“A ideia de «socialismo» tem
sido associada, desde as suas origens, à de «comunismo», numa relação ora
indiferenciada ora mutável, por vezes dando maior generalidade ora a uma ora a
outra”
Acílio Estanqueiro Rocha
Foi ao tempo
da nossa vida académica, tendo como um dos principais objectivos aprofundar
temáticas curriculares leccionadas nas disciplinas ao longo dos anos lectivos, que
a docente da disciplina de “Seminário de Estudo Orientado” da altura, Ana Lúcia
Cruz, convidou o professor João Cardoso Rosas, membro da direcção da Associação Portuguesa de Ciência Política
e da comissão científica da Sociedade
Portuguesa de Filosofia, cujas áreas de interesse entram nos domínios da
História das Ideias Políticas, Filosofia Política Contemporânea, Ética
Aplicada, Política e Religião, Direitos Humanos, John Rawls e os seus críticos,
para nos trazer a debate a dicotómica problemática (política) «esquerda» e
«direita».
Conscientes do
facto de a democracia viver da alternância no poder, e face à excelente
explanação do professor João Rosas, permitir-nos-emos em afirmar a saudável
contraposição entre essas duas alternativas – para ambas viverem –, como o
garante da própria democracia. Como diria o mesmo professor, uma coisa não pode
viver sem a outra. Citando André Freire, espelharia a necessidade dessa mesma
dicotomia na alternância de poder, sendo difícil pensar um regime liberal sem a
«esquerda» e a «direita». Dentro da trilogia ideológica da modernidade, o
liberalismo perfilha-se como o centro entre a «esquerda», associada ao socialismo, e a «direita» ao conservadorismo, sendo que este está
mormente associado às hierarquias tradicionais.
Mas que
importância tem esta dicotomia «esquerda / direita», para os regimes
constitucionais? Serão necessárias as pluralidades e/ou as alternâncias de
poder para as democracias? «Comunismo» e «Socialismo», serão a mesma coisa?
Fernando Amaral Gomes, por exemplo, educado num conceito liberal e democrático
de concepção republicana – segundo ele, anti totalitarista – adepto do
socialismo personalista de Henri de Man, postulado em certo período
universitário como apoiante de ideias que se escreviam no MUD Juvenil, crente
de que a prática marxista – tentando opor-se ao regime de Oliveira Salazar –
poderia ser o princípio da liberdade política, chegaria à conclusão reflexiva
de que a mensagem comunista era de
ditadura, com a preocupação imediata de destruição da economia e cultura dos
países onde se instalava usando por um lado o medo, a perseguição,
transformando a fraqueza dos outros em «faltas graves», e por outro, baseando
também a sua propaganda na concessão de pão e de espectáculos. Segundo o
mesmo autor, o socialismo-marxista não era mais do que um socialismo que,
senhor das rédeas do Estado – apesar dos fundamentos do marxismo irem no
sentido de que o Estado não é essa instância superior realizando, seja o que
for, bem ou mal, a razão (Lenine, 21) –, se preocupasse com o governo das
pessoas, mas apenas com a administração das coisas.
E
perguntar-se-ia na altura: Será que estaremos perante extremismos à «esquerda»
e à «direita»? O que é que, na verdade, distingue a «esquerda» da «direita»?
Apesar de
ambos os vocábulos nos induzirem a antagónicos significados, desde o momento
que os tomemos à letra – Esquerda, mão esquerda, sinistra manus; Direita, destra,
«às direitas», loc. adv., como
convém, como é justo – há, contudo, um binómio contrário que os distingue. Se
estivermos a falar politicamente, a ideia de igualdade aparece associada à
esquerda e a desigualdade à direita. Assim sendo, e ainda que tal dicotomia
suscite alguma controvérsia, a ideia de igualdade tem que captar todas as
esquerdas. André Abrantes Amaral, em artigo publicado a 18 de Dezembro de 2003,
com o título «Esquerda e Direita – uma achega para a distinção», afirma que tem
dado conta de uma enorme discussão volta do que é ser esquerda ou de direita,
plasmada numa tendência clara para catalogar as pessoas com sendo de esquerda
ou de direita, por terem certas e determinadas opiniões. Segundo ele, a ideia
generalizada que se tem é que, enquanto a
esquerda representa as preocupações sociais, a chamada solidariedade social (ou
o que quer que isso seja), a distribuição justa da riqueza (o que se entende
por justo?, poder-se-ia perguntar), a direita, representaria a realização de
riqueza, o bom andamento dos negócios, veria primeiro os números e depois a
realidade social, enreda numa distinção errada, já que qualquer pessoa,
quer seja de esquerda ou de direita, tem preocupações sociais. Infelizmente,
depreende-se pelas suas palavras que estamos perante uma atitude parcial, já
que a ser de «esquerda», não formularia a hipótese de estarmos perante uma
distinção errada. Estaríamos perante um nivelamento entre «esquerda» e
«direita».
Se fizermos
desaparecer a distinção entre «esquerda» e «direita» não será bom para as
democracias. Para o professor João Cardoso Rosas, a clivagem substantiva entre
«esquerda» e «direita» permite juízos menos parciais. Se partirmos desta
clivagem, constataremos, muitas vezes, que aqueles que nos parecem ser de
direita (ou de esquerda) não o são verdadeiramente. Em vez de aceitarmos o que
nos dizem – ou o que nós próprios podemos pensar espontaneamente em função do
nosso posicionamento político – devemos perguntar: o que é que eles defendem? Por outras palavras: são a favor do
princípio de rectificação, ou são contra? – questiona João Rosas. Devemos
ter sempre em conta que a «esquerda», numa atitude activa, é a favor da
rectificação, enquanto a «direita», ao guiar-se pela abstenção, é pela não-rectificação.
E que há antípodas do regime democrático, revelados pelos extremismos à
«esquerda» (comunismo revolucionário), ao «centro» (nazismo / nacional socialismo)
e à «direita» (conservadorismo autoritário - salazarismo / franquismo, etc.).
Perante este espectro constitucional estaremos perante ideologias
antidemocráticas, a partir da dicotomia entre «esquerda» e «direita».
Para
finalizar, quarenta anos depois das “portas que Abril abriu”, e em face da
falta de ética da grande maioria dos nossos políticos, uma pergunta fica no ar:
Fará sentido falar hoje de «esquerda» e de «direita»?
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