Tuesday, March 25, 2014

João Cardoso Rosas e a visão político-filosófica sobre “esquerda” e “ direita”

“A ideia de «socialismo» tem sido associada, desde as suas origens, à de «comunismo», numa relação ora indiferenciada ora mutável, por vezes dando maior generalidade ora a uma ora a outra”

Acílio Estanqueiro Rocha

Foi ao tempo da nossa vida académica, tendo como um dos principais objectivos aprofundar temáticas curriculares leccionadas nas disciplinas ao longo dos anos lectivos, que a docente da disciplina de “Seminário de Estudo Orientado” da altura, Ana Lúcia Cruz, convidou o professor João Cardoso Rosas, membro da direcção da Associação Portuguesa de Ciência Política e da comissão científica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, cujas áreas de interesse entram nos domínios da História das Ideias Políticas, Filosofia Política Contemporânea, Ética Aplicada, Política e Religião, Direitos Humanos, John Rawls e os seus críticos, para nos trazer a debate a dicotómica problemática (política) «esquerda» e «direita».
Conscientes do facto de a democracia viver da alternância no poder, e face à excelente explanação do professor João Rosas, permitir-nos-emos em afirmar a saudável contraposição entre essas duas alternativas – para ambas viverem –, como o garante da própria democracia. Como diria o mesmo professor, uma coisa não pode viver sem a outra. Citando André Freire, espelharia a necessidade dessa mesma dicotomia na alternância de poder, sendo difícil pensar um regime liberal sem a «esquerda» e a «direita». Dentro da trilogia ideológica da modernidade, o liberalismo perfilha-se como o centro entre a «esquerda», associada ao socialismo, e a «direita» ao conservadorismo, sendo que este está mormente associado às hierarquias tradicionais.
Mas que importância tem esta dicotomia «esquerda / direita», para os regimes constitucionais? Serão necessárias as pluralidades e/ou as alternâncias de poder para as democracias? «Comunismo» e «Socialismo», serão a mesma coisa? Fernando Amaral Gomes, por exemplo, educado num conceito liberal e democrático de concepção republicana – segundo ele, anti totalitarista – adepto do socialismo personalista de Henri de Man, postulado em certo período universitário como apoiante de ideias que se escreviam no MUD Juvenil, crente de que a prática marxista – tentando opor-se ao regime de Oliveira Salazar – poderia ser o princípio da liberdade política, chegaria à conclusão reflexiva de que a mensagem comunista era de ditadura, com a preocupação imediata de destruição da economia e cultura dos países onde se instalava usando por um lado o medo, a perseguição, transformando a fraqueza dos outros em «faltas graves», e por outro, baseando também a sua propaganda na concessão de pão e de espectáculos. Segundo o mesmo autor, o socialismo-marxista não era mais do que um socialismo que, senhor das rédeas do Estado – apesar dos fundamentos do marxismo irem no sentido de que o Estado não é essa instância superior realizando, seja o que for, bem ou mal, a razão (Lenine, 21) –, se preocupasse com o governo das pessoas, mas apenas com a administração das coisas.
E perguntar-se-ia na altura: Será que estaremos perante extremismos à «esquerda» e à «direita»? O que é que, na verdade, distingue a «esquerda» da «direita»?


Apesar de ambos os vocábulos nos induzirem a antagónicos significados, desde o momento que os tomemos à letra – Esquerda, mão esquerda, sinistra manus; Direita, destra, «às direitas», loc. adv., como convém, como é justo – há, contudo, um binómio contrário que os distingue. Se estivermos a falar politicamente, a ideia de igualdade aparece associada à esquerda e a desigualdade à direita. Assim sendo, e ainda que tal dicotomia suscite alguma controvérsia, a ideia de igualdade tem que captar todas as esquerdas. André Abrantes Amaral, em artigo publicado a 18 de Dezembro de 2003, com o título «Esquerda e Direita – uma achega para a distinção», afirma que tem dado conta de uma enorme discussão volta do que é ser esquerda ou de direita, plasmada numa tendência clara para catalogar as pessoas com sendo de esquerda ou de direita, por terem certas e determinadas opiniões. Segundo ele, a ideia generalizada que se tem é que, enquanto a esquerda representa as preocupações sociais, a chamada solidariedade social (ou o que quer que isso seja), a distribuição justa da riqueza (o que se entende por justo?, poder-se-ia perguntar), a direita, representaria a realização de riqueza, o bom andamento dos negócios, veria primeiro os números e depois a realidade social, enreda numa distinção errada, já que qualquer pessoa, quer seja de esquerda ou de direita, tem preocupações sociais. Infelizmente, depreende-se pelas suas palavras que estamos perante uma atitude parcial, já que a ser de «esquerda», não formularia a hipótese de estarmos perante uma distinção errada. Estaríamos perante um nivelamento entre «esquerda» e «direita».   
Se fizermos desaparecer a distinção entre «esquerda» e «direita» não será bom para as democracias. Para o professor João Cardoso Rosas, a clivagem substantiva entre «esquerda» e «direita» permite juízos menos parciais. Se partirmos desta clivagem, constataremos, muitas vezes, que aqueles que nos parecem ser de direita (ou de esquerda) não o são verdadeiramente. Em vez de aceitarmos o que nos dizem – ou o que nós próprios podemos pensar espontaneamente em função do nosso posicionamento político – devemos perguntar: o que é que eles defendem? Por outras palavras: são a favor do princípio de rectificação, ou são contra? – questiona João Rosas. Devemos ter sempre em conta que a «esquerda», numa atitude activa, é a favor da rectificação, enquanto a «direita», ao guiar-se pela abstenção, é pela não-rectificação. E que há antípodas do regime democrático, revelados pelos extremismos à «esquerda» (comunismo revolucionário), ao «centro» (nazismo / nacional socialismo) e à «direita» (conservadorismo autoritário - salazarismo / franquismo, etc.). Perante este espectro constitucional estaremos perante ideologias antidemocráticas, a partir da dicotomia entre «esquerda» e «direita».

Para finalizar, quarenta anos depois das “portas que Abril abriu”, e em face da falta de ética da grande maioria dos nossos políticos, uma pergunta fica no ar: Fará sentido falar hoje de «esquerda» e de «direita»?    

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