«A hermenêutica não é só uma mera técnica
auxiliar para o estudo da história da literatura e em geral das ciências do
espírito: é o método igualmente afastado da arbitrariedade interpretativa
romântica e da redução naturalista, que permite fundamentar a validez universal
da interpretação histórica.»
José Ferrater Mora
Muito se fala do termo Hermenêutica,
tomando por base a distinção criada por Dilthey entre «ciências da natureza» e
«ciências do espírito», e entre «explicar» e «compreender», levando a que
muitos chamem a si o sentido único de estabelecerem os factos, interpretando de
seguida o sentido das intenções ou das acções, como é o caso das «ciências
humanas», de que é exemplo a História. E isso não é assim tão linear.
O termo Hermenêutica, tal
como presentemente o conhecemos, foi cunhado nos tempos modernos. Aparece, pela
primeira vez, como título de livro em J. K. Dannhauer. De facto, o iluminista e
teólogo luterano Johann Konrad Dannhauer foi aquele que utilizou pela primeira
vez a palavra hermenêutica (1654), devidamente documentada através do seu livro
«Hermenêutica Sacra», entendida como uma técnica destinada ao comentário dos
textos sagrados, procurando utilizar as hermenêuticas como ciência. Desde
então, a Hermenêutica ramificou-se em filológica-teológica e jurídica.
Depois de algumas
mudanças e flutuações, o termo foi adoptado no séc. XIX (romantismo), por
Schleiermacher com o intuito puramente filosófico. Assim, o projecto de
Friedrich Schleiermacher, cujo objectivo principal foi o de unir as
hermenêuticas – sendo que a unificação das hermenêuticas não significaria a
reorganização de regras, mas com o destacar a problemática filosófica que
subjaz a todas as hermenêuticas –, disciplina que consideraria auxiliar a
outros saberes, vai no sentido de tentar tornar a Hermenêutica numa disciplina
filosófica autónoma, tendo em conta que – para aquele teólogo e filósofo alemão
– a interpretação é um modo de ser do homem. Ou seja, um modelo capaz de dar
conta do homem.
É notória a influência
de Platão, Espinosa e Kant em Schleiermacher, cuja filosofia procurou explicar
de um ponto de vista simultaneamente realista e idealista, pelo que a sua
posição própria tem sido designada como ideal-realismo. Para Schleiermacher, a
Hermenêutica não visava o saber teórico, mas sim o uso prático, isto é, a
técnica da boa interpretação de um texto. Tratava-se da «Compreensão», que se
haveria de tornar no conceito básico e/ou principal finalidade da Hermenêutica.
Compreender espelhar-se-ia na apreensão do pensamento numa expressão, captando
a intenção de alguém, linguisticamente. No fundo, há compreensão onde há
expressão de pensamento. A compreensão acontece, independentemente de haver
escrita ou fala. Até o escritor sagrado suscita compreensão. Schleiermacher
definiria assim a Hermenêutica como a “reconstrução histórica e divinatória,
objectiva e subjectiva, de um dado discurso”.
Falando agora da «Compreensão»,
podemos afirmá-la como inversão da retórica. Mas, dentro da compreensão, temos
que ter em linha de conta quatro “postulados”: Mal-entendido – para um romântico a compreensão tem que contar com
o mal-entendido. O mal-entendido é inevitável, dado que ao lermos um texto
corremos o risco de enfrentarmos o mal-entendido; Discurso – mediação com vista à comunidade do pensamento. Uma
língua comum a todos; Estilo – marca
pessoal que o autor imprime numa língua que é comum. Ou seja, o tratamento que
o autor dá à língua, imprimindo-lhe o seu estilo próprio; Reconstrução – A compreensão pretende reconstruir o pensamento do
autor. Assim, compreender é reconstruir, compreender o autor melhor que ele
mesmo. O autor criou inconscientemente, o leitor sabe sempre mais, quando munido
da interpretação gramatical e da interpretação técnica ou psicológica. Na
interpretação gramatical (Língua), o importante é captar o sentido do discurso
em função da língua, com as suas regras, o seu vocabulário que aí estão antes
do autor. Estudar o discurso assente em regras. É o próprio Schleiermacher que
afirma que a linguagem é a única coisa que se pode colocar na Hermenêutica.
Quanto à interpretação técnica ou psicológica (interior), esta vai ao encontro
do pensamento e interioridade do autor. Olha para o discurso como produção de
um pensamento (generalidade do autor).
Outro dos pontos
abordados seria o dos métodos «Comparativo» e «Divinatório». Dentro das
metodologias comparativas estabelece-se a relação entre o todo e a parte e nas
divinatórias faz-se uma apreensão intuitiva de uma tese. Mas como a própria
noção de interpretação não é una como a sua metódica é diferente e inspirada
pelos mais díspares pressupostos e se encontra enredada nas mais antagónicas
malhas do «Círculo Hermenêutico», é necessário instituir uma teoria global da
interpretação, para se compreender o todo tem que se compreender a parte, e
vice-versa. O saber do ser finito do homem não pode ser linear, mas circular ou
espiral. Em suma, o «Círculo Hermenêutico» não é um círculo vicioso.
Por fim, ao abordarmos
a Subtilitas Intelligendi, significa
que Schleiermacher reduz o objectivo da Hermenêutica à finura da
inteligibilidade, que o mesmo será dizer, deve-se conhecer aquilo que se
interpreta. Ler e interpretar não é só conhecer o autor, mas também a forma de
aplicar isso ao nosso «eu», aqui e agora, o outro modo de conhecer o homem. No
fundo, uma boa «Chave Hermenêutica» pode impedir uma guerra.
Perante o exposto
apraz-nos registar a importância da Hermenêutica no campo filosófico. Se
recuarmos à antiguidade, nomeadamente à Grécia Antiga, este termo exprimia a
compreensão e a exposição de uma sentença dos “deuses”, revestidas pela
necessidade de um interpretação para ser apreendida correctamente. Nos séculos
XVII e XVIII, assistimos ao uso do termo no sentido de uma interpretação
correcta e objectiva das Sagradas Escrituras, até que, no séc. XIX, Friedrich
Schleiermacher se propôs em unir as hermenêuticas, e através dessa unificação
tornar a Hermenêutica numa disciplina filosófica autónoma, fazendo da
interpretação um modo de ser do homem.
Surgindo como proposta
do filósofo alemão Hans-Georg Gadamer, a «Hermenêutica Filosófica» acaba por
vincular a existência à necessária e constante interpretação, cujo fenómeno da
compreensão – ao ter um alcance universal – se afirma como um fenómeno
existencial básico. Daí, a extraordinária importância da Hermenêutica no
contexto da existência humana.
Pena é que alguns assim não o entendam!
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