“Os
crentes de todas as religiões, junto com os homens de boa vontade, abandonando
qualquer forma de intolerância e discriminação, estão convocados a construir a
paz”.
João Paulo II
O título desta nossa
crónica remete-nos para um desafio lançado, aquando das nossas vivências
académicas, a propósito de um Simpósio sobre Filosofias Orientais, condimentado
com o contraditório de alguns participantes que colocavam a inexistência do
conceito filosófico em Zoroastro ou mesmo em Santo Agostinho, sendo que deste
último, alguns teimam em o acantonar, nomeadamente nas prateleiras das
bibliotecas, na área da religião, quando «A Cidade de Deus» é um verdadeiro
tratado filosófico: A respeito dos
deuses, há quem julgue que uns são bons e outros maus. Mas há quem, fazendo
deles o melhor conceito, lhes atribua honra e glória tais que não se atreve a
pensar que haja algum deus mau. Mas os que afirmaram que havia deuses bons e
deuses maus, também aos demónios deram nome de deuses; e às vezes, embora
raramente, também deram o nome de demónios aos deuses – reconhecendo que o
próprio Júpiter, de quem eles fazem o rei e chefe dos outros deuses, foi
alcunhado de demónio por Homero. – citamos do filósofo santo. E
questiona-se Santo Agostinho se entre os demónios, que são inferiores aos
deuses, haverá alguns bons sob cuja protecção possa a alma humana alcançar a
verdadeira felicidade?
Mas, voltando ao nosso
raciocínio “percurso-titular”, teremos em dizer que Zoroastro (ou Zaratustra),
reformador do masdeísmo – terá sido a religião dos Persas a partir da época dos
Arqueménidas até à queda dos Sassânidas (651 a.C.), que recebe também o nome de
Zoroastrismo –, foi considerado um profeta misterioso ou mago, segundo a
acepção oriental, tendo apregoado o dualismo dos princípios do bem e do mal
compreendidos num Deus único.
Ao contrário do
bramanismo, as comunidades de Jina (Jainismo) e do Buda (Budismo), por exemplo,
sendo irmãs na sua concepção, dado terem nascido no mesmo meio geográfico e
social – daí, o paralelismo vivencial – parece terem sido constituídas sobre
uma certa influência da reforma iraniana, instaurada por Zoroastro, idênticas
no repúdio dos cultos rituais, manifestando-se apenas a preocupação de luz e de
pureza. Numa delas, existe mesmo uma liberdade quase total em relação à
tradição védica.
O paralelismo com a
comunidade – sendo que alguém a denomina de seita – de Zoroastro, espelha-se na
iniciativa inteiramente humana. A única diferença é que, enquanto Zoroastro se
apresenta como porta-voz de um deus, Jina e Buda se apresentam como guias, e
não deuses, semi-deuses ou mesmo profetas, quando nos é dado saber que a função
de Zoroastro era claramente definida: é aquele que vem anunciar o super-homem e
o eterno retorno – «O homem foi feito para ser ultrapassado» e «o curso do
mundo não se dirige para nenhum fim: retorna incessantemente para si próprio
como se fosse um jogo gratuito».
Outro facto relevante
da influência de ideias zoroastrianas, reporta-nos a três anos após a sua morte
(541 a.C.), quando o Rei Persa Ciro capturou a Babilónia, incorporando-a no
Império Persa. Foi nessa altura que se tornou possível aos exilados judeus o
seu regresso, espaço de tempo em que, circunstancialmente, o ensinamento
religioso e filosófico de Zaratustra exercera uma ampla influência na Pérsia, a
ponto dos exilados judeus terem ficado profundamente impregnados pelas suas
ideias. E aqui, teremos que ter em conta que a Pérsia era o verdadeiro Médio
Oriente, o ponto de encontro entre o oriente e o ocidente. Não é por acaso que
foi precisamente no Médio Oriente que três grandes religiões monoteístas
mundiais tiveram início: o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
Nietzsche, numa das
suas obras mais famosas, «Assim falava Zaratustra» – …Ele desceu da montanha e, falando ao povo, disse – Anuncio-vos o
Super-Homem, Aquele que há-de dominar a Terra –, tenta retomar o conceito
zoroastriano do dualismo dos princípios do bem e do mal compreendidos num Deus
único, situando-o, no entanto «para além do bem e do mal». De facto, na vasta
produção literária de Nietzsche, este poema filosófico, na figura de
Zaratustra, é geralmente considerado como obra fundamental para qualificar a
complexa personalidade do apaixonado filósofo. Os princípios de um
nietzschiano, como alguém aventaria, "encontram aqui, mais do que em qualquer
outra obra, a sua expressão num estilo vigoroso que ora lembra a solenidade dos
profetas bíblicos, ora recorda a contundência cáustica e a mordacidade dos
enciclopedistas". Nietzsche pensava que este livro seria eminentemente
importante para a humanidade.
Nestes tempos
conturbados em que vivemos, onde deuses feitos demónios e demónios feitos
deuses partilham do mesmo espaço, e são tronco do mesmo tronco, a luta pelos
estados, na figura do monoteísmo tripartido (Judaísmo, Cristianismo e
Islamismo), através da violência e da morte em muito vem contrair o pensamento
de Zaratustra: Mas como poderá morrer a
tempo aquele que nunca viveu a tempo? Mais valera que nunca tivesse nascido! É
o conselho que dou aos que estão a mais – reflexão necessária quando alguém
reclama por um Estado religioso-monoteísta, degolando inocentes e ameaçando
pacifistas.
E, tal como Zaratustra, também nós entramos em nós próprios e
tornamo-nos a sentar na enorme pedra, reflectindo e questionando: Estado de
quê? Guerra Santa de demónios ou de deuses? Homens superiores em quê? – E acredita-me, caro tumulto infernal! Os
maiores acontecimentos não são as nossas horas mais barulhentas, mas os nossos
instantes mais silenciosos (…) E acrescento ainda para os destruidores de
colunas: não há maior loucura que deitar sal no mar e colunas no lodo… –
assim falou Zaratustra!
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