“Só
as almas fortes são susceptíveis de verdadeira ternura”
A. Vinet
Envoltos numa penumbra
triste e dilacerada, recebemos o eco, ora confirmado via telefone, com mais de uma
dezena de translações, plasmado na «Íbis» que havíamos fundado: «um dia eu deixarei de falar. / Deixarei de
ver, de ouvir, / um dia eu deixarei de amar. / E que será depois este corpo de
mulher?». Sentido, percepção, já há muito que Fina d’Armada nos alertava,
para aquilo que raramente vemos: «E então
debaixo de terra, / sem energia, inteligência, cabelos ruivos, / sem ele nas
mãos que agora achas belas, / eu serei talvez uma molécula, uma luz errante, /
serei anjo, serei alma, reencarnação, / serei um nome, húmus, refeição de
vermes / ou poderei vir a ser apenas pó. / Mas nunca serei, amor, a
eternidade!...». Catorze anos depois, a nossa Fina desencarnou,
deixando-nos órfãos, mas conscientes do eterno retorno. Mas quem era esta
MULHER que se dava pelo nome de Fina d’Armada?
Josefina Teresa
Fernandes Moreira, mais conhecida pelo pseudónimo de Fina d'Armada (pois é
assim que a tratam desde criança na sua Terra Natal), nasceu na Quinta
d'Armada, freguesia de Riba de Âncora, concelho de Caminha, distrito de Viana
do Castelo, em 9 de Abril de 1945, e faleceu em Rio Tinto, Gondomar, distrito
do Porto, em 7 de Março de 2014, vindo a repousar em Riba de Âncora (junto do
seu Claro Fângio), por ironia do destino, no dia seguinte (8), Dia Internacional da Mulher. Sétima
filha de um casal de proprietários agrícolas alto-minhotos, formou-se
inicialmente em professora primária, depois licenciou-se em História pela
Universidade do Porto. Foi professora de História e Português e, mesmo quando
aposentada do ensino, continuou de uma forma afincada a sua vida literária, sobretudo
na área da investigação.
Entre 1977-80, obteve
uma bolsa do Instituto Nacional de Investigação Científica para escrever A Mulher Portuguesa na Primeira República.
Com essa bolsa, conseguiu entrar nos Arquivos “Secretos” de Fátima. Dessa
investigação, resultaram seis livros sobre esse tema, quatro deles escritos em
parceria com o Joaquim Fernandes, professor na Universidade Fernando Pessoa,
publicados pela “Bertrand”, “Estampa” e “Ésquilo”. Os livros escritos com Joaquim
Fernandes estão traduzidos em inglês, espanhol e francês.
Ainda dentro do seu
curriculum académico, trabalhou num projecto europeu, subsidiado pela UE, que
envolveu quatro universidades da Europa (do Porto, de Cambridge, de Tessalónica
e Barcelona), em 199697. Foi convidada a integrar uma equipa pela Universidade
do Porto, no âmbito da Cidadania das Mulheres e Educação, por já ser conhecida
como investigadora na área da história das mulheres. Daí resultou o vídeo «Valores e Raízes – Educação e Cidadania das
Mulheres», em co-autoria sua e também da Professora Fernanda Henriques, da
Universidade de Évora, e da Professora Maria José Magalhães, da Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Como especialista
em História das Mulheres, participou também em acções de Formação de Docentes.
Extractos de seus artigos têm sido inseridos em manuais escolares de História e
Português, além de inclusão em teses.
Em 2003, concluiu o
mestrado em Estudos sobre as Mulheres, na Universidade Aberta. A tese para esse
mestrado foi publicada sob o título «Mulheres
Navegantes no Tempo de Vasco da Gama» (Ésquilo, 2006). Com esta obra foi
galardoada com o prémio “Mulher Investigação Carolina Michaëlis de Vasconcelos,
2005”.
Literariamente, iniciou
a publicação de artigos em Viana do Castelo, quando tinha 16 anos, no jornal “A
Aurora do Lima”. Entre 1969 e 1984, manteve uma crónica mais ou menos semanal
no Jornal de Notícias, Porto, e no Comércio do Porto entre 1987 e 1991 e depois
entre 1995-1999. Tem outras publicações em diferentes jornais e revistas, como
na revista do jornal “Expresso”, sobre “As Mulheres nas Descobertas”. Tem mais
1000 artigos catalogados, publicados em 38 periódicos nacionais e estrangeiros.
É autora de 13 obras
individuais e de 39 em co-autoria. Os temas dos seus trabalhos versam sobretudo
a temática feminista, fenomenologia, história das mulheres, descobrimentos e
história local. Em Gondomar, publicou em co-autoria, com outros autores do
concelho, Rio Tinto – Apontamentos monográficos
(1999), António de Sousa Neves
(1832-1908), em 2001, a Monografia da
Vila de Fânzeres (2005), Cinco
Enterros do João (2006). E numa editora de Gondomar, “Evolua”, publicou «O Livro Feminista de 1715 – O Primeiro Grito
Revolucionário».
No Natal de 2008,
publicou o romance «O Segredo da Rainha
Velha» (Ésquilo), que dizem ser o primeiro romance histórico escrito por
uma mulher portuguesa, e que tem sido o seu livro de mais sucesso e o mais
vendido. Baseia-se na história desconhecida da Infanta D. Beatriz, mãe do rei
D. Manuel I, que, como herdeira do Infante D. Henrique, dirigiu a Ordem de
Cristo e os descobrimentos. O “segredo” versa a hipótese de Cristóvão Colombo
ser português e enteado de D. Beatriz. Quando este livro saiu, Fina d’Armada
adoeceu seriamente. Mesmo assim continuou a escrever e a publicar. Além de
trabalhos em obras colectivas, como nos “Grandes Enigmas da História de
Portugal” ou na Revista “Estudos Regionais”, do Alto Minho, publicou “As
Mulheres na Implantação da República” (Ésquilo) e “Republicanas quase
Desconhecidas”, desta vez pelo “Círculo dos Leitores, Temas e Debates”, 2012.
Em Junho desse mesmo ano, o grupo “Impala”, juntamente com a revista VIP,
publicou três livros de Fina d’Armada: “Beatriz, a Mulher que Liderou os
Descobrimentos”, “Fátima e as Profecias de Nostradamus” e “Heroínas Portuguesas
– Mulheres que Enganaram o Poder e a História”.
Para além de
historiadora, Fina d’Armada foi cronista, poetisa e autora de vários prefácios.
Foi também autora de peças de teatro, já representadas, mas não publicadas. Na
vertente literária, integra a “Antologia de Poetas do Alto Minho”, o
“Dicionário de Mulheres Rebeldes”, o “Dicionário Antológico de Artes e Letras
de Gondomar”, e em Espanha, o “Dicionário Internacional de Arte e Literatura”,
bem como o de “Letras de Fronteira do Val do Miño Transfonteirizo”, de autores
minhotos e galegos.
Foi homenageada pela
UMAR, em Outubro de 2010, «por uma vida
inteira dedicada à causa das mulheres». Em 24 de Julho de 2010, a Câmara de
Caminha condecorou-a com a medalha de Mérito Dourada «por uma vida inteira dedicada às letras, às mulheres e à singularidade
de fazer a diferença».
Há uma frase de
Carolina Michaëlis que adoptou como sendo sua: «Eu não tenho biografia, passei
a vida a estudar». Por isso costumava parafrasear: «O meu curriculum é apenas o
produto dos meus estudos».
Mesmo que não
acreditasses, viverás eternamente nas nossas memórias… MULHER entre as
mulheres, como te apelidaria nossa “alma gémea”!
No comments:
Post a Comment