“Talvez
seja a Poesia – enquanto Partilha – palavra-chave, para sabermos ser
contemporâneos, com as asas possíveis da Liberdade!”
Francisco Carneiro Fernandes
Foi com o maior orgulho
e satisfação que fizemos a apresentação pública do mais recente trabalho em
poesia (Janelas da Minha Alma) do
nosso bom amigo e velho companheiro das lides laborais e literárias Francisco
Carneiro Fernandes, ilustre geógrafo, escritor e poeta vianense, nascido em
1953, no lugar mater da nossa
“Princesa do Lima”, Santa Maria Maior.
Como fizemos questão de
salientar no dia do lançamento (23 de Novembro), «Nas Janelas da Minha Alma»
(Rio Tinto: Mosaico de Palavras Editora), as palavras amoldam-se ao dizer e
praticar em Francisco Carneiro Fernandes: “Talvez seja a Poesia – enquanto
Partilha – palavra-chave, para sabermos ser contemporâneos, com as asas
possíveis da Liberdade!”, palavras essas que se ajustam (Partilha e Liberdade),
também, ao nosso “estádio terráqueo” ou civilizacional: a nossa relação com os
outros, condimentada pelo direito à Liberdade de cada um, a verdadeira
expressão política que Agostinho da Silva reconhece como «um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que
deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a
ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca, após uma luta de que a
não interessam nem dificuldades nem extensão». E «Nas Janelas da Minha Alma», vai precisamente nesse sentido.
Já uma vez aprendemos
com o seu excelso pai, o inesquecível Filipe Fernandes, que não é poeta quem
quer, sendo necessário para o ser, a sensibilidade para apreender, observar,
sentir e criticar, mesmo que as vezes o façamos de maneira irónica, subtil,
outras de forma satírica e causticante. Senão, vejamos o que Francisco Carneiro
Fernandes partilha connosco, em jeito de nota introdutória ao «Nas Janelas da Minha Alma», citando
Oscar Niemeyer: «O que me atrai é a curva
livre e sensual. A curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso
sinuoso dos seus rios, nas nuvens do céu, no corpo da mulher preferida. De
curvas é feito todo o universo. O universo curvo de Einstein».
Desenganem-se aqueles que procuram “curvas de carácter” na poesia de Francisco
Carneiro Fernandes, dado que aqui «há
limas e limões em verdes tons / fora das convenções. / E laranjas / no
parapeito das mansardas!» e onde «é
urgente Ser Poeta / na partilha da mensagem: / plasmando / teares abandonados /
políticas de terra queimada / veios das redes cortados / estaleiros sem fábrica
/ alfaias / engolidas pelas máquinas e pelos medos!...», quiçá irradiado
pelo espírito luminoso de seu pai: «Pai,
hoje fazes anos!... Bem sabias / quão sérios eram, tristes e tão breves / esses
dias… Por isso, colorias, num rol de filhos, cânticos alegres!» e seu
ascendente «Mendes Carneiro, voz
esclarecida / em tanta justa causa social: / do Belo, do Amor, do Bem da Vida,
/ Pátria de Avô e Neto fraternal…».
Neste maravilhoso livro
de poesia há memórias e eternidades comuns a cada um de nós, trazidas do MAR –
qual poética das caravelas e silêncio das estrelas, se abrirá ao luar da serra!
–, poema com que abre o «idílio montanha
acima / partilhar o disco de vinil, / do verde pinho, da luz infinda / a ver o
mar / no jardim do teu olhar…»; desafios possibilitados pela viajem (ou
forma de viajar) para além dos espelhos, aprendendo a regressar à luz solar;
esotéricas aberturas de janelas ao luar (memória do tempo que está para nos
tempos em Inez dos Anjos Hortel), maravilhoso soneto arrancado ao sótão da sua
alma de criança: «Já passaram cem anos,
minha Avó! / O fruto do Amor, que foi meu Pai, / a Luz do vosso olhar, por
estar só…»; melodias crepusculares em fim de tarde: «Piano, balada-sonata / de embalo e delicadeza. E a chuva forte a
anunciar / variações de ouro e prata / em chama acesa»; rasgar de papéis da
memória, quebrando um bisel do espelho, enquanto sonha acordado: «É a mocidade que passa / através da vidraça…
/ Leva no peito a viola / e a guitarra em pensamento»; olhar atento àquilo
que o aflige, mesmo enquanto geógrafo: «País
rectangular só tem nariz… / Morre o pulmão das aldeias, / sangra o coração das
cidades / e o fígado nas tabernas! / É urgente Geografia / da paisagem
humanizada…»; falar mais do que muito ser humano «por fora pintado, vazio por dentro!»; respirar dentro de si «flor que não mente / a do silvado / sem flor
mas sempre verde…»; sopro de incompletude no coração da humanidade; Pomba
Branca «a canção de embalar que tu cantavas
(…) é mar do teu olhar!»; dia de Aniversário, presente e passado, restando
«um fio de azeite / no aparador da
Saudade!...»; Rainha da Paz em manto de linho alvo, azul-escuro do mar
profundo, roxo da compaixão no declinar da tarde, Rosário às nossas preces no
mês de Maio; Magia de Criança, sendo «contemporâneo
/ da existência já vivida e por viver».
Na poesia de Francisco
Carneiro Fernandes há ainda relógios indiferentes ao bater da hora; carruagens
do tempo; penumbras e silêncios com asas da liberdade: «E guardo, / para sempre, / a imagem da tua voz ausente… / Silêncios e
pausas, / em linhas abertas / nas Janelas da Minha Alma!»; agridoces
nostalgias; poemas como cerejas; sorriso das palavras; espelhos e janelas;
essências da existência terrena; sorrisos campestres; sem-abrigo: «Mais sensato que o novo-rico / de umbigo
metido pra dentro / a gastar a tripa forra / o que não lhe pertence, /
depositaste quase tudo no fiel proprietário / depois de pedires uma bebida
quente»; o Manel da Praça: «O
filósofo da juventude não era ele / era muita gente e não era ninguém!»
(bela definição, que para ser sentido e fazer sentido, o poema terá que ser
lido na íntegra); a Feira da sua infância, quais recordações trazidas até nós
através deste extraordinário poeta memorialista: «Na feira da minha infância / a noite irradia clara… / E contagia o
comércio de bairro / com conta, peso e medida, / que apurava nesse dia a vida /
duma semana de trabalho!»; a bicicleta que já foi moderna «e fazia escola, quando a malta partilhava
quartos de hora, / aprendendo a subir os degraus da vida / na cidade ou na
aldeia mais remota»; os brinquedos, qual avião azul, escondido algures no
sótão, ou na cave, que «de vez em quando
sai do armário / e acorda-me a voar…», etc., etc.
Como corolário deste
nosso modesto contributo/partilha, tomaremos como nossas as palavras do
escritor e poeta Fernando Melim, em prefácio ao livro «Olhares», de Francisco
Carneiro Fernandes: «A linha mestra da
Poesia mergulha fundo nas raízes da saudade. Também este poeta, esta poesia, se
enleiam no espaço imenso, feito de dias e de permutas, de sonhos e de
esperanças, de alegrias e de medos, que se escoam por entre os dedos, de
mansinho, como um punhado de areia limpa e seca». De facto, o poeta
Francisco Carneiro Fernandes continua a mergulhar fundo nas raízes da saudade
em «instantes irrepetíveis, / eternidades
por descobrir… / A imensidão dos possíveis!».
Nas Janelas da Minha Alma, um
livro de poesia com nota máxima!
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