“Família
é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um
problema – principalmente no Natal e no Ano Novo. Pouco importa a qualidade da
panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência”
Francisco Azevedo
No pretérito dia 25 de
Outubro (Sexta-feira), tendo como cenário a Sala Couto Viana, da Biblioteca
Pública Municipal de Viana do Castelo, foi lançado oficialmente em Portugal o
primeiro romance (Arroz de Palma) do
escritor, dramaturgo, guionista cinematográfico, poeta e ex-diplomata
brasileiro (com ancestralidade vianense) Francisco Azevedo, nascido na cidade
do Rio de Janeiro, a 23 de Fevereiro de 1951. Com duas irmãs mais velhas e dois
irmãos mais novos, é o terceiro dos cinco filhos de Orlando Azevedo e Maria do
Carmo Vellozo Azevedo. Segundo Francisco
Azevedo, por meio de amoroso acerto familiar e pela generosidade de seus pais,
foi criado e formado por sua avó materna. Para ele, “uma bênção, uma dádiva:
nosso quotidiano, nossas conversas intermináveis, nossos medos confessados,
nossa cumplicidade. Ela e sua sabedoria, sua paciência, seu senso de justiça.
Eu e meus questionamentos, minhas inquietações, minhas opiniões radicais. Em
1966, viajamos pela Europa. Quatro meses de muito aprendizado e belas
descobertas. Moramos juntos desde que nasci até o dia de sua morte, em 26 de Janeiro
de 1974. Em Novembro do mesmo ano, já como diplomata, saí do Rio de Janeiro
para viver em Brasília e depois no exterior. Quis, assim, o destino, que minha
avó se despedisse de mim antes que eu a deixasse. Em sua súbita partida, vi
novamente uma bênção, uma dádiva” – citamos. Em síntese – e por forma a não nos
alongarmos em demasia pela sua biobibliografia, que no dia da apresentação,
seria muito bem explanada pelo director da Biblioteca e nosso particular amigo,
Rui A. Faria Viana –, diremos que para além de livros e peças de teatro,
Francisco Azevedo já escreveu para mais de 250 produções, incluindo roteiros de
longa e curta-metragem, documentários premiados e anúncios para televisão,
acrescendo ao facto do nosso orgulho, enquanto vianenses, do mesmo ter a sua
ancestralidade na terra que nos viu nascer: «Sim, sou eu mesmo, António. O filho mais velho de José Custódio e Maria
Romana. Meus pais nasceram em Viana do Castelo, norte de Portugal. E lá se
casaram, em 11 de Julho de 1908, debaixo de abençoada chuva de arroz…». E
assim, o arroz é um dos protagonistas deste maravilhoso romance, que nos
pretende (de uma forma bem conseguida) retratar a imigração portuguesa no
Brasil, no séc. XX, com a incidência sobre a saga de uma família vianense em
busca de um futuro melhor.
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Mesa de «À Conversa com... Francisco Azevedo»: Luís Miguel Rocha, Francisco Azevedo e Rui A. Faria Viana. |
De facto, o arroz
percorre todo romance: «Mas Tia Palma permanece
ali, os olhos fixos no arroz espalhado pelo adro da igreja. Para ela, aquele
extenso croché branco e granulado não é exemplo de desperdício, mas de
generosidade. Trabalho colectivo feito à mão. Prova concreta de que o bruto e
insensível ser humano, mesmo que por alguns instantes, também conhece a
delicadeza e a poesia. Entusiasmada, se põe a juntar todo o arroz. Não deixa
sobre as pedras um só grão…» – levando a que a Tia Palma passasse a ser a
segunda protagonista do romance. Daí, ARROZ DE PALMA exprimir o sentido da
família como um prato de complexa elaboração, quando a mesma Tia Palma se
alegra com os 12 quilos de arroz recolhidos no adro da igreja e os oferece como
prenda de casamento a seu irmão José Custódio e à sua querida cunhada Maria
Romana. No cartão, com inteligência e má caligrafia, escreve: «Este arroz – plantado na terra, caído do céu
como o maná do deserto e colhido da pedra – é símbolo de fertilidade e eterno
amor. Esta é a minha bênção. / Palma. / Viana do Castelo, em 11 de Julho de 1908».
Mesmo que José Custódio achasse absurdo o presente, o mesmo os acompanharia até
ao epílogo das histórias deste romance, condimentadas com “uns poucos retratos
e receitas [cronologicamente firmadas de 1908 a 2008] caseiras”: «Família é prato que, quando se acaba, nunca
mais se repete».
Não sendo nosso
propósito minuciar todo o trama deste magnífico romance – seria uma propositada
“traição” ao autor e aos seus eventuais leitores –, apenas queremos realçar
alguns dos aspectos – bem vincados pelo bom amigo e extraordinário escritor/vaticanista
Luís Miguel Rocha, na qualidade de apresentador da obra –, que passam pelo
peculiar sentido de humor (tal como o arroz – Mamãe não se intimida. É verdade atrás de outra. O arroz trazido para o
Brasil no oratório… –, percorre todo romance) de Francisco Azevedo e da sua
expressividade sentida de humanista, quiçá fruto da sua experiência
diplomática: «Acredito no diálogo. Sempre
acreditei. Mesmo no mais duro, no mais áspero, ponho a minha fé. Na busca
sincera do entendimento ou do convencimento, admiro as falas de cada um. A
palavra certa no momento exacto, o xeque-mate. Ou o discurso equivocado, mas
cheio de verdadeira paixão. O falar pausado ou o desmedir a voz. O adicionar o
choro, o recorrer ao berro…». Para Francisco Azevedo, até o chutar de um
balde poderá fazer parte do diálogo, permitindo, às vezes, que a “conversa vá
adiante”. Glosamos com as alegorias, quais receitas onde a qualidade da panela
pouco importa – «…fazer uma família exige
coragem, devoção e paciência…» –, degustando cozinhados, por vezes poético-eróticos:
«Isabel promete que, depois do banho, faz
uma comidinha gostosa com o que veio da fazenda. Daí toma a coragem e encontra
os lençóis, arruma a cama. Isso sim lhe parece romântico. Não o colchão à mostra
e nós dois, roupa do corpo, estirados nele de qualquer maneira a nos
desabotoarmos, precoces e atabalhoados, sem nenhum mistério, sem um mínimo
cuidado. Que poesia? Ela pede resposta. Que poesia? Instinto, desejo, paixão
incontida, pode ser. Mas poesia?! Onde?!…» ou filosofando à volta dos
sagrados rituais: «Quero distância de
religiões, mas respeito rituais. Influência de Tia Palma, admito. Meu café da
manhã é sagrado. O ritual é sempre o mesmo: a hora, a xícara, o pôr o leite
primeiro, o escurece-lo depois no ponto certo, o abrir o pão, o tirar o miolo…»,
etc., etc… Neste romance “o sangue português bate forte” e “feijão com arroz e
café com leite são combinações perfeitas”. Bem, fiquemos por aqui. Compete aos
eventuais – futuros – leitores experimentarem e interpretarem os truques, os
segredos, o imprevisível em Arroz de
Palma.
Um livro e um autor a reter. Nota máxima para os dois!
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