Saturday, May 30, 2015

Hermenêutica como programa filosófico!...

«A hermenêutica não é só uma mera técnica auxiliar para o estudo da história da literatura e em geral das ciências do espírito: é o método igualmente afastado da arbitrariedade interpretativa romântica e da redução naturalista, que permite fundamentar a validez universal da interpretação histórica.»

José Ferrater Mora

Muito se fala do termo Hermenêutica, tomando por base a distinção criada por Dilthey entre «ciências da natureza» e «ciências do espírito», e entre «explicar» e «compreender», levando a que muitos chamem a si o sentido único de estabelecerem os factos, interpretando de seguida o sentido das intenções ou das acções, como é o caso das «ciências humanas», de que é exemplo a História. E isso não é assim tão linear.  
O termo Hermenêutica, tal como presentemente o conhecemos, foi cunhado nos tempos modernos. Aparece, pela primeira vez, como título de livro em J. K. Dannhauer. De facto, o iluminista e teólogo luterano Johann Konrad Dannhauer foi aquele que utilizou pela primeira vez a palavra hermenêutica (1654), devidamente documentada através do seu livro «Hermenêutica Sacra», entendida como uma técnica destinada ao comentário dos textos sagrados, procurando utilizar as hermenêuticas como ciência. Desde então, a Hermenêutica ramificou-se em filológica-teológica e jurídica.
Depois de algumas mudanças e flutuações, o termo foi adoptado no séc. XIX (romantismo), por Schleiermacher com o intuito puramente filosófico. Assim, o projecto de Friedrich Schleiermacher, cujo objectivo principal foi o de unir as hermenêuticas – sendo que a unificação das hermenêuticas não significaria a reorganização de regras, mas com o destacar a problemática filosófica que subjaz a todas as hermenêuticas –, disciplina que consideraria auxiliar a outros saberes, vai no sentido de tentar tornar a Hermenêutica numa disciplina filosófica autónoma, tendo em conta que – para aquele teólogo e filósofo alemão – a interpretação é um modo de ser do homem. Ou seja, um modelo capaz de dar conta do homem.


É notória a influência de Platão, Espinosa e Kant em Schleiermacher, cuja filosofia procurou explicar de um ponto de vista simultaneamente realista e idealista, pelo que a sua posição própria tem sido designada como ideal-realismo. Para Schleiermacher, a Hermenêutica não visava o saber teórico, mas sim o uso prático, isto é, a técnica da boa interpretação de um texto. Tratava-se da «Compreensão», que se haveria de tornar no conceito básico e/ou principal finalidade da Hermenêutica. Compreender espelhar-se-ia na apreensão do pensamento numa expressão, captando a intenção de alguém, linguisticamente. No fundo, há compreensão onde há expressão de pensamento. A compreensão acontece, independentemente de haver escrita ou fala. Até o escritor sagrado suscita compreensão. Schleiermacher definiria assim a Hermenêutica como a “reconstrução histórica e divinatória, objectiva e subjectiva, de um dado discurso”.
Falando agora da «Compreensão», podemos afirmá-la como inversão da retórica. Mas, dentro da compreensão, temos que ter em linha de conta quatro “postulados”: Mal-entendido – para um romântico a compreensão tem que contar com o mal-entendido. O mal-entendido é inevitável, dado que ao lermos um texto corremos o risco de enfrentarmos o mal-entendido; Discurso – mediação com vista à comunidade do pensamento. Uma língua comum a todos; Estilo – marca pessoal que o autor imprime numa língua que é comum. Ou seja, o tratamento que o autor dá à língua, imprimindo-lhe o seu estilo próprio; Reconstrução – A compreensão pretende reconstruir o pensamento do autor. Assim, compreender é reconstruir, compreender o autor melhor que ele mesmo. O autor criou inconscientemente, o leitor sabe sempre mais, quando munido da interpretação gramatical e da interpretação técnica ou psicológica. Na interpretação gramatical (Língua), o importante é captar o sentido do discurso em função da língua, com as suas regras, o seu vocabulário que aí estão antes do autor. Estudar o discurso assente em regras. É o próprio Schleiermacher que afirma que a linguagem é a única coisa que se pode colocar na Hermenêutica. Quanto à interpretação técnica ou psicológica (interior), esta vai ao encontro do pensamento e interioridade do autor. Olha para o discurso como produção de um pensamento (generalidade do autor).
Outro dos pontos abordados seria o dos métodos «Comparativo» e «Divinatório». Dentro das metodologias comparativas estabelece-se a relação entre o todo e a parte e nas divinatórias faz-se uma apreensão intuitiva de uma tese. Mas como a própria noção de interpretação não é una como a sua metódica é diferente e inspirada pelos mais díspares pressupostos e se encontra enredada nas mais antagónicas malhas do «Círculo Hermenêutico», é necessário instituir uma teoria global da interpretação, para se compreender o todo tem que se compreender a parte, e vice-versa. O saber do ser finito do homem não pode ser linear, mas circular ou espiral. Em suma, o «Círculo Hermenêutico» não é um círculo vicioso.
Por fim, ao abordarmos a Subtilitas Intelligendi, significa que Schleiermacher reduz o objectivo da Hermenêutica à finura da inteligibilidade, que o mesmo será dizer, deve-se conhecer aquilo que se interpreta. Ler e interpretar não é só conhecer o autor, mas também a forma de aplicar isso ao nosso «eu», aqui e agora, o outro modo de conhecer o homem. No fundo, uma boa «Chave Hermenêutica» pode impedir uma guerra.   
Perante o exposto apraz-nos registar a importância da Hermenêutica no campo filosófico. Se recuarmos à antiguidade, nomeadamente à Grécia Antiga, este termo exprimia a compreensão e a exposição de uma sentença dos “deuses”, revestidas pela necessidade de um interpretação para ser apreendida correctamente. Nos séculos XVII e XVIII, assistimos ao uso do termo no sentido de uma interpretação correcta e objectiva das Sagradas Escrituras, até que, no séc. XIX, Friedrich Schleiermacher se propôs em unir as hermenêuticas, e através dessa unificação tornar a Hermenêutica numa disciplina filosófica autónoma, fazendo da interpretação um modo de ser do homem.
Surgindo como proposta do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, a «Hermenêutica Filosófica» acaba por vincular a existência à necessária e constante interpretação, cujo fenómeno da compreensão – ao ter um alcance universal – se afirma como um fenómeno existencial básico. Daí, a extraordinária importância da Hermenêutica no contexto da existência humana.
          Pena é que alguns assim não o entendam!

No comments: