nos leva apenas a acrescentar o facto de ter sido da Polícia Judiciária e exprimir as suas convicções políticas por um assoberbado e/ou coerente nacionalismo (envolto num bem vincado princípio de carácter, princípio esse hoje tão mal tratado e descaracterizado pelas “libelinhas” e “vendilhões do templo”, na política da globalização), o que faz aumentar a nossa admiração por si.
Hoje, estamos aqui para falar das «Memórias de Guerra do Ultramar» do lado menos poético de Fonseca Alves, já que se trata de uma obra da sua autoria, editada pela “EDIÇÕESECOPY”, onde – e parafraseando Célio Rolinho Pires – nos oferece um produto “de alguém bem preparado de um ponto de vista cultural e a escrita que nos apresenta é escorreita, sadia, aliciante, bem estruturada, por vezes bem-humorada e até vernácula, em certo sentido. É de referir, em abono da verdade, que o Fonseca Alves conhece bem os meandros da literatura, sobretudo da poesia, sendo, aliás, declamador bem conhecido nos circuitos ligados às artes e ao teatro. Mas também, e no tocante à História, chegou a ter a seu cargo, penso que sobre a História Antiga, programas de apresentação semanal de larga audiência, em algumas rádios locais do Norte. Portanto, este livro que ora sai, pese embora a temática específica da guerra, é sem dúvida um trabalho bem estruturado de um ponto de vista formal, mas também semântico, sintáctico e, até, estilístico-literário (…)” – Assim, textualmente… Para quê inventar, se nos revemos nas palavras do prefaciador?
Mesmo assim, que nos perdoem o autor e o prefaciador, não queríamos deixar de arriscar uma “leitura pessoal”, assente na nossa sensibilidade estética, revestida de uma humildade calma e prudente, numa tentativa de equilíbrio e bom senso, por forma a não cairmos na “presunção” de nos alvorarmos em crítico literário. Nesse sentido, atrevemo-nos a afirmar que estamos perante uma obra magnífica, realista, sem distorções, dissimulações ou falsos heroísmos, o que nos leva a emprestar-lhe as palavras de Amadeu Torres (Castro Gil), a propósito do nosso “Chamaram-me Muxicongo”, porque bem lhe assenta como uma luva: “Não foi, com efeito, o desejo de agradar que lhe moveu a pena, até porque algumas verdades podem amargar. Escreveu, sim, para o mundo, para a história. São estas abordagens que possibilitarão um dia as grandes visões de conjunto, nas quais a imparcialidade e objectividade ressaltarão finalmente por sobre todas as ambiguidades e desmemórias que teimam ainda impor-se-nos ou impingir-nos”, da África minada pelas intrigas e interesses ocultos de países hipocritamente amigos, e da “parafernália militar fornecida por aqueles cujos tiranetes disfarçados de vendedores de banha de cobra pretenderam submeter o mundo às super-ditaduras” – aqueles soldados negrilhos, que não desertaram quando o podiam ter feito, mantiveram-se fidelíssimos nas fileiras do Exército Português, porque enquanto portugueses de Moçambique, mais patriotas do que alguns da Metrópole, quiseram servir uma África Lusíada, um Portugal de Portugal (p. 29) –, bem visíveis nos tempos que correm, diremos nós.


Este livro descreve de uma forma tão genuína, diríamos até peculiar, lugares, cheiros, trilhos de picadas, matizes de amarelo e verde do capim, as lonjuras do planalto, a aurora a raiar até ao crepuscular vespertino, estádios psicológicos de patriotismo, refractários e desertores, o sentido do dever cumprido, comprometedoras condutas, sentidos bem apurados, indícios de fanfarronice, silêncios aterradores, copiosas chuveiradas debaixo do bidão, concomitância sonora de granadas, sensibilidade no gatilho, voos de reconhecimento, presteza e determinação à voz do comando, soldados desfalecentes e espojados no solo, ataques a aquartelamentos, estar no mato e bater-se com denodo e portuguesismo, falsos conceitos de valores e hodiernos heroísmos, missões extremamente arriscadas e quase infactíveis nos matos agrestes, guerra selvosa e vulpina onde não se distingue o trivial quotidiano, a distribuição de um quarto de casqueiro com chouriço (divinal, enlatado e conservado em azeite, que ainda hoje faria sorrir muitas famílias), a suplicação a Nossa Senhora dos Aflitos, etc., etc., complexo lexical em que devíamos, de contínuo, ter usado aspas, visto que extraído dos textos. Nada aqui é inventado.
Um bem-haja para a editora e para o bom amigo Fonseca Alves, pelo testemunho dado em prol do verdadeiro curso da História.

Nota máxima!            

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