Saturday, March 15, 2014

Desencarnou a Fina d’Armada!..

“Só as almas fortes são susceptíveis de verdadeira ternura”

A.     Vinet

Envoltos numa penumbra triste e dilacerada, recebemos o eco, ora confirmado via telefone, com mais de uma dezena de translações, plasmado na «Íbis» que havíamos fundado: «um dia eu deixarei de falar. / Deixarei de ver, de ouvir, / um dia eu deixarei de amar. / E que será depois este corpo de mulher?». Sentido, percepção, já há muito que Fina d’Armada nos alertava, para aquilo que raramente vemos: «E então debaixo de terra, / sem energia, inteligência, cabelos ruivos, / sem ele nas mãos que agora achas belas, / eu serei talvez uma molécula, uma luz errante, / serei anjo, serei alma, reencarnação, / serei um nome, húmus, refeição de vermes / ou poderei vir a ser apenas pó. / Mas nunca serei, amor, a eternidade!...». Catorze anos depois, a nossa Fina desencarnou, deixando-nos órfãos, mas conscientes do eterno retorno. Mas quem era esta MULHER que se dava pelo nome de Fina d’Armada?  
Josefina Teresa Fernandes Moreira, mais conhecida pelo pseudónimo de Fina d'Armada (pois é assim que a tratam desde criança na sua Terra Natal), nasceu na Quinta d'Armada, freguesia de Riba de Âncora, concelho de Caminha, distrito de Viana do Castelo, em 9 de Abril de 1945, e faleceu em Rio Tinto, Gondomar, distrito do Porto, em 7 de Março de 2014, vindo a repousar em Riba de Âncora (junto do seu Claro Fângio), por ironia do destino, no dia seguinte (8), Dia Internacional da Mulher. Sétima filha de um casal de proprietários agrícolas alto-minhotos, formou-se inicialmente em professora primária, depois licenciou-se em História pela Universidade do Porto. Foi professora de História e Português e, mesmo quando aposentada do ensino, continuou de uma forma afincada a sua vida literária, sobretudo na área da investigação.


Entre 1977-80, obteve uma bolsa do Instituto Nacional de Investigação Científica para escrever A Mulher Portuguesa na Primeira República. Com essa bolsa, conseguiu entrar nos Arquivos “Secretos” de Fátima. Dessa investigação, resultaram seis livros sobre esse tema, quatro deles escritos em parceria com o Joaquim Fernandes, professor na Universidade Fernando Pessoa, publicados pela “Bertrand”, “Estampa” e “Ésquilo”. Os livros escritos com Joaquim Fernandes estão traduzidos em inglês, espanhol e francês.
Ainda dentro do seu curriculum académico, trabalhou num projecto europeu, subsidiado pela UE, que envolveu quatro universidades da Europa (do Porto, de Cambridge, de Tessalónica e Barcelona), em 1996­97. Foi convidada a integrar uma equipa pela Universidade do Porto, no âmbito da Cidadania das Mulheres e Educação, por já ser conhecida como investigadora na área da história das mulheres. Daí resultou o vídeo «Valores e Raízes – Educação e Cidadania das Mulheres», em co-autoria sua e também da Professora Fernanda Henriques, da Universidade de Évora, e da Professora Maria José Magalhães, da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Como especialista em História das Mulheres, participou também em acções de Formação de Docentes. Extractos de seus artigos têm sido inseridos em manuais escolares de História e Português, além de inclusão em teses.
Em 2003, concluiu o mestrado em Estudos sobre as Mulheres, na Universidade Aberta. A tese para esse mestrado foi publicada sob o título «Mulheres Navegantes no Tempo de Vasco da Gama» (Ésquilo, 2006). Com esta obra foi galardoada com o prémio “Mulher Investigação Carolina Michaëlis de Vasconcelos, 2005”.
Literariamente, iniciou a publicação de artigos em Viana do Castelo, quando tinha 16 anos, no jornal “A Aurora do Lima”. Entre 1969 e 1984, manteve uma crónica mais ou menos semanal no Jornal de Notícias, Porto, e no Comércio do Porto entre 1987 e 1991 e depois entre 1995-1999. Tem outras publicações em diferentes jornais e revistas, como na revista do jornal “Expresso”, sobre “As Mulheres nas Descobertas”. Tem mais 1000 artigos catalogados, publicados em 38 periódicos nacionais e estrangeiros.
É autora de 13 obras individuais e de 39 em co-autoria. Os temas dos seus trabalhos versam sobretudo a temática feminista, fenomenologia, história das mulheres, descobrimentos e história local. Em Gondomar, publicou em co-autoria, com outros autores do concelho, Rio Tinto – Apontamentos monográficos (1999), António de Sousa Neves (1832-1908), em 2001, a Monografia da Vila de Fânzeres (2005), Cinco Enterros do João (2006). E numa editora de Gondomar, “Evolua”, publicou «O Livro Feminista de 1715 – O Primeiro Grito Revolucionário».
No Natal de 2008, publicou o romance «O Segredo da Rainha Velha» (Ésquilo), que dizem ser o primeiro romance histórico escrito por uma mulher portuguesa, e que tem sido o seu livro de mais sucesso e o mais vendido. Baseia-se na história desconhecida da Infanta D. Beatriz, mãe do rei D. Manuel I, que, como herdeira do Infante D. Henrique, dirigiu a Ordem de Cristo e os descobrimentos. O “segredo” versa a hipótese de Cristóvão Colombo ser português e enteado de D. Beatriz. Quando este livro saiu, Fina d’Armada adoeceu seriamente. Mesmo assim continuou a escrever e a publicar. Além de trabalhos em obras colectivas, como nos “Grandes Enigmas da História de Portugal” ou na Revista “Estudos Regionais”, do Alto Minho, publicou “As Mulheres na Implantação da República” (Ésquilo) e “Republicanas quase Desconhecidas”, desta vez pelo “Círculo dos Leitores, Temas e Debates”, 2012. Em Junho desse mesmo ano, o grupo “Impala”, juntamente com a revista VIP, publicou três livros de Fina d’Armada: “Beatriz, a Mulher que Liderou os Descobrimentos”, “Fátima e as Profecias de Nostradamus” e “Heroínas Portuguesas – Mulheres que Enganaram o Poder e a História”.
Para além de historiadora, Fina d’Armada foi cronista, poetisa e autora de vários prefácios. Foi também autora de peças de teatro, já representadas, mas não publicadas. Na vertente literária, integra a “Antologia de Poetas do Alto Minho”, o “Dicionário de Mulheres Rebeldes”, o “Dicionário Antológico de Artes e Letras de Gondomar”, e em Espanha, o “Dicionário Internacional de Arte e Literatura”, bem como o de “Letras de Fronteira do Val do Miño Transfonteirizo”, de autores minhotos e galegos.
Foi homenageada pela UMAR, em Outubro de 2010, «por uma vida inteira dedicada à causa das mulheres». Em 24 de Julho de 2010, a Câmara de Caminha condecorou-a com a medalha de Mérito Dourada «por uma vida inteira dedicada às letras, às mulheres e à singularidade de fazer a diferença».
Há uma frase de Carolina Michaëlis que adoptou como sendo sua: «Eu não tenho biografia, passei a vida a estudar». Por isso costumava parafrasear: «O meu curriculum é apenas o produto dos meus estudos».

Mesmo que não acreditasses, viverás eternamente nas nossas memórias… MULHER entre as mulheres, como te apelidaria nossa “alma gémea”!

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